O jogo de cartas marcadas do Tribunal Supremo de Espanha contra o juiz Baltasar Garzón se conclui com a ‘absolvição’ do acusado no processo dos crimes do franquismo. Com um voto discrepante – do juiz José Manuel Maza – seis juízes consideraram que não houve neste caso prevaricação dolosa. Se censuram Garzón por errônea interpretação da lei, asseveram a inexistência de prevaricação.
Completa-se, assim, o ordálio do corajoso juiz da Assembleia Nacional, que, para sua imorredoura glória, trouxera para o âmbito internacional o direito de indiciar penalmente os transgressores contra os direitos humanos, como a sua ação contra o ex-ditador Augusto Pinochet assinalaria. Segundo referem articulistas de ‘El País’, muitos de seus ‘colegas’ na magistratura não lhe perdoariam a chuva internacional de concessões de doutorados ‘honoris causa’. Tampouco a direita, tanto a legal, quanto a franquista, haveria de perder a suposta oportunidade de castigá-lo por sua defesa das vítimas dos direitos humanos, assim como pela ousadia de recolocar em pauta a imprescritibilidade dos crimes contra a Humanidade, questionando as chamadas leis de anistia ampla.
Daí a operação orquestrada pelo Tribunal Supremo, com o auxílio, entre outros, da direita franquista (Associação ‘Mãos Limpas’) e a do Partido Popular. Foi saraivada de três processos: o das vítimas do franquismo, o dos patrocínios dos cursos em Nova York e, por último, o das chamadas ‘escutas de Gürtel’.
O claro enigma de toda a experta maquinação foi desvendado por um magistrado, já em 2010, segundo terá confidenciado para José Yoldi, de El País. Consoante adiantou para o jornalista o aludido magistrado, Garzón seria absolvido em dois processos – no dos cursos universitários em N.Y., e no das vítimas do franquismo. Este, pela delicadeza do tema, e o imperativo de preservar a imagem de Espanha e do Tribunal; aquele pela sua inerente debilidade.
Serviriam, no entanto, para acentuar o acosso ao juiz Baltasar Garzón, e para transmitir a impressão do pretenso alargado âmbito dos ataques movidos contra ele pela sociedade.
A cereja do bolo da condenação do magistrado estaria assegurada, já o referira em 2010 este encapuçado membro do Tribunal Supremo, pela condenação no processo das escutas de Gürtel. Por alegadamente violar os direitos da defesa, no parecer dos juristas, oferecia o colimado ensejo de desfazer-se do incômodo juiz Garzón. Pela sua condenação e virtual expulsão da carreira na magistratura, se vibraria a letal estocada na perigosa besta taurina.
Pouco importa, na opinião dos entendidos, que no futuro o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos condene o Reino de Espanha pela falta de imparcialidade de seus magistrados Luciano Varela e Manuel Marchena.
O mal estará feito, com o afastamento do juiz Garzon. As duas fintas (as causas das vítimas do franquismo e das bolsas do Santander em Nova York) apenas compõem o quadro, que é o da iniqua condenação pelas chamadas escutas de Gürtel.
Como o sublinha José Yoldi, de ‘El País’, a cruel astúcia do Tribunal Supremo tem antigas raízes. Marco Tullio Cicero já pusera o dedo na ferida: “Sumum jus, summa injuria”. Em outras palavras: o excesso de formalismo pode levar à injustiça.
O maquiavelismo do Tribunal conta com a inelutável tardança na eventual sentença da Suma Corte Européia. Se tal demora na justiça se comprovar, a quem aproveitará o ditame de última instância ? Para a história, se procederá a reabilitação do juíz Baltasar Garzón, mas na prática os seus algozes se hão de locupletar com o seu iniquo e descarado banimento da curul da justiça, aquela atuante e verdadeira.
Para essa gente, a vitória do castigo em vida mais interessa do que os ouropéis de um porvir que já se confunde com a História.
( Fonte: El País )
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