segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A Revolução Órfã

                                       
        A situação na Síria se agrava. Liberado pelo veto da Federação Russa (leia-se Vladimir Putin), a que se associou a China, o Ditador Bashar al-Assad recrudesceu a  violenta repressão contra o povo sírio.
         Não restam dúvidas quanto ao significado do cínico apoio reiterado pela visita a Damasco do Ministro do Exterior russo Sergei Lavrov ao pária internacional Bashar, logo após a inviabilização pela autoritária dupla  sino-russa de qualquer ação internacional autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
        O próprio Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, condenou os bombardeios das forças do déspota contra o seu próprio povo. Bashar al-Assad se acredita autorizado a sufocar em sangrentos massacres a obstinada resistência da revolução na Síria, que já entrou no seu undécimo mês, com milhares de mortos (há cômputos que elevam a macabra lista a nove mil).
        Muitas dessas fatalidades teriam sido evitadas se o tirano Bashar tivesse pela frente não uma população, na prática, desarmada. A princípio, o presidente sírio acreditou possível engambelar a sociedade civil com promessas de liberalização tão gerais, quanto vazias, enquanto  seus destacamentos de segurança abatiam manifestantes singulares, pelo ‘crime’ de reivindicar a democracia.
       Como essa ‘cura preventiva’ não funcionou e o levante se espraiou de Dara aos  diversos centros urbanos como Homs, Hama – já castigada por Hafez al-Assad em 1982 – Idlib, Baba Amr, até alcançar Aleppo e Damasco, em que o oficialismo predomina, o regime alauíta acreditou possível suprimir a insurreição através da intimidação e da matança.
      A exemplo de outras oportunidades, no entanto, o método do fuzil – que pode até servir em intervenções tópicas, como no recente esmagamento do movimento verde iraniano, liderado pelos candidatos esbulhados em 2008 Mir-Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi – tem sério defeito, eis que os soldados rasos estão encarregados de empunhá-los.
      Se a tropa não for cevada com privilégios, terá muitos motivos para entender a rebelião dos concidadãos. Esse fenômeno da eventual confraternização dos destacamentos regulares com a população levantada já se assinala na Revolução Francesa. Se a divisão blindada, dita de elite, sob o comando do irmão Maher, cumpre as ordens da repressão, os demais destacamentos de conscritos, com baixa paga, estarão mais abertos para a adesão à causa do povo.
     Esses imaginários bandidos armados pelo estrangeiro, com que a propaganda oficial intenta desmerecer e conspurcar a resistência, são na verdade soldados que preferiram desertar a continuarem assassinos de sua própria gente.
     Como se vê através de bravos profissionais, que se atrevem a descumprir os mandados do tirano – e os riscos que correm são óbvios e mortais – a mídia internacional tem logrado rasgar em determinadas áreas essa cortina baixada por al-Assad (também aqui seguem lição ministrada pela república dos ayatollahs).
      E o que se descortina é decerto deplorável. Deparamos  povo quase desarmado que tem de arrostar a artilharia pesada e os carrascos, atiradores isolados (snipers) e toda a escumalha de tais regimes autoritários e discricionários.
        Por tal razão, a revolução síria, temperada por tão larga e aturada determinação, que se manifesta por toda a parte, como o suor em um corpo que não mais suporta as teias e faixas com que pretendem manietá-lo. Se as armas estão iniquamente distribuídas,  dada a extensão e o entranhamento da resolução popular, o seu emprego, por letal e injusto que seja, só tende a espicaçar  criatura a quem a repressão não tem mais o poder de intimidar, subjugar e calar.
       Esse momento mágico, no entanto, terá seus limites, e a Humanidade não pode, com benigna indiferença, assistir a uma progressão que pelo inerente desequilíbrio terá seus limites de sustentação.
      Que algo deve ser feito em prol da resistência síria, semelha manifesto. Para tanto, as atenções da comunidade internacional se voltam para os Estados Unidos e a administração Barack Obama.
     Surge, entrementes, primeira revoada de protestos. A sua oportunidade é inegável.
Não obstante, Mao Zedong recomenda aos chineses que antes de implementar sugestões por mais sensatas que pareçam, tenha-se bem presente quem as apresenta.
    No caso em tela, segundo a CNN 56 republicanos, expertos  de política exterior e ex-altos funcionários subscrevem carta que encarece, sob liderança estadunidense,  a tomada de medidas pró-ativas contra o governo Assad. Entre outros, recomendam essa linha de ação Karl Rove (o antigo alter ego de George W. Bush), Paul Bremer (o desastroso ex-procônsul no Iraque), James Woolsey (ex-chefe da CIA) e Robert McFarlane (ex-assessor de segurança nacional de R.Reagan).
    Afigura-se inegável a seriedade da situação síria e a sua presente orfandade em termos de válido apoio para enfrentar a desapiedada repressão de al-Assad.
     Que algo carece de ser feito, e com urgência, não há negar. A Administração Obama não pode limitar-se às atuais medidas, com sanções de determinados países, cuja eficácia parece mais do que duvidosa, diante de um regime como o de Bashar, que conta com poucos – mas válidos – apoios internacionais (leiam-se Rússia e Irã).
      Se a recomendação dos 56 expertos republicanos – muitos dos quais aprovaram a guerra contra Saddam Hussein, fundada nas inexistentes armas de destruição em massa (WMD) – levanta questão importante, cuja solução pelo governo democrata de Obama, no entanto, não pode prescindir da camponesa sabedoria do antigo líder da revolução chinesa.
     Algo terá de ser feito, mas, por favor, convém não  esquecer o atoleiro em que os neoconservadores meteram Washington e seu Tesouro, na sua suposta cruzada pela democracia no Iraque.

( Fonte: CNN )

     

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