sábado, 15 de dezembro de 2012

Os Massacres na Sociedade Hodierna


                          Como entender esse triste e miserável fenômeno que para horror de muitos dá preocupantes indícios de que se banaliza com as suas infindas repetições. De início, os jogos de computador, em que aventuras se constroem sobre o fundamento da capacidade do jogador que tem o domínio da situação mas só pode avançar e progredir na sua frenética correria para sabe-se lá que tesouro eliminando humanos e humanoides na sua progressão marcada por pufs e estrelinhas. Se esta é a condição do jogo – neutralizar, mas na verdade desfragmentar não só os suspeitos usuais, mas também todo tipo de bandido, com suas feições e aparência light, o que aumenta a excitação do desafio, que na verdade prende a meia-atenção do herói, e lhe carrega a adrenalina, na satisfação de desbastar o caminho pela frente ! Pois como é fácil para o jogador cibernético ser o hiper-campeão nessa matança sem gritos, sem sangue e sem piedade. À maneira de um Ben-hur da pós-modernidade, com a atenção centrada nas delícias do hiper-desafio, ele se projeta com a displicência de quem antes se comprazia em esmagar insetos. Agora não tem sequer o incômodo das palmas úmidas e enodoadas por exercício remanescente de um desconforto com as malditas e pegajosas criaturas. Agora, não! É uma brincadeira pra valer, mas de tão bem ordenada e estruturada que os seus reflexos esperam com segurança crescente o gozo da prova. É indizivel sucessão de surpresas, com ataques sempre mais imaginosos, e num compasso tão frenético que chega a recordar as delícias pré-orgasticas, em exercício cujo único valor está na alucinada superposição de estágios, que tudo prometem, e ao cabo se transformam em outra cadeia, na qual os tempos se encolhem sempre mais enquanto maior cresce a expectativa da satisfação de tal rutilância, que traz nela embutido o travo da dúvida, que o acicata ainda mais, na busca agora de clarões, enquanto persegue a figura do inimigo que corre, voa desabaladamente, e às vezes, diante de olhos vidrados, se transmogrifa em riso canalha ou no piscar de olhos fulgidamente programados para de súbito se transmutarem no sorriso da mulher ausente, que ele, outra vez de repente não sabe o que fazer com – se a alveja e abate, como toda a procissão de vítimas que, por se meterem no seu caminho jornada das estrelas, o herói num átimo volatiza, ou se continua um pouco mais na perseguição, sem querer nem saber se esses planos são exequíveis em  jogo feito para excitá-lo numa corrente desembestada, que não põe outra condição além da morte, pois em torno dela, nas ondulantes sombras de uma correria de lemingues, ele está condenado ao jogo da morte. Embora o esforço físico seja mínimo – as máquinas não estão ali justamente para criar a ficção da realidade? – ele se dissocia da ideia do tempo, ou na verdade mergulha nela, com a alegria do mergulhador de Paestum, e se abandona àquele peculiar prazer de que o poeta, esse sublime mentiroso, promete que seja eterno enquanto dure. Mas de uma coisa ele não pode se esquecer, à medida que avance nessa insana progressão, sob o sádico domínio da máquina, as vistas crescendo e se desviando, por toda parte arremetendo nas cavernas do dia-a-dia, sob o compasso de jogo que não tem outra porta de saída que não a da morte, pois ele se constrói com as peças da mentira de um falso enigma, que a dizer verdade – se alguma conexão com a realidade é admissível – vai aos poucos diminuindo a cadência e o ritmo para entranhar-se em maldita fenda abismal, povoada por cadáveres de helotas. E será pela ferocidade animal que ele, o eterno guerreiro, se guindará ao campo de uma batalha há muito travada. O nosso herói porta a reluzente armadura dos hoplitas, e traz consigo o espadim que ora lhe pertence, pois o retirou das mãos crispadas do comandante abatido. Ele não sabe que está morto, e por isso caminha com o passo firme da gente que se foi. E, meu ilustre passageiro, ao vê-lo na rua, ajaezado com trajes de antanho, olhe para o lado ou se finja de distraído, porque ele, quer em vídeo-games, quer em desforços marciais, quer na busca atávica da inocência perdida, será sempre o personagem da violência, em que  verdade e  faz-de-conta fazem parte de uma renda a qual o herói bestial se compraz em dilacerar, sem razão e sem motivo, salvo talvez o de refazer no mundo lá fora as turvas experiências de uma mente extraviada, sem sentido, mas tão perigosa quanto a gentil crueldade do mundo moderno.

 

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