quarta-feira, 13 de abril de 2011

O que é feito da Revolução Árabe ?

       A chama da sublevação foi acesa ainda em dezembro de 2010 pelo mártir Mohamed Bouazizi, no que parecia o inamovível feudo de Ben Ali. O sacrifício do verdureiro de Sidi Bouzid (V. blog O Icone da Revolução, de 23 de março último), culminado em 4 de janeiro de 2011, desencadearia movimento que se alastraria pela nação árabe afora. A irrupção e a presteza, quase alacridade, com que atingiria as mais recônditas e na aparência inabaláveis tiranias, fortaleceu-lhe o ímpeto e a confiança, uma vez derrubado o mito de que os árabes são dóceis súditos do déspota da vez.
       Como todo incêndio, a insurreição crepita mais forte, se levada pelos ventos turbulentos da indignação em terras ressecadas por opressão e injustiça. Para tanto, a flama espalhada pela raiva de Bouazizi se deparou com vastos campos e páramos, onde jazia latente a revolta plantada por tantas décadas de arrogância, privilégio e corrupção.
      O avanço inicial alcançou não só o Egito, de Hosni Mubarak, e o Iêmen, de Ali Abdullah Saleh, senão a Argélia, de Abdelaziz Bouteflika. Contido nestes últimos países, iria derribar a trintenal ditadura de Mubarak, enquanto a pertinácia de Saleh estenderia a confrontação muito além do previsível.
      Não tardou a atingir a Líbia, do coronel Muamar Kadaffi. A farcesca Jamairia se cindiria entre o oeste dos cruéis caprichos de um tirano, que acredita no próprio carisma, e o leste esquecido e perseguido de seus opositores. Mais tarde, viria a intervenção da OTAN, com a zona de interdição aérea. Os débeis armamentos dos rebeldes e as limitações do poder aeronáutico tem assegurado por enquanto a sobrevivência política de Kadaffi.
     Os ares do motim e da rebelião se espraiaram até confins havidos por impregnáveis, como a Síria de Bashar al-Assad, que entre promessas de liberdades e as balas do exército e da polícia, peleja por manter o próprio dinástico mando. Já a Jordânia, em que o rei Abdulah II contraria o esteio beduíno da monarquia, se vê às voltas com as manifestações da ruas; e o Bahrein, pequeno reino insular onde convivem, em virtual apartheid, a maioria xiita, sob os sunitas que na hora da tomada de contas recebem a não-desinteressada ajuda militar do rei Abdulah da Arábia Saudita.
     Até no Egito da praça Tahrir, e da alegre convivialidade entre o povo intransigente e a soldadesca, após a queda acolchoada de Hosni Mubarak, se levanta a suspeita de que todo o sacrifício e a euforia da conquista vão se dissipar nos ares de tantas revoluções traídas.
     Se o cansaço da refrega afasta muitos, não faltam ainda aqueles que protestam contra o Marechal de Campo Mohamed Hussein Tantawi, que colhe a sucessão do velho amigo Mubarak, e à testa do Exército protege o ex-ditador das agruras da planície. De novo, o povo egípcio se levanta contra o aparente escárnio da revolução, que parece acabar sob os cuidados castrenses. É longa a luta, e mais mortos se empilham, culpados de terem pensado que os dias na praça não tinham sido em vão.
     Teima em defrontar-nos a pergunta de como passará à história a revolução árabe democrática. O caso de Egito nos aconselha a prudência. O autoritarismo, se representado por uma instituição – no caso o exército – há de colocar  desafio muito maior do que aquele de um ditador isolado. O poder pessoal será sempre mais fácil de ser varrido. Depois do hercúleo esforço de derrubar Mubarak, que sempre governara com o apoio e a colaboração das forças armadas, partícipes no processo, e após o congraçamento da reivindicação atendida em pleno, a opinião pública se dá conta de que a face da governança terá mudado, mas que a essência de seus instrumentos permanece a mesma.
    Dessarte, o brado da praça Tahrir – não mais com o número e a concentração anterior, pelo natural desgaste de um processo revolucionário aparentemente vencedor – não tenderá a soar com igual força. A par do cansaço, entra em consideração o respeito tido pela força armada. Não é, por acaso, que desde a queda do jovem rei Faruk em 1952, os militares mantêm o monopólio do poder.
    Na Síria, o que representaria uma vantagem para a revolução está no caráter canhestro do sucessor de Hafez al-Assad. Não se desrespeita Maquiavel impunemente. De qualquer forma, o movimento liberal carece de coordenação, e não semelha em condições, por ora, de levar de roldão a ditadura dinástica.
    Na Líbia, a luta dá a impressão de encontrar-se num impasse. A liga rebelde não quer Kadaffi de volta, mas não dispõe de armas e de estrutura para derrotá-lo. Por seu lado, os bombardeios da OTAN sofrem do cerceamento imposto ao poder aéreo. E tampouco a estratégia ocidental parece querer utilizar a arma de que dispõe com a amplitude desejada pelos rebeldes, para maior proteção dos civis.
    No pobre Iêmen, a resistência do presidente Saleh desafia a lógica. Em tais embates, os vaticínios devem ser evitados, porque tudo semelha depender dos caprichos da deusa Fortuna.
    A família que domina o Bahrein – os al-Khalifa – vem demonstrando crueldade crescente, como se verifica pela negação de tratamento médico aos manifestantes xiitas. Sob o braço armado do destacamento de ocupação da Arábia Saudita, os al-Khalifa se julgam acobertados e com rédea livre.
    Como se há de intuir, ainda é cedo para um juízo acerca da revolução árabe democrática. Se imitará a revolução de 1848 na Europa, que terminaria como o primeiro sintoma de um processo, ou se ao cabo, de mais alguns meses, terá outros troféus a exibir, não disponho de bola de cristal para aventurar-me a tais prognósticos.

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