domingo, 30 de dezembro de 2012

Colcha de Retalhos CXXXI

                                           
 Paquistão – um país problema ?

           Desde muito o Paquistão – que é um estado com arsenal nuclear – vem sendo associado a uma indefinição. Afinal, de que lado está este país ? Que tipo de segurança dá a seus cidadãos ? Como definir a aliança – ou as ligações - do serviço de informações do exército com o talibã, que tem grande presença na sua área fronteiriça norte, com o Afeganistão ?  Até que ponto existe um poder civil naquele país, dominado pelo exército ?
           A falta de segurança – e a maior vítima recente foi Benazir Bhutto – terá de ser a regra ?
           Noticia-se agora ulterior consequência dessa radicalização do país. As Nações Unidas resolveram suspender todas as suas atividades de campo, quanto à imunização de crianças no que respeita à poliomielite.
           Tal se deve à circunstância de que coexistem em nossa época – sem qualquer conotação pacífica – vários paradigmas existenciais (no sentido kuhneano da palavra). Assim ao lado do século XXI, encontramos a idade média, em que uma visão simplista e hierática da realidade não admite a presença de outras idades, não digo sequer em termos de tolerância religiosa, mas sim de domínio absoluto de um poder mágico, que exclui todos os outros.
           O que pareceria  medida clínica para beneficiar uma coletividade – vacinar-lhe as crianças contra o flagelo da pólio – aqui pode ser interpretado como sombria conspiração contra os princípios do Islã.  Assim, o terceiro dia de campanha de vacinação tem macabro registro de oito agentes sanitários (a maioria mulheres), mortos por ataques na cidade de Peshawar (no nordeste do país) e também na própria Karachi.
           Há três países em que a poliomielite continua endêmica: Nigéria, Afeganistão e Paquistão.  Só em 2012, se assinalam 56 novas incidências da doença no Paquistão, comparado com os 192 do 2011. A queda nesse ano se deve ao incremento nas campanhas de vacinação. A matança dos assistentes sanitários, atribuída aos talibãs (posto que negadas pelo respectivo comando) se deve a uma confusão entre os administradores da vacina e a circunstância de virem a ser confundidos com agentes secretos da CIA.
           Infelizmente, por mais ridícula que se afigure a suspeita nos dias que correm, ela tem uma base em  ação da CIA, realizada em Abbottabad, numa falsa campanha de vacinação anti-hepatite. Tal se insere na caça a Osama bin Laden, ultimada como se sabe em maio de 2011 (o dr. Shakil Afridi, pago pela CIA, foi condenado a 33 anos de prisão por traição).
           A sorte da população – e dos agentes sanitários empenhados em trabalho meritório (e arriscado) – não pode ser instrumentalizada, máxime em um país com as características sócio-políticas do Paquistão.


A Guerra Civil Síria

             Um fator muito importante para a decisão de um conflito está na avaliação da capacidade de governabilidade das partes. O exército francês, v.g., na guerra civil argelina, teria uma vitória militar sobre a Frente de Liberação Nacional, mas derrotado no front político, a sua alegada vantagem bélica, não tinha condições de prevaler.  Daí o reconhecimento do general de Gaulle, com o seu célebre “je vous ai compris” (eu vos entendi), que a multidão de colonos em Argel interpretou como anuência à permanência da Argélia como departamento da República Francesa, quando, em verdade, significara justamente o contrário (a sua frase, diante de uma turba, só poderia contornar a verdade, eis que a respectiva afirmação implicaria em sentença de morte).
            Quando o aliado russo – e a Putin, pela sua anulação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, deve Bashar al-Assad a sua continuação no poder até agora – principiou a evidenciar prognósticos negativos sobre as condições de vigência do regime alauíta, a posição do ditador sírio sofreu um duro golpe.
            A Realpolitik mandava que a Federação Russa – se queria ter alguma condição de manter relações com o Comando Rebelde – admitisse o óbvio. Não só que Bashar estava perdendo a guerra, mas que a sua perspectiva de poder se esvaía a cada jornada.  Assim, o domínio territorial, com sua progressiva perda de controle de faixas cada vez maiores da respectiva área de soberania.
            Por outro lado, segundo a velha imagem das ratazanas a abandonarem o navio que faz água em todos os porões, a Síria não poderia apresentar uma projeção mais cruel e veraz dessa brutal verdade. Num certo momento, quando a sobrevivência de cada um semelha em crescente risco, as considerações ideológicas, de sangue e de credo, tendem a empalidecer, para dar lugar a pulsões animais, em que o instinto tem a última palavra.
            Em decorrência desse ambiente de fim de reino, até a visita do mediador das Nações Unidas, o argelino Lakhdar Brahimi, foi interpretada como para a discussão   de opções de transição política para o assediado – e cada vez mais encurralado – Bashar.
            As defecções conhecidas – como a do Chefe de Polícia – são interpretadas como encobrindo outras, de personagens ainda mais importantes, cuja falta de sinais de permanência só contribui para exacerbar as previsões de mais fugas, algumas das quais se descobertas poderiam ser havidas como a sirene de um transatlântico cujo naufrágio não está mais em dúvida – resta tão só o cálculo do período remanescente das respectivas condições operacionais.
            Bashar al-Assad tem repetido não possuir outra opção que a luta incondicional. Todo o déspota em processo de queda só pode afirmar isto. A sua disposição é férrea – até o momento do desenlace, seja ele qual for. Se admitir qualquer exceção, isso equivale a auto-condenação. E será esta a única margem de que disporá.


A Segurança da Missão em Benghazi

             As causas da morte de quatro americanos – inclusive a do embaixador J. Christopher Stevens – foram avaliadas por uma junta de especialistas, designados pela Secretária de Estado Hillary Clinton. Dentre esses, foi ressaltada a presença de Thomas Pickering, ex-subsecretário de Estado, e embaixador junto a muitos países, e do Almirante Mike Mullen, ex-presidente da Junta dos Comandantes Militares (Joint Chiefs of Staff).
             O último embaixador americano assassinado, Frank V. Ortiz Jr.,  o fora na Guatemala, na avenida da Reforma, a seis de agosto de 1980.   A campanha de Mitt Romney tentou inserir – sem sucesso – o assassínio do embaixador Stevens na campanha presidencial.  Hillary, com a habitual eficiência, providenciou sem alarde que as condições da morte do embaixador – e de seus colaboradores – fossem devidamente avaliadas, por uma comissão de profissionais competentes e acima das instrumentalizações politiqueiras.  Em função das conclusões da comissão, quatro altos funcionários do Departamento de Estado foram afastados de suas posições, inclusive Eric Boswell, o assistente de secretário-estado para a segurança diplomática.
            A Senhora Clinton aceitou todas as 29 recomendações. O relatório inculpa  “os fracassos sistêmicos de liderança e de gerenciamento, inclusive as deficiências nos níveis superiores nos setores de Segurança e de Assuntos do Oriente Próximo. Tal resultou em uma “posição de segurança que era inadequada para Benghazi e grosseiramente inadequada para lidar com o ataque que a instalação sofrera”.
            Os setores competentes falharam quanto a própria responsabilidade de partilhar a responsabilidade no planejamento de uma segurança adequada. Várias autoridades foram responsabilizadas por ignorar pedidos da missão em Benghazi da Embaixada em Tripoli para ter mais guardas, a par de upgrades no Consulado de Benghazi.
            Um dos problemas com que o Departamento de Estado se defrontou foram as características temporária do complexo de Benghazi – o que tornava os funcionários mais relutantes em conceder fundos escassos para instalações temporárias.

                  

( Fontes:  International Herald Tribune; The Structure of Scientific Revolutions, de Thomas S. Kuhn )

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