Entende-se o viés negativo da asserção. É a reação de alguém que deseja governar, e que se depara com realidade a qual, na prática, inviabiliza tal intenção. Pode-se, assim, até sentir empatia pelo propósito da governante. No entanto, se faz mister colocar atos e evidências dentro de contexto determinado.
Vivemos sob Constituição que, malgrado o seu caráter generoso e renovador – daí o epíteto de Cidadã – em muitos aspectos essenciais não é respeitada.
Adotou um sistema de governo que, na prática, não é respeitado. Como poderemos denominar de presidencialista a indicação dos ministros pelos partidos, transformado o(a) Primeiro Mandatário em simples oficial notarial ? E a inchação do gabinete à cercania dos simbólicos quarenta que é retrato, impiedoso e inoperante, do lulo-petismo como fórmula de governabilidade ?
A desordem orgânica não se limita, contudo, a um dos principais partidos. Para esse anti-sistema é corresponsável a oposição. Com efeito, quando era governo logrou introduzir em todos os níveis o instituto da reeleição no Brasil. Nada mais nefasto e conducente à deformação do processo democrático. Seja nas relações entre os três poderes, seja nas vantagens asseguradas às autoridades em exercício se cria um miasma, em que a democracia é a principal vítima.
Disso tudo decorre a pulverização. Tal constitui a norma não escrita, mas imperante. Os exemplos abundam e confrangem. Pulverização de partidos – parece que andamos por ridículos 28. Isso é a judicialização da anarquia política, com os nanicos, as legendas de aluguel, a par das agremiações ditas tradicionais.
Assistimos porém a outros gêneros de pulverização. A do corporativismo que talvez seja a de maior força desagregadora. Os privilégios da Justiça – a começar pela própria negação da cláusula pétrea de que todos os cidadãos são iguais. Admitido o ‘erro’ na notória frase presidencial – Sarney não é um cidadão comum – onde ficamos em termos de direitos e deveres ? Porque nada se faz para que se apliquem aos magistrados – se condenados – as mesmas penas de privação de liberdade a que estão sujeitos os demais mortais brasileiros ?
E a insânia do corporativismo – cujos arreganhos estão por todos os poderes – ora se manifesta na tentativa de associação do Judiciário de instituir um regime diferenciado para a previdência de suas excelências ? O despautério é tamanho que não se pejam de ir ao arrepio da reforma da previdência, que acabou faz tempo com os institutos (IPASE, IAPM, IAPETC e quejandos) que se destinavam às diversas categorias estatais.
A baderna institucional está por toda parte. O ameaçado motim das polícias militares constitui disso um exemplo, que pode ser útil se corretas e severas lições forem derivadas dessa rebeldia.
Bem disse o Ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, que a Constituição não permite a greve de forças militares, por serem órgãos de estado, organizadas com base na hierarquia e na disciplina (artigo 142). Nesse sentido (parágrafo sexto do artigo 144), as polícias militares e corpos de bombeiros militares (são) forças auxiliares e reserva do Exército e se subordinam (...) aos Governadores dos Estados.
O Brasil não pode mais conviver com esse vazio institucional. Ele começa por uma longa desídia – a não-regulamentação dos dispositivos constitucionais, a principiar pelo direito de greve e os órgãos públicos.
As causas dessa ultrajante inadimplência estão aí, e podem ser resumidas no dito Congresso das quartas-feiras. A inação legislativa se traduz em alienação, judicialização, corporativismo, corrupção e, com o alastramento do processo e a sensação de desgoverno, vácuo normativo, a baderna institucional que como repulsiva hidra ora levanta as suas miríades de cabeças.
Brasília representou uma grande conquista para a nacionalidade. Não obstante, a pretexto de torná-la viável, foram criadas muitas, demasiadas regalias ditas extraordinárias que levaram ao monstro ora existente. É mais do que tempo de restabelecer a ética e a moralidade republicana por aquelas bandas.
Para tanto é indispensável o controle da Sociedade. As semanas dos representantes dos Estados e do Povo devem voltar a ser o que sempre foram, com os seus cinco dias úteis e de trabalho.
Urge que o Poder Legislativo, que deveria ser aquele mais próximo do Povo Soberano, se conscientize dos seus deveres, que não diferem muito de o que faz o Brasileiro Comum. O Trabalho é o primeiro deles. E com ele, a consciência da imperiosa necessidade de pôr a casa em ordem.
Tratemos de fazê-lo e logo, se não desejamos que as guardas pretorianas da Roma da decadência alcem ainda mais a cabeça, na sua insana perseguição da baderna institucional e do privilégio nu e cru.
Se conseguirmos restabelecer os valores republicanos, teremos dado passo determinante para que não mais nos sintamos à deriva.
Se infundirmos à nacionalidade esta noção de responsabilidade – e não há para tanto pessoa mais apropriada do que a Primeira Magistrada da Nação – poderemos entrever no horizonte a promessa de que breve venhamos a livrar-nos da presente baderna institucional.
Nesse sentido, concordo com a Presidente Dilma Rousseff: o Brasil não é, nem deve ser, Roma antiga.
( Fontes subsidiárias: Folha de S. Paulo, O Globo )
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