No campo do diálogo com o poder, a democracia brasileira ainda está nos cueiros. Enquanto nos Estados Unidos, as entrevistas presidenciais fazem parte da rotina, no Brasil elas tendem a ser autênticos eventos, muita vez havidos pelo(a) ocupante de turno como se fosse concessão especial.
Tal chegou ao limite durante os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em que esse temor da imprensa chegou a um quase paroxismo, eis que as coletivas presidenciais encolheram dramaticamente. Havia decerto na raiz da limitação a própria insegurança quanto à capacidade de lidar com as pautas das diversas redações.
Se nesse aspecto Dilma Rousseff – pelo seu controle gerencial, que se estende na prática há seis anos – tem visão mais ampla e aprofundada das diversas questões político-administrativas do governo, surpreende ainda que esses encontros com o chamado quarto poder sejam tão raros.
Favorecido pela sua capacidade de discurso, o modelo preferido era o do “palanque” nos oitos anos de Lula da Silva. Sobrepairava a relação um caráter adversarial. A imprensa, sob o controle das alegadas elites dominantes, constituiria, salvo minguadas exceções, o inimigo a ser vigiado e combatido. Toda e qualquer abertura a diálogo demasiado amplo representaria perigo a ser evitado, dadas as múltiplas possibilidades que a colocação de quesitos não-triados poderia implicar.
Pelo menos, esta era a opinião prevalente nos grupos sinceros, mas radicais que apoiavam a administração petista e se empenharam em iteradas tentativas de controle dos meios de comunicação, como evidenciado em projetada legislação apadrinhada pelo então ministro Franklin Martins, e ritualmente endossada por congressos partidários.
Mutatis mutandis, tais segmentos petistas se inspiram sem sabe-lo no velho ditado lusitano “ De Castela, nem bons ventos, nem bons casamentos”. Como em toda relação dessa índole, a perpassa uma não-confessa admissão de inferioridade. Se tal é inteligível na atitude do pequeno reino atlântico, que lograra espraiar-se por império ultramarino a que el-rey D. João III desesperava em lograr administrar, essa postura convive mal com uma irrepressa desconfiança.
Ao invés das tentações autoritárias – que felizmente aqui não tiveram vez – o diálogo aberto com a imprensa – e, por conseguinte, com a sociedade civil – representa a saída natural, que tiraria o caráter verticalista da relação do Poder com o povo soberano. Em consequência, se afastaria a excepcionalidade dos contatos com a imprensa, desaparecendo qualquer ‘azia’ na avaliação de tal inter-relação.
Entende-se o ceticismo dos órgãos jornalísticos e de seus colunistas, com a virtual cesura no relacionamento entre Dilma e o setor energético, que, na verdade, está sob seu controle desde o início do governo Lula da Silva em 2003.
Quanto à existência ou não de apagão, o que tem prevalecido é uma série de sub-apagões, como se verificou de forma demasiado gráfica nas diversas áreas do subúrbio, virtual ou não, do Rio de Janeiro, todas elas afetadas por longas paradas no fornecimento de eletricidade, enquanto os principais bairros metropolitanos (Barra, São Conrado, Zona Sul, centro urbano) dela ficavam miraculosamente isentos.
Apesar das negativas presidenciais, tem faltado manutenção no sistema. Com a acrescida demanda energética – que se deve à elevação das temperaturas médias, o que não é castigo divino, mas uma decorrência de um conjunto de fatores adversos (desmatamento, uso crescente de fontes ‘sujas’ de energia, aumento do número de veículos sem qualquer controle sério de emissão de poluentes, etc. etc.), atribuíveis diretamente ao bicho homem.
Por outro lado, são mais do que conhecidas as sarnas de nossa economia: o excesso de carga tributária, o patrimonialismo e a corrupção rampante, a falta de uma taxa sustentada de investimento, as deficiências na educação, as enormes lacunas na infraestrutura rodo-aero-portuárias, as falhas nas grandes opções, com ênfases em ramos suntuários (v.g., estádios de futebol) e em negligência no saneamento básico.
Compreende-se, por isso, que governantes instalados em paços magníficos sintam certa dificuldade em ser perguntados das mazelas do sistema. Uma azia que é sem dúvida humana e compreensível. D. Dilma, no capítulo, me parece bem intencionada. Será através do exercício do diálogo, que se pode avançar nesse campo onde os exemplos, seculares e recentes, se afiguram quase sempre desastrosos. Mas não outro jeito. O progresso está em trazer o escondido para as aras do poder. O triunfalismo é o refúgio do autoritarismo incompetente. Não é por aí, senhora presidenta. Tudo tende a melhorar se a senhora ficar rouca de tanto ouvir.
( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo, Jaime Cortesão,
historiador luso-brasileiro 1884-1960).
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