sábado, 29 de dezembro de 2012

Duas Crises para ser lembradas

                                            
            Ambas têm a ver com os Estados Unidos, embora a primeira se tenha originado na Rússia, e reflita o crescente autoritarismo do regime de Vladimir V. Putin, enquanto a segunda só é inteligível dentro da presente esquizofrenia da política americana.
            Sergei L. Magnitsky, advogado russo, morrera há três anos na prisão Butyrka, por força de maus tratos e falta de cuidados médicos elementares. Apesar de ter sido levantada lista de 60 funcionários russos implicados no caso Magnitsky pela comissão Helsinque, a única autoridade formalmente indiciada fora o dr Dmitri Kratov, ex-chefe do ‘serviço médico’, acusado de negligência – por assinar documentos denegando o requerimento de Magnitsky de ser transferido para uma enfermaria – embora estivesse ciente do diagnóstico de pancreatite e de pedras na vesícula, cinco dias antes da morte do prisioneiro.
           Em função desse caso célebre de um defensor dos direitos humanos – atividade plena de riscos na Federação Russa – o Congresso americano votou lei que veda a entrada nos Estados Unidos de transgressores russos de direitos humanos.
          Por força desta lei, o parlamento russo, com o apoio do presidente Putin, votou disposição que proíbe a adoção de crianças russas por nacionais americanos. A iniciativa foi denominada Dmitri Yakovlev, o nome de criança russa adotada nos Estados Unidos, e que morrera desidratada por ter sido esquecida no interior de um carro.
          O Presidente Putin, além de assinar prontamente a proibição de novas adoções de órfãos russos por casais americanos, também declarara em entrevista de imprensa que Magnitsky havia morrido por causas naturais.  Como no Rússia, a palavra de Vladimir é lei, o promotor no processo contra o Dr. Kratov prontamente pediu à juíza Tatyana Neverova que absolvesse o Dr. Kratov. Como um valor mais alto se havia alevantado, a juíza não só atendeu ao pedido, mas também sinalizou ao Dr. Kratov “que ele poderia processar o governo por prejuízos sofridos, com base em lei relacionada com acusação ilegal”.  Talvez atordoado pela abrupta reversão, o Dr. Dmitri Kratov disse à imprensa não haver decidido se impetrará o processo ou não.
           O antigo patrão de Magnitsky, o Fundo de Capital Hermitage, considerou a sentença “um total aborto de justiça. Não há dúvida que as pessoas responsáveis pela morte de Magnitsky estão sendo protegidas pelo presidente da Rússia. Agora que o presidente Putin está pessoalmente envolvido na obstrução de justiça num importante caso de assassínio extra-judicial, ele terá de arcar com as consequências de seus atos”.
           Há diversos casos pendentes de órfãos russos já aprovados judicialmente, que de súbito entraram no limbo das decisões político-administrativas. No passado, as intervenções do Congresso – no tempo da URSS – nem sempre beneficiaram àqueles a que se propunham favorecer.
           Em um país onde o governante não tem ideologia, as patriotadas vêm a calhar para dar um sentido a ação política sem sentido. É o que presumivelmente vá ocorrer: perdem as crianças, porém o maior perdedor é o pobre Sergei L. Magnitsky, morto por um conluio de sessenta inocentes legais no universo prisional de todas as Rússias, com patronos importantes como Fiodor Dostoievski e outros talvez de menor renome, mas de igual capacidade de sofrimento.
           A outra crise é a do chamado penhasco fiscal (fiscal cliff). Para que entendamos melhor este problema conjuntural americano, não devemos de início esquecer a sua total artificialidade. Dentro da postura instrumentalizadora da Casa de Representantes, que continua dominada pelo GOP, carece de termos presente que o resultado da crise anterior, desastroso para Barack H. Obama, acabou sendo catártico para  o presidente, que se viu forçado a abandonar as suas ilusões centristas e bipartidistas diante da manifesta má-fé do líder da maioria Eric Cantor e da bancada do Tea Party.
          A aprovação da elevação do teto da dívida fiscal, como se sabe, já havia sido objeto, na administração Bill Clinton, de chantagem do Speaker Newt Gingrich. Então o golpe sairia mal para os republicanos. Dessa feita, a instrumentalização pela maioria republicana na Câmara de Deputados levou a administração Obama a atravessar a sua pior crise. O presidente, no entanto, se recuperou plenamente, conforme evidenciado pela derrota de Mitt Romney. Da falsa crise, no entanto, ficou o mecanismo do fiscal cliff, que  é o que está alimentando a nova paralisia legislativa.
           O próprio Speaker John Boehner se viu desautorizado pela respectiva bancada. A maior parte dos republicanos assinara o alegado documento Norquist (Norquist pledge), pelo qual eles se comprometem a em hipótese alguma aumentar impostos. A demagógica proposição, em um país com um déficit fiscal de um trilhão de dólares, já não faria nenhum sentido. A medida legislativa se propunha restabelecer alguns dos cortes fiscais do governo Bush júnior (justamente os que baixaram os aportes da faixa de contribuintes mais abastados). A insegurança de Boehner o fez recuar em uma proposição sua, que tinha possibilidade de ser aprovada pela Câmara baixa, com o voto da bancada democrata e de parte da republicana.
         Agora, na vigésima-quinta hora, Obama reúne uma vez mais os atores do abismo fiscal. A incerteza do consumidor diante dos brutais cortes determinados pelo dito fiscal cliff tem provocado baixas nas bolsas acionárias. No jogo de empurra acerca da responsabilidade por mais esta crise de paralisia no governo estadunidense, o nervosismo tende a crescer no lado do GOP, que pelo seu radicalismo em não aprovar qualquer tipo de tributação – mesmo aquela que reponha níveis fiscais antes praticados – tende a inviabilizar qualquer tipo de compromisso (transigência).
         É de esperar-se, por outro lado, que o presidente, escarmentado pela perda do controle do Congresso  - a Câmara continua com maioria republicana, posto que a facção Tea Party tenha saído enfraquecida dos últimos comícios – não vá reincidir com a sua tendência a ceder no final. Tudo leva a crer que não, mas... De qualquer forma, não há dúvida de que há corda suficiente para os caciques do GOP se enforcarem, se eles persistirem no seu vezo de não assentir a qualquer aumento de impostos. O mais engraçado é que, submetendo-se ao penhasco fiscal, eles estão fabricando um novo surto de recessão – em um momento em que a economia americana apresenta uma taxa assaz positiva de recuperação – por meio dos brutais cortes e, pasmem ! – dos aumentos automáticos de tributos causados pelo instrumento fruto da negociação bipartidária anterior.
 

 
( Fontes:  International Herald Tribune,  CNN )

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