terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O Apodrecimento da Situação Síria

        São conhecidas as motivações da Rússia para recorrer ao veto no mais recente projeto de resolução, de iniciativa do Marrocos,  apoiado pela Liga Árabe e o Ocidente. O fato de a República Popular da China haver acorrido, pressurosa, a tal veto tem significado circunscrito a voto de apoio ao Kremlin. Dificilmente se poderia imaginar o veto isolado da RPC. A despeito das considerações ideológicas e do arrimo eventualmente prestado a regimes autoritários, os laços de Beijing com a Síria alauíta dos Assad não justificariam um tal desgaste político, se porventura assumido de forma individual.  
      Depois que se rejuvenesceu para as vindouras eleições presidenciais, Vladimir Putin semelha haver perdido parcela da sua habilidade política. Indicações disso são encontradiças nos erros de avaliação cometidos no que tange aos projetos de ‘reforço’ dos respectivos planos de prolongamento de sua predominância no poder.
      Mesmo se abstrairmos considerações éticas nesse campo, não há negar que a mão pesada nas eleições para a Duma  – se parafrasearmos um célebre dito – mais do que um crime, foi um erro.
     Como o velho knut[1] dos tzares, tal falta de sensibilidade de gospodin Putin acicatou a oposição, e trouxe para ela o indignado apoio de boa parte da opinião pública. Se  bastará  para tornar problemática a sua recondução à presidência, parece uma outra estória. Sem embargo, ao protegido de Boris Ieltsin, com o seu entorno da K.G.B., já não se deparam os róseos cenários de antanho. A reação da sociedade não mais acena com a antiga carta branca e a quase unanimidade.   
     Promete, portanto, sair caro para o Primeiro Ministro da Federação Russa o menosprezo para com apreciação assaz generalizada da comunidade internacional. Um veto em tais condições resulta, por vezes, mais oneroso para quem o lança, do que para a situação que pretende salvaguardar.
     A cínica atitude de Bashar al-Assad que sequer aguardou a corneta da salvadora carga da cavalaria ligeira de Moscou para despejar a força da artilharia contra o seu povo, se é sintomática no que tange aos métodos respectivos, na verdade pode significar um tiro no próprio pé.
     Para resguardar as respectivas inversões no cambaleante governo de Bashar, aproveitaria talvez mais a Putin que se abrisse  às aspirações da maioria da população síria. Em procedendo de tal forma, a Rússia ingressaria em uma multivariegada aliança, que vai da Turquia de Erdogan, passando pela Liga Árabe na sua maioria, até o Ocidente de Obama e de Cameron, estados, aliás, que decidiram fechar as suas missões, pela manifesta impossibilidade de aí permanecerem.
     Não obstante as fisionomias acostumadas à insensibilidade da chamada Razão de Estado, os dois  crispados semblantes de seus representantes no Conselho traíam o peso inaudito daqueles isolados braços que rompiam na aparência o consenso mundial de que algo carece de ser feito para pôr um termo a desapiedade carnificina na Síria.
    A Bashar, como a todos os tiranos, aborrecem os sinais de que seus dias no poder estão contados. Como não deixou de indicar-lhe – e já faz tempo – o Primeiro Ministro turco, Recip Erdogan, com o passar dos dias – e a sobrecarga dos massacres – se vai fechando a janela de uma saída digna da curul presidencial. A Primavera democrática tem, a respeito, uma vitrina que recomendaria maior atenção e, quem sabe?, juízo.
     Perpassa a população síria, em sua maioria, a negativa da continuação do poder discricionário de Bashar al-Assad. Não é hora de assumir posturas de afogado, que costuma levar consigo o pobre infeliz que intenta salvá-lo.
    Teimosia diante de uma realidade em processo de apodrecimento só tende a prolongar o sofrimento daqueles que se empenham em livrar-se do ditador.
    Até os ratos abandonam as naves que estão afundando. Nelas permanecer não altera o resultado. Apenas aumenta o número de vítimas.



( Fonte: International Herald Tribune )



[1] Chicote.

Nenhum comentário: