sábado, 31 de dezembro de 2011

O Primeiro Ano de Dilma

                               
        Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. A presidente Dilma Rousseff – que se quer, quem sabe um pouco agressivamente, presidenta – conclui o seu primeiro ano de mandato, com avaliações opostas.
       O professor Marco Antonio Villa pronuncia, a respeito, um veredito severo acerca dos primeiro doze meses. Em artigo sob o título ‘Um país à deriva’[1], o professor Villa afirma: ‘Na centenária história da República não houve, no primeiro ano, uma administração com tantas acusações de corrupção que levaram a demissões de ministros, como a da presidente Dilma Rousseff.’
        Por outro lado, a avaliação do governo Dilma Rousseff (Ibope) como ótima/boa é de 56%, enquanto a aprovação pessoal da Primeira Magistrada da Nação ascende a 72%, o que denota um viés assaz  positivo da opinião pública quanto à administração de Dilma em 2011.
       A par disso, embora na avaliação da Folha de S. Paulo Dilma tenha tido base menos fiel que Lula e FHC (no seu primeiro ano de governo respectivo), o total da presidente beira a excelência  em termos parlamentares, eis que 87% dos deputados de siglas que têm ministérios votaram a favor do governo, contra 92% em 2003 (Lula) e 88% em 1995 (FHC).
        PDT e PR foram os partidos da base dílmica menos fiéis. A indisciplina das duas siglas foi de pouco mais de 20%, sendo o PDT de apoio instável por todo o ano, e o PR, a partir da exoneração do senador Alfredo Nascimento do Ministério dos Transportes.
        Vista pelo retrovisor, a sustentação prestada por uma disparatada frente política – a notória ‘base’- não corrobora as avaliações negativas feitas nesse particular no que tange à presidente. Conquanto tenha havido falhas em tal apoio, o parecer de Rubens Figueiredo, cientista político pela USP, carece de ser redimensionado pelo quadro sinótico de 2011. Com efeito, semelha excessivo rigor atribuir a menor disciplina a eventual falta de traquejo de Dilma na relação com o Congresso: “a articulação política não está entre os seus principais atributos”.
       Na realidade, o governo teve sucesso em discussões importantes. Sua maior derrota, infligida notadamente pelo PMDB, foi na votação do projeto de novo Código Florestal, em emenda que previa anistia a desmates.
       Posto que com concessões, a Administração logrou aprovar o projeto que regulamenta os gastos com a saúde pública definidos pela Emenda 29, a DRU – que lhe permite gastar como quiser parte do Orçamento – e novo regime de licitações para acelerar as obras da Copa.
       Por timidez ou inexperiência,  Dilma Rousseff preferiu fazer tão somente menções pro-forma a dois grandes projetos, que constituem autêntico desafio aos governos brasileiros e, em especial, aos do PT. Reporto-me às reformas políticas e fiscal, de cuja urgência e necessidade, seja o notíciário político-policial, seja o cartaz do nefando impostômetro assumem a triste incumbência de relembrar ao diligente povo brasileiro de modo quase diuturno. Por incertezas quanto à sustentação de projetos inevitavelmente controversos, de parte da disparatada e fisiológica base parlamentar, Dilma recuou do desígnio de proceder à reforma tributária ampla. Quanto à reformulação política, foi deixada à conta do Congresso, o que equivale a condená-lo à inglória e insepulta morte, depois das inconsequentes sugestões das excelências, dentro da camisa de força da semana laboral de um dia (a quarta-feira).
        Havendo sido indicada e eleita pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que preferiu submeter ao eleitorado a sua gestora e virtual Primeira-Ministro, do que correr o risco de procurar um sucessor no deserto atual do PT – após a cassação de José Dirceu e o afastamento pelo escândalo do caseiro de Antonio Palocci – não é de provocar estranhável assombro que, entre outras capitis diminutio, Dilma Rousseff tivesse de lidar com a chamada herança maldita do governo Lula, vale dizer a entranhada corrupção tolerada pelo antecessor, como se fora um mal menor.
       Nesse contexto, por sobejamente conhecido, acredito oportuno referir uma segunda frase do historiador Marco Antonio Villa: “Sarney é o símbolo maior desse poder dos coronéis. Por isso esta crise é extremamente saudável. Estamos caminhando para virar a página.”[2] Na verdade, a crise que então envolvia o Senado e atingia em cheio o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP) parecia terminal, quanto ao futuro político do velho coronel nordestino, sucessor no Maranhão de Vitorino Freire.
       O principal fautor da salvação de Sarney chama-se Luiz Inacio Lula da Silva que veio a público em defesa do seu aliado político, com intervenção que se assinalou por outra frase determinante, de que ‘Sarney não é um homem comum’ (e, portanto, presumivelmente não mereceria ter o tratamento que, ao arrepio da Constituição, se reserva a esse tipo de cidadão.
      O preço total para a Nação desse taumatúrgico intervento ainda não foi contabilizado. Mas ao blindar Sarney, Lula ensejou não só a volta de Roseana ao governo do Maranhão – o que assegura a continuação desse pobre estado como o campeão da bolsa-família -, a permanência de Sarney na presidência do Senado, e todos os efeitos correlatos da preservação do vice-rei do Norte nos píncaros do poder.
      O que com um lenço no nariz Dilma Rousseff define como ‘malfeitos’ e que constituíram a base da pretensa faxina (afastamento, dito voluntário, de seis ministros por questões relativas à corrupção) – e que é responsável por boa parte de sua avaliação positiva pela opinião pública – veio agora a naufragar na recusa da Presidenta de desfazer-se dos serviços ministeriais de seu amigo Fernando Pimentel.
      Dilma não hesitou em definir como ‘um problema pessoal dele’ (no caso, Pimentel), as pingues consultorias recebidas. Enterrando sumariamente um projeto que a identificara com posição contrária à corrupção, semelha discutível que a Presidente Dilma tenha agido com clarividência política.
      Se no futuro as pesquisas trouxerem resultados amargos, não lhe bastará decerto arguir que a ‘faxina’ sempre foi execrada pela militância petista, na medida em que associava à herança maldita de Lula os ministros afastados por Dilma.



( Fontes:  Folha de S. Paulo, O Globo )



[1] ‘Um país à deriva’, Marco Antonio Villa, Folha de S. Paulo, 17.12.2011.
[2] Apud O Globo, 19 de julho de 2009, pag. 5

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A Falsa Querela do C.N.J.

                               
         Assuntos contenciosos tendem a ficar mais claros e inteligíveis com o passar do tempo. A querela acerca do Conselho Nacional de Justiça é mais uma prova de quão apropriada pode ser a visão retrospectiva, se informada pela boa fé e o correto entendimento das motivações respectivas.
        Qual será a tática de quem deseja alcançar objetivos particularistas, dificilmente defensáveis se abertamente declarados, senão desviar a discussão para aspectos laterais, que servem para toldar as águas, e introduzir elementos passionais, que pouco têm a ver com o mérito da questão ?
       À primeira vista,  sua superficialidade pareceria prejudicar tal orientação. Sem embargo, um exame da evolução da controvérsia acerca da pretensa invasão pelo CNJ das prerrogativas das corregedorias dos tribunais estaduais mostrará que, para aqueles que almejam fazer progredir os próprios interesses e confundir o campo adversário, essa tática  não é de desdenhar-se.
      Tudo começou em uma fábula de boas intenções. Ter razão em uma determinada questão é premissa importante para quem deseja prevalecer em seus propósitos. No entanto, não se deve nunca enjeitar a prudência como companheira nesta empresa. Tal pressupõe o respeito do adversário, a indispensável cautela no avanço, jamais expondo as próprias linhas a contra-ataques do antagonista.
      Não se questiona o acerto da causa da Corregedora Eliana Calmon. Segundo declara o Ministro do STJ, Gilson Dipp – e antecessor imediato de Calmon na corregedoria – ela “é agressiva e gosta de polêmica”. Por outro lado, há divisão na atual gestão do CNJ. Seu presidente, Cezar Peluso – que acumula o cargo com a presidência do STF – “é conservador, vem de São Paulo. E com isso muitas atitudes da Corregedoria não agradavam ao presidente, e vice-versa. Faltou diálogo. E os conselheiros também se dividiram”.
        O ministro Dipp aqui alude a certos conselheiros que teriam sido eleitos não para defender a instituição, mas para avançar certos posicionamentos corporativos dos órgãos que os indicaram.
       Perguntado se procede a avaliação da corregedora de que se pretenda fazer um linchamento público e moral dela para enfraquecer as atribuições do CNJ, Dipp assim se manifesta: “Acho que ela é a bola da vez. Ela se expôs muito. Essa reação  contra ela acabou fazendo dela uma heroína nacional. E de heroína não tem nada. Ela simplesmente está  cumprindo o mínimo que é de sua competência, mas é mulher.”
      Pode-se questionar, neste ou naquele ponto, a isenção do antecessor. Mas não há negar que muitas de suas observações procedem.
     Talvez o Ministro Dipp devesse ser mais vocal no seu apoio à atuação da sucessora. Afinal, o pomo da discórdia, vale dizer o pedido ao Coaf[1] de registro de movimentações de valores atípicas envolvendo magistrados, partira em julho de 2009 do corregedor Gilson Dipp. Os relatórios, contudo, só chegaram à autoridade em fevereiro de 2011, quando Eliana Calmon já estava no cargo.
          Por outro lado, à parte as diferenças de gênio, o presidente Peluso é autor de proposta de emenda constitucional (PEC) que, entre outras coisas, intenta cercear os poderes de fiscalização do Conselho.
         Como se verifica, Peluso, ao invés de vestir a camisa do CNJ, como o fez o Ministro Gilmar Mendes, desejou atender a postulações do Tribunal de Justiça de São Paulo. Tratam-se, portanto, de diferenças frontais, que nada têm a ver com problemas de temperamento.
         E, vejam só, as principais reações contra os atos da corregedora vem desse Tribunal, que no parecer de Gilson Dipp “sempre foi um tribunal com menos poder de gestão, com menos planejamento, até pelo seu gigantismo. Os juízes tinham um passivo grande a ser recebido. Todos eles. (...) Quando se anunciou a inspeção, houve essa reação por motivos óbvios. O presidente do CNJ é de São Paulo (Cesar Peluso), o presidente da AMB (Nelson Calandra, da Associação dos Magistrados Brasileiros) é do TJ de São Paulo.”
         A par disso, não se poderia esperar que o Ministro Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, fosse mais incisivo sobre o mérito das liminares – a concedida pelo Ministro Marco Aurélio Mello à Ação Direta de Inconstitucionalidade, da AMB, que restringiu o poder de fiscalização do CNJ, e a do Ministro Ricardo Lewandowski, que suspendeu investigações que estavam em andamento. Questionou-lhes a oportunidade, o que já é muito, dado o caráter adjetivo e suspensivo próprio da liminar.
          O viés sensacionalista empregado pela Folha de S. Paulo (CNJ rastreia 216 mil e abre guerra no Poder Judiciário) não corresponde, decerto, ao desígnio da Corregedoria, como se verifica pela exposição acima. Por outro lado, para alguns a decisão do Ministro Ricardo Lewandowski é discutível, por determinar a suspensão da devassa recém-iniciada pelo Conselho, em questão de que seria um dos interessados (o Ministro Lewandowski nega qualquer conflito de interesse).
         Na zoada e nos clamores despertados pela celeuma, a intervenção do ex-presidente do STF, Nelson Jobim – que foi instrumental para a aprovação da emenda constitucional do Conselho Nacional de Justiça – semelha não só relevante, como oportuna para recolocar a questão em um plano mais alto, em que o interesse da Justiça e da federação seja atendido, e que não se fique a reboque de posturas corporativistas.
         Segundo revela a Folha de 26 de dezembro corrente, Nelson Jobim classifica como um retrocesso a tese que esvazia os poderes de investigação do CNJ. Em artigo a ser publicado na próxima edição da revista “Interesse Nacional” Jobim assevera que em nenhum Poder a necessidade de controle “é tão pronunciada quanto no Judiciário”.
         Sem citá-la diretamente, Jobim debate a decisão do Ministro Marco Aurélio Mello, que avaliou que o CNJ não pode tomar  a iniciativa de investigar juízes antes das corregedorias locais.
         A tal propósito, Walter Jobim afirma que a tese da subsidiariedade – pela qual o órgão deve-se limitar a julgar recursos de investigações sobre juízes iniciadas em tribunais – é regressista e leva o Judiciário ao isolamento.
            Se prevalecer tal tese, “o CNJ passará a ser órgão dependente de ações prévias – de duvidosa ocorrência e transparência – dos tribunais”. Em outras palavras, se manietaria o CNJ que,  forçado a esperar pela vinda de Godot, nada poderia fazer enquanto o tribunal estadual não atuar.
           Jobim põe o dedo na ferida das argumentações especiosas da AMB e congêneres, ao referir: “As elites dos Estados federados debatem-se para impedir que seus pretendidos espaços sejam objeto de exame para órgão com visibilidade nacional.”
           Com a devida vênia do Ministro Gilson Dipp, a importância da causa explica porque a Ministra Eliana Calmon é apoiada pela opinião pública. As atoardas se dissipam e a sua defesa da competência do CNJ – que é o da necessidade inelutável do controle externo da Justiça – deve continuar a ser apoiada através das pressões em favor de interesse nacional.
          Não aos feudos do corporativismo, e às suas tentativas regressistas. Relevemos as eventuais inabilidades da paladina do CNJ, a ministra Eliana Calmon. Muito mais alto se alevanta o interesse nacional, e a necessidade de que as citadas liminares, concedidas dentro de um período nebuloso, sejam derrubadas.
         O corporativismo pode ter muitos aliados, mas se exposto à luz da verdade e do interesse geral, essa planta costuma definhar rapidamente.
        A corregedora do CNJ defende o interesse do Conselho e da federação. Gritarias corporativistas à parte, ela precisa ser apoiada. Pelo seu destemor. E por estar servindo à boa causa.



(Fontes: Folha de S. Paulo, Zero Hora )   



[1] Conselho de Controle de Atividades Financeiras

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Notícias do Front XXVII

                                    
A  Liga Árabe e a Oposição Síria

                 A Missão da Liga Árabe nos domínios de Bashar al-Assad é uma boa ideia, na medida em que o seu monitoramento da situação induza moderação de parte dos esbirros do ditador, contribuindo para salvar vidas.
                  Dada a mendacidade do regime, não creio que a visita da delegação possa ter efeitos mais permanentes. A vinda da Liga Árabe constitui, na verdade, uma espécie de tournée a vilas Potiomkin às avessas. Não há mais qualquer fundamento para que supostos inspetores ainda tenham dúvidas sobre a violência do regime e a repulsa que desperta em largas camadas do povo sírio. Assim, estamos diante de uma encenação: os carrascos suspendem durante a  visita as suas ações habituais, e a atribulada população, em desespero de causa, se presta a uma representação, na esperança de ganhar tempo e angariar mais apoio internacional.
                  Não obstante, em dois aspectos pelo menos, a Missão não se portou de forma a corresponder em requisitos mínimos o que se espera de uma delegação de observadores que tenha presente a razão primacial de sua presença na Síria: as graves tropelias contra os direitos humanos cometidas pelo déspota Bashar al-Assad e suas forças auxiliares.
                  Assim, em um primeiro episódio, a missão considerou possível que os democratas sírios lhe apresentassem as queixas respectivas quanto a sevícias e arbitrariedades do exército de Assad, sob as vistas dos seus carrascos. Uma tal atitude contraria regras básicas de missões de monitoramento, e só pode ser explicada seja por abissal negligência, ou, o que se afigura mais provável, por parcialidade e evidente má-fé.
                  A segunda prova que depõe contra os propósitos da missão está... na sua chefia. Foi indicado para encabeçar a delegação um general do regime do indiciado pelo T.P.I., Omar al-Bashir no Sudão. Trata-se do general Mohamed Ahmed  Mustafa al-Dabi, que chefiou na região de Darfur os serviços de inteligência militar.
                  Tal escolha foi considerada uma farsa por um grupo oposicionista sírio. Em site de comitê de coordenação da oposição em Damasco, foi feita a seguinte declaração: ‘A designação de al-Dabi mancha os esforços da Liga Árabe, e os caracteriza na realidade como uma farsa política, pouco ajudando e provocando muitos danos para a situação na Síria.’

                       
 Aumenta o medo da ditadura burocrática chinesa

                     Um anônimo juiz na província de Sichuan aplicou ao ativista Chen Wei, um dos mais proeminentes militantes pró-direitos humanos no Império do Meio, a pena de nove anos de prisão, em punição por escrever artigos que ousam acusar o Partido Comunista de ser uma ‘ditadura’e um ‘inimigo da democracia’.
                      Em outras palavras, por dizer a verdade, Chen Wei é mandado para a masmorra. Todos os regimes autoritários – sejam nazistas, fascistas ou comunistas – têm a mesma natureza. Por conseguinte,  no seu intrínseco e arraigado temor dos mensageiros da liberdade, os  esbirros, paus-mandados dos regimes imperantes,  não diferem dos juízes de regimes absolutistas do passado.
                    Na verdade, as tiranias têm natureza similar, sejam as suas potestades individuais ou coletivas, e se fundam na discriminatória repressão, que  deriva de um generalizado  medo.  Os regimes ditos fortes são na essência fracos e timoratos, eis que o dissenso em qualquer de seus avatares constitui para eles abominável ameaça. Desvelada a intrínseca fraqueza de sua base ideológica, os seus representantes e esbirros recorrem à violência, que com as suas adaptações idiossincráticas será sempre a expressão da intolerância obscurantista.
                    As ditaduras e os despotismos podem metamorfosear-se em diversas organizações, mas não hão de diferir na essência do autoritarismo. Por isso, a obra revolucionária do Marquês de Beccaria ‘Dos Delitos e das Penas’, escrita na segunda metade do século dezoito,que procurou trazer a modernidade para o mundo dos tribunais e dos cárceres da época, continua tristemente atual.


A Presidenta Dilma, o Ministro Pimentel e o Fim da Faxina
 
                    Em sua coluna semanal, o jornalista Ricardo Noblat se ocupa da recusa de Dilma Rousseff em desfazer-se dos serviços do amigo ministro Fernando Pimentel. Sem ter como justificar sua experiência como consultor de empresas – e os dois milhões embolsados em dois anos, via quatro contratos, três deles feitos de boca – o Ministro do Desenvolvimento chegou a sugerir à presidente que o mais sensato seria ir embora.
                    Noblat se pergunta se Dilma se deu conta da encrenca em que Pimentel se meteu. Desconhece, porventura, o peso político do caso, e o quanto ele será perseguido  pela história do consultor bem pago e dispensado de dar consultoria ?
                    Acaso ela não se dá conta que a sua frase “É um problema pessoal dele” não justifica a sua atitude, podendo apenas valer como lápide à faxina como programa de combate aos alegados malfeitos ?



( Fontes: CNN, International Herald Tribune, O Globo )        

A Crise do Estreito de Ormuz

                        
        Não será a primeira vez que eventuais crises na região se reflitam no Estreito de Ormuz, que é a passagem necessária do Golfo Pérsico para as rotas mais amplas do Oceano Índico. Cerca de um quinto do petróleo bruto mundial passa por tal Estreito.
        Tampouco surpreenderá que parcela tão relevante do intercâmbio petrolífero mundial esteja relacionada com o Golfo e a angusta passagem  marinha, entre o Irã e a península arábica. A montante dessa rota se acham muitos dos maiores campos de petróleo no mundo, a saber o Iraque, o Coveite e a Arábia Saudita de um lado, e a República dos Ayatollahs do outro.
        Igualmente não constitui novidade que Teerã intente instrumentalizar o acidente geográfico, ao se apresentar novo e importante desafio para a sua economia.
        Desta feita, o primeiro Vice-Presidente, Mohamed Reza Rahimi, veio a público para brandir a ameaça de bloquear todo transporte petrolífero através do Estreito, se os Estados Unidos implementarem a legislação aprovada pelo Senado, que impõe sanções sobre o comércio internacional de óleo bruto oriundo do Irã.
        Aprovada pelo raro voto unânime da Câmara alta americana – cem votos a favor, nenhum contra – a iniciativa do Congresso aumenta ainda mais a pressão sobre o regime teocrático, ao incluir medida suplementar – a que a Administração Obama evitara recorrer na tessitura da complexa teia para golpear o principal recurso externo da economia iraniana – no cerco voltado para dificultar a alegada implementação pelo Irã de  projeto nuclear com objetivos militares.
        Resta verificar se a referida ameaça respeita a condição não-escrita que dá credibilidade  a esta postura. Vale dizer, a manifesta disposição de efetivá-la, caso a respectiva cominação não surta o resultado almejado.
        Há mais de uma indicação de que não seria o caso. Dentro do próprio governo iraniano existem sinalizações de que tal não é a intenção, embora o gesto bem reflita  a preocupação com as consequências do incrementado arrocho, que visa ao principal ítem de exportação da economia de Teerã.
        Por outro lado, o adversário principal no caso não são as monarquias do golfo regimes conservadores árabes sunitas que  encaram na república clerical persa xiita a velha nêmesis regional histórica  - mas a superpotência, que dispõe de base naval no Bahrein, e que já terá elaborado plano adequado de contingência para manter abertas as vias do Estreito do Ormuz.
        Excluída a vantagem topográfica, e o agitar das lanças guerreiras – com o início de exercícios navais de dez dias – a marinha iraniana não tem condições fáticas de opor-se ao poder da frota americana sediada no Golfo.  
        Há cinco anos os Estados Unidos vem implementando sanções de crescente severidade, no intento de levar a liderança iraniana a reconsiderar o seu suspeitado programa de armamento nuclear. Com a mudança na direção da AIEA[1], organismo sediado em Viena, por primeira vez se elabora relatório com indicações de que o Irã possa estar empenhado – malgrado iteradas negativas - em projeto secreto de cápsula nuclear a ser transportada pelos seus mísseis de longo alcance.
        Por motivos economico-financeiros, a Administração Obama até o presente se abstivera de incluir nas sanções as exportações iranianas de petróleo (que financiam metade do orçamento daquele país).
        Forçada a mão do governo americano pelo Congresso, o Executivo se prepara para tomar a providência até então evitada, i.e., impor sanções sobre corporações estrangeiras que mantenham relações comerciais com o Banco Central iraniano, encarregado de coletar o pagamento por grande parte das exportações energéticas.
       Dada a drasticidade da legislação, a Administração Obama logrou nela incluir regras de exceção, que a habilitam a não impor sanções se elas contribuírem para elevar a cotação do petróleo ou ameacem a segurança nacional.
       Diante da inserção dessa virtual ultima ratio nessa guerra de sanções, Washington   terá de recorrer à ajuda de governos amigos – com o respectivo aumento da produção e, portanto, de sua oferta no mercado - para contrabalançar manobras previsíveis de Teerã para o encarecimento do petróleo bruto.
       Outro aspecto não-negligenciável da questão reside no fato da fragilidade da situação do Presidente americano, no ano em que postula a reeleição. Para responder ao aumento das medidas destinadas a inviabilizar-lhe a  principal arma na economia mundial, Teerã há de recorrer a todos os expedientes para tentar virar o jogo.
       Nesse sentido, a iniciativa do Congresso, inserindo plenamente a carta petrolífera no poquer da disputa internacional, se por um lado aumenta os obstáculos – e os perigos – para o Irã, torna por outro potencialmente mais arriscada a partida para os Estados Unidos. Colocando o adversário da vez contra a parede, abre a possibilidade de que também Teerã, no próprio desespero, radicalize na busca de outros meios.



( Fonte:  International  Herald  Tribune )  

    



[1] Associação Internacional de Energia Atômica

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A Bomba Ambiental

                                   
          Há uma velha anedota sobre o fascista e a suposta incompatibilidade de dois qualificativos. Segundo o referido dito, um fascista poderia ser ou inteligente ou honesto, mas jamais será as duas coisas ao mesmo tempo. Assim, se se trata de fascista inteligente, ipso facto não será honesto. E se, por acaso, o fascista for honesto, ipso facto ele não é inteligente.
         Mutatis mutandis, esta disjuntiva é passível de ser aplicada àqueles que professam descrer de que o aquecimento ambiental seja fenômeno criado pelo homem. O número de provas da responsabilidade humana no capítulo não deixa de crescer, a ponto de que a respectiva negação só pode ser atribuída ou a um Q.I. muito baixo, ou à entranhada desonestidade ideológica.
          Tomei ciência por primeira vez do permafrost nos bancos do instituto Rio Branco, por intermédio do grande professor e geógrafo Hilgard O’Reilly Sternberg, recentemente falecido, e a respeito de quem escrevi neste blog um necrológio.
          Quando mestre Hilgard se reportou ao fenômeno, inexistia a ameaça ecológica. Tratava-se de larga extensão da taiga siberiana, na região ártica e subártica, cujo subsolo se acha permanentemente congelado. Daí a designação inglesa de permafrost.
           Com o acirramento da questão ambiental e o aquecimento planetário causado pela atividade humana  - cujos efeitos são visíveis em toda parte (derretimento no Ártico e no Antártico, redução das geleiras no Himalaia, virulência climática, com furacões e tornados, incremento nas inundações e nas secas, elevação no nível dos mares e oceanos, etc.) – seria lógico que o bicho homem assumisse postura responsável, reconhecendo a respectiva responsabilidade,  tomando medidas conjuntas e solidárias que se não limitassem à plena aceitação da existência da crise, mas que também se empenhasse em atividade mundial compartida para garantir  que as emissões de gases de efeito estufa fossem de início contidas e, em seguida, revertidas, de forma a manter níveis ecologicamente viáveis para a presente geração e as seguintes.
              Infelizmente, não há estadistas[1] no campo do ambientalismo. É decerto assertiva melancólica, que, no meu entender, não pode ser contestada. Para que os eventuais candidatos perfaçam os necessários atributos, não basta o notório saber e a inegável capacidade política. O que falta nesse elenco é a circunstância de ter uma base nacional com características excepcionais, seja em condições de articulação político-diplomática, seja com a força do exemplo e da liderança.
              Ora, por uma série de circunstâncias demasiado óbvias para serem repisadas, a humanidade atravessa  fase singularmente despojada de figuras maiúsculas, de  líderes e personalidades extraordinárias. Se as grandes ocasiões condicionam o surgimento de atores responsáveis na cena internacional, o que ocorreu foi um fenômeno inverso. Configurou-se a situação, mas não surgiram personagens que respondessem de forma eficaz e efetiva ao chamado.
              A conscientização ambientalista se vem arrastando por uma série de conferências que às mais das vezes se marcam, seja por patéticas dissociações do problema – como se os presidentes respectivos fossem habitantes de outro planeta -, seja por um jogo de empurra, em que se procura conservar os mesmos hábitos deletérios, esperando que outrem venha a arcar com a parte dos sacrifícios.
              A crônica dessa estória é  espetáculo muita vez esquálido e nada alvissareiro por uma negativa bastante difundida em assumir quaisquer responsabilidades. Grandes poluidores agem como se se tratasse de questões de somenos importância, ou,  ainda pior, não configurassem desafios que pressupunham sacrifícios de todos, sem exceção.
              Talvez a conferência de Copenhague haja sido o momento determinante em que as expectativas de resposta séria, válida e consequente ao magno problema do aquecimento global tenham sido quebradas. Barack Obama não teve condições de crescer perante tal cometimento.
              Se o novel presidente estadunidense aparentava ter conhecimento das implicações envolvidas, não respondeu ao repto com a segurança e a afirmação que se afiguravam indispensáveis. A própria China, ao não se fazer representar  por figura  do mais alto escalão, já indicara os limites do respectivo engajamento.
              Obama, de resto, não perderia apenas a oportunidade apresentada por Copenhague. Dentro do comportamento ineficaz e errático do primeiro biênio de seu mandato – de que Ron Suskind  nos dá magistral relato no livro “Homens de Confiança[2]-  Obama nada fez para que fosse sancionada legislação sobre a situação ambiental, o que representou singular falta de implementação a qualquer esforço ambientalista. Dispondo então de ampla maioria nas duas Câmaras, essa calamitosa inação não o diferenciou dos republicanos que negam a responsabilidade humana, além de marcar um penoso contraste com o partido de Al Gore.
              Mas é tempo de que acordemos para a potencialização de  ameaça de desproporcional gravidade para o planeta Terra. Depois de todos os sinais dados pelos elementos de que a ineficácia do homem, conjugada com a própria capacidade de poluição, notadamente através do dióxido de carbono, tem contribuído para a elevação da temperatura média global, começam a concretizar-se sinais agourentos de que o permafrost, há milênios adormecido, se apresta a intervir nesta grande farsa, de modo a emprestar-lhe traços dramáticos e inquietantes.
              Consoante mostra artigo publicado pelo International Herald Tribune, há indícios de que bolhas de ar se têm desprendido de depósitos congelados (por trinta mil anos debaixo de lagos gelados) e atingido a superfície através de plumas de gás metano. Tal gás é gerado por restos de plantas e raizes apodrecidas e mantidas por milhares de anos em um deep freeze. Esse profundo congelamento está sendo quebrado pelo aquecimento da terra. Se tivermos presente que o metano é um gás muito mais potente do que o monóxido de carbono, a situação se agrava ulteriormente com vistas ao aquecimento do planeta.
              Não é só de gás metano a ameaça. Se este se acha contido até hoje debaixo de lagos congelados, o permafrost  - que recobre cerca de um quarto do hemisfério norte – contém aproximadamente duas vezes tanto gás carbônico quanto toda a atmosfera terreste.
              Dado o caráter tóxico do metano, é compreensível a preocupação levantada nos cientistas que acompanham a questão. Por outro lado, se o fenômeno das plumas de gás metano ainda está localizado nas marcas reduzidas por ora que despontam na superfície dos lagos gelados – cuja a espessura não cessa de adelgaçar-se -,  a inquietude é manifesta. As consequências de  manifestação mais extensa ainda não são vocalizadas, dentro da norma de evitar alarmismos por enquanto extemporâneos.
              Quanto ao permafrost, o degelo tem sido mais acentuado nas margens sul tanto do Alaska, quanto da Sibéria. Já na área central do Alaska, o permafrost está prestes a ingressar na situação de degelo (esperada para a década de 2020). Ao norte, ele deve resistir por mais tempo.
               O permafrost se estiver bem congelado funciona como se fosse um pilar de concreto na sustentação de um edifício. Contudo, quando o degelo se iniciar, toda essa rígida camada se transformará em polpa. Em consequência, a superfície de terra desaba em uma área de baixios,ou banhados, conhecida como thermokarst. Em tal região poderá  formar-se um lago ou  pântano, com a superfície escura da água capturando o calor do sol e provocando mais degelo no permafrost adjacente.
                Dadas as grandes extensões abrangidas pelo atual permafrost, pode intuir-se a considerável modificação na paisagem pela formação dos thermokarsts. No entanto, dado o atual estágio de lenta degradação, ainda é cedo para prever a nova paisagem, além do percentual de exalação de gás metano e de gás carbônico liberada para a atmosfera.
                 Não há dúvida, porém, que se está diante de uma bomba ambiental, cujos efeitos nocivos por enquanto semelham  difícéis de    precisar com exatidão.
                 Por força de fatores exógenos, de que o bicho homem é o único responsável,  mãe natureza está em vias de transformar os ermos espaços em diversas formas de deterioração ambiental (disruption). A existência se privará da idílica, mas plácida severidade atual, para transformar-se em baixios e alagadiços nos quais os desafios e as insídias tenderão a ser ainda mais agressivas e perigosas.




( Fonte: International Herald Tribune )      



[1] na antiga acepção do termo, que pressupunha excelência e grande capacidade política.
[2] Confidence Men, Ron Suskind, Harper, 2011.

Qual a base das previsões otimistas ?

                              
          Segundo alguns analistas, o aumento do salário mínimo – de R$545 para R$622 – terá efeito benéfico na economia, dada a substancial injeção no consumo, a partir da ativação nas compras nas classes C, D, e E.
          No entanto, consoante o próprio noticiário especializado recorda, há um certo viés para o otimismo nas previsões do mercado. Nesse sentido, as projeções para 2011 erraram para mais tanto no crescimento do PIB – estimado em 4,5% , quando seria de 2,9% - quanto para menos na inflação – orçada em 5,32%, e na verdade, de 6,54%.
          Qual será o efeito deste salto no valor do mínimo, com um incremento absoluto de R$77, no seu montante total ? Além do acréscimo no déficit da previdência, dada a indexação das aposentadorias sobre o salário mínimo, a maior disponibilidade na remuneração para as classes de menor renda não só alavancará o respectivo consumo, mas também será fator positivo para o aumento da produção industrial brasileira ?
          Assinale-se que um dos maiores equívocos nas estimativas de 2010 para 2011 residiu na produção de nossa indústria, estimada em 5,30%, e, na verdade, reduzida a um inquietante 0,82%. Se a apreciação do real continuar, assim como a incapacidade efetiva de lidar com a concorrência das importações – notadamente chinesas, com o artificialmente depreciado renminbi – o resultado desse fluxo artificial na quantidade disponível de reais na economia resultará no aquecimento dos preços e, por conseguinte, em incremento da inflação.
          Em nosso passado inflacionário, esta foi a reação provocada por aumentos substanciais no salário mínimo, mormente se a oferta de bens de consumo permaneceu estável. Nesse contexto, não tranquiliza de certo o cálculo do novo salário mínimo, cujo valor para 2012 se objetivou superar de muito o índice inflacionário que, seja dito en passant, já fora bastante superior àqueles a que, por longos anos de uma correta gestão economico-financeira, tinham prevalecido por um bom período.
          De nada vale inchar o salário mínimo se preexiste um viés inflacionário para a economia. Com o desenvolvimentismo de dona Dilma – e a sua tendência de ‘enfrentar’a carestia com frases rituais como ‘manter a inflação sob controle’, ao invés de atacar-lhe as causas (e de fazer o dever de casa) – tudo isso não é de molde a infundir demasiada segurança sobre as perspectivas reais do IPCA e dos outros índices inflacionários.
          Enquanto o governo – e por governo me refiro especificamente às autoridades fazendárias e do Banco Central – não lograr superar esse desafio representado por um real que tira a competitividade de nossa indústria, com a consequente invasão da produção chinesa, as nossas perspectivas poderão insuflar um ocasional oba-oba causado por um artificial aumento do PIB, mas não nos trarão o vigor necessário para vencer o verdadeiro desafio do crescimento econômico.
          A nossa economia continua a evidenciar uma secular tendência para pontificar nos produtos de base - as chamadas commodities – caracterizados por maior vulnerabilidade em relação aos ciclos econômicos. Assim, a despeito da propaganda triunfalista oficial, o Brasil continua em termos macro-economicos como um país de là-bas, exposto decerto aos ventos e rajadas das crises.
        Enquanto não criarmos uma sólida indústria nacional de bens de capital e de consumo durável em nosso país não nos devemos enganar seja sobre as propriedades taumatúrgicas de índices salariais, seja sobre os efeitos cambiais de nossa hiper-valorizada divisa.
         Ou será que nos contentaremos sempre com o esquema das denominadas feitorias, vale dizer indústrias de média tecnologia, destinadas especificamente a bombar  para o exterior a mais-valia de suas sucursais, máxime as da indústria automobilística de terceiro-mundo (em especial no que tange ao gritante defasamento tecnológico em matéria de respeito ao meio ambiente) ?



( Fonte:  O  Globo)

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Pilulas de 20 a 27

                                       
       * A longa semana começa com a lamentável liminar do Ministro Marco Aurélio Mello, ao acolher a Ação Direta de Inconstitucionalidade da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB). Supostamente enraivecida pelas observações da Ministra Eliana Calmon sobre os ‘bandidos de toga’, a ABM tratou de avançar sobre as abertas portas do Supremo. Prontamente, o Ministro Mello interrompe o trabalho do Conselho Nacional de Justiça e de sua Corregedora.
        Semelha deplorável que norma constitucional, elaborada para assegurar o controle externo do Judiciário, venha a ser sustada por procedimental medida de um Ministro.
        Entrementes, ressona, em escandaloso letargo, a censura à imprensa, imposta por inconstitucional sentença do desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), de uma penada ele imobiliza o CNJ, culpado de fazer o trabalho que as corregedorias dos tribunais não realizam.

      *  O bimbalhar dos sinos natalinos se transforma em dobre. Partiu Vaclav Havel, um grande homem de pequeno país. Por sua vez, em segredo, como sói acontecer na trágica Coréia do Norte, morreu o ditador Kim Jong-il, a que sucede o querúbico jovem Kim Jong-un. Será soberano titular de  exército nuclearmente armado, sabe-se lá por quanto tempo.

       *   A mensagem natalina do Deputado Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados, suscita algumas indagações. A praxe nos regimes democráticos é a da alocução do Chefe de Estado, que vem a público para saudar o povo e mencionar temas considerados relevantes. Como representante da Nação é o conduto natural para desincumbir-se da tarefa.
             A intervenção do Deputado Maia, desfiando as realizações da Câmara, tenderá acaso a trazer a pulverização da imperante partidocracia às comunicações de fim de ano ?  Seria de augurar-se que não, para evitar a multiplicação das mensagens. Se, no entanto, o exemplo do Presidente da Câmara for imitado, quiçá não seja motivo para desesperança. Explico-me. Como as autoridades  são demasiado liberais em colher os espaços televisivos, atendidos os títulos em que cada ocupante vê muitas prerrogativas, pode-se não obstante formular a otimista hipótese de que pelo excesso e eventual absurdo semearão na audiência seja indiferença, seja a republicana austeridade – o que nos induz a visualizar a promissora imagem das grandes datas despojadas de pequenos personagens.

           *     Os autoritarismos, nos seus inúmeros disfarces e manifestações, cuidam de vestir muitas roupagens da democracia. Dentro da contorcida lógica da hipocrisia – a contrafeita homenagem prestada pelo vício à virtude – o peronismo da senhora Cristina Kirchner reintroduz um velho artifício da ditadura priista mexicana. Através do controle do papel de imprensa, a ditablanda mexicana mantinha bem comportados os jornais. Qualquer eventual transgressão – i.e., crítica mais acerba e exposição de podres do poder priista  - logo repercutia na escassez  de papel para jornais e revistas que não seguiam com a atenção devida a cadência oficialista. 
                Agora, pelo visto, a mesma triste pantomima se repetirá no Prata. A viúva de Kirchner avocou a si a importação, produção e distribuição desse precioso papel. Para a imprensa independente e de oposição, a luz amarela do arbítrio. Quem sair da linha oficial, não terá papel bastante para expor a própria versão dos fatos.

           

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Notícias Direto de Front (III)

                            
A ditadura no Zimbabue

         Para o gerontocrata Robert Mugabe, o sistema instituído de partilha do poder entre o Zanu-PF, o partido governamental, e a oposição, liderada por Morgan Tsvangirai, não estaria funcionando a contento, e por isso o Presidente, de acordo com sua camarilha, tenciona convocar novas eleições um ano antes do calendário.
        O modus vivendi instituído no Zimbabue correspondeu a pressões da União Sul-Africana, depois do longo período em que Thabo Mbeki, enquanto presidente, preferira não intervir de qualquer forma no seu vizinho do norte, a despeito das tropelias, sevícias e massacres organizados pelo citado Zanu-PF de Mugabe.
        Esse acordo de governo, estabelecido entre a ditadura armada até os dentes, e uma oposição sem armas, teria de ser bastante desequilibrado. Mugabe tratou de ficar com as secretarias de estado ligadas com a força e a repressão, como os ministérios da Justiça, Polícia e Interior, deixando aos partidários de Morgan Tsvangirai repartições que, embora importantes, não dispõe da vis publica. De toda maneira, a oposição já deixou sua marca, dolarizando a economia, e pondo dessarte um termo à incrível hiper- inflação, que infestava a existência diária dos naturais do Zimbabue (o dólar zimbabuano – Z$- tinha uma inflação mensal de nove mil por cento).
       Como seria de prever, a razão aventada para a antecipação dos comícios se deve à precária saúde do ditador, que sofreria, em estágio avançado, de câncer na próstata. Não estando dispostos os respectivos asseclas a serem despojados do poder – que lhes é fonte, através de caudalosa corrupção, de enriquecimento -, manipularam o paciente a marcar para 2012 as eleições. Se o passado exemplo é bom indicador, o pleito presidencial se realiza através da nua violência, por meio da intimidação generalizada, com o seu nefando rol de assassínios, seja individuais, seja de grupos,  e todo o imenso séquito da força do terrorismo de estado, com as suas miríades de gradações, consoante as condições do terreno e a eventual capacidade de reação de uma população atemorizada sem dúvida, mas que, por motivações muito humanas, nada mais ambiciona do que ver-se livre dessa turba de cleptocratas, que se angustia com a perspectiva inexorável, determinada pelas Parcas, de que o seu protetor desça por aos infernos.   


Putin procura manter as aparências

    
      Enquanto Presidente, e mais tarde Primeiro-Ministro, Vladimir Putin criou a praxe de uma sessão televisada, supostamente de prestações de contas à população russa, em que responde às perguntas dos eleitores.
     É um exercício de cunho populista, em que Putin intenta manter os laços com os seus compatriotas, através de alegada franqueza e de inegável capacidade de citar de memória dados estatísticos pertinentes.
    Este ano, no entanto, em função da descarada fraude eleitoral nos comícios para os deputados da Douma (câmara baixa), a série de manifestações antigovernamentais – a despeito dos intentos de repressão pelas chamadas forças da ordem -, a inesperada vaia que lhe foi dada por multidão em evento esportivo, e, last but not least, a decisão de publicação respeitável de inprimir cédula eleitoral com impublicável obscenidade a seu respeito, tudo isso contribuíu – mesmo para quem vive nos rarefeitos patamares do mando – para que o homem forte de todas as Rússias se convencesse  de que é do que tempo de  arrostar com determinação os desafios à sua posição, alternando algumas concessões à carregadas doses de violência verbal a que está habituado.
       A troca com Medvedev – este regressando para o cargo de Primeiro Ministro – e Putin retomando as rédeas plenas da autocracia no Kremlin, caíu mal junto à grande parte da opinião pública, por causa da endêmica corrupção, dos assassínios de jornalistas investigativos, e da ineficiência de um Estado incapaz de lidar com ameaças reais, como os recentes incêndios florestais, que grassaram nos largos espaços – inclusive os próximos à capital – tendo como ajudantes o abandono das estradas vicinais e a petição de miséria dos serviços de bombeiros florestais.
      Na sua palestra, preparando-se para o desafio de mais seis anos no poder, o antigo agente da KGB alternou leves  sopradas elogiosas quanto à juventude politicamente ativa – se este é o resultado do regime Putin, então ótimo -, com furiosas injúrias a eles paradoxalmente também atribuídas, as descrever os ativistas ‘como gente que têm os passaportes de cidadãos da Federação Russa, mas age segundo os interesses de um país estrangeiro estipendiados por dinheiro estrangeiro”.
      Com essa frase, mui provavelmente assacada contra Hillary Clinton, culpada, segundo Putin, de açular certas faixas do povo russo para denegrir-lhe as instituições, o homem forte da Rússia utiliza a sovada carta da ingerência alienígena que costuma provocar, em um povo nacionalista, com a história pregressa do respectivo cerco por potências adversárias, as patrióticas reações tão do agrado dos regimes autoritários.
      Resta saber, no entanto, se tais estórias ainda são críveis para o povo russo, eis que não se vê por ora a presença temível de Haníbal às portas da capital, assim como, com a exceção da China, não se alevantam nas extensas fronteiras do colosso de todas as Rússias inimigos que honrem tal nome pela respectiva periculosidade efetiva.


Um Túmulo no Père Lachaise 

     Ao contrário do soturno anonimato de tantos cemitérios, o Père Lachaise  pode e deve motivar a caminhada turística, em que muita vez o transeunte se  depara com monumentos em mármore de personalidades que, nos diversos ramos das árvores da fama, ciência e  celebridade, lhes terão deixado mais do que simples vestígios na memória.
    A voz dos campos santos – por muitos temida na calada da noite – será plácida e discreta, como nas lápides modestas de grandes poetas, como Heine,  enfática, a exemplo das colunas e lápides de massacres, como a dos mártires da Comuna de Paris, leve e enternecedora, quando se eleva das inscrições de jazigos de casais de artistas afinal unidos – Simone Signoret e Yves Montand,  sem esquecer a inigualável cantora popular, Edith Piaf, de que o mutismo marmóreo da tumba não cala a magnífica personalidade da própria voz, que se alçava maviosa e imperial de um corpo mofino, todo ele posto a serviço da voz esplêndida,  em escalas ilimitadas, com a raiva do revolucionário Ça irá, passando pelas canções Après toi e La Vie en Rose, até o brado da sempre apaixonada Ne me quitte pas !
      É neste espaço dedicado ao espírito em todas as suas múltiplas formas, e no único respeito à excelência, que o Père Lachaise retorna ao noticiário. Dentre as personalidades ali acolhidas, nesse derradeiro abraço que os humanos debalde intentam manter à distância, se acha a tumba e o monumento dedicados ao comediógrafo e ensaísta Oscar Wilde.
      Tangido pelo preconceito, após  os anos de prisão na Inglaterra vitoriana,  o poeta e classicista irlandês buscou, como muitos outros, refúgio na França e na velha Lutétia, onde faleceu prematuramente em um hotelzinho da Rive Gauche.
      Mais tarde, uma dileta  amiga e admiradora cometera ao grande escultor Jacob Epstein o projeto há muito devido de condigno mausoléu. O desenho de  Epstein, inspirado no anjo mensageiro  das figuras Assírias do Museu Britânico,  no simples arrojo dos largos traços, dá vívida forma ao silente preito às cinzas inumadas naquela  campa. Compõe-se dessarte o conjunto, unindo em aparente oxímoro a austera facilidade do risco, com a grandiosidade da criação, que retrata a linha existencial presa à um locum tuum anônimo mas enfim liberta das terrenas peias da sociedade de então.
      Pela alegada devoção de admiradores, a sepultura de Oscar Wilde estava coberta das marcas de baton, que se impregnavam no mármore do monumento. Para que tais arroubos não terminassem por  sufocar e dilapidar a obra escultural, se optou tanto pela limpeza do mausoléu, quanto por colocação de vítrea parede[1] de dois metros de altura, que se não impede a visualização da extrema homenagem, evita que os excessos de apreço venham a desfigurá-la.       




( Fonte: International Herald Tribune )



[1] Como se sabe, depois de ataque por um desequilibrado, a escultura Pietà de  Michelangelo, mostrada na Basílica de São Pedro, passou a ser protegida por vítrea parede blindada, após restauração feita sob a direção de  brasileiro ilustre, o curador vaticano Dioclécio Redig de Campos.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Colcha de Retalhos C

   A  Retirada  do  Iraque

         Nove anos depois – a guerra desejada por George W. Bush se iniciara em março de 2003 -com 4500 baixas de militares, um trilhão de dólares gastos na expedição motivada para destruir as armas de destruição de massa (WMD) de Saddam Hussein (que não existiam, confirmando o parecer dos peritos das Nações Unidas), e para instaurar a democracia representativa (o que até agora tampouco está assegurado, por um regime disfuncional),  Barack H. Obama sorri diante de uma promessa de campanha atendida.
         Com efeito, a retirada na última quinta-feira dos derradeiros contingentes americanos aquartelados no Iraque constitui um marco, embora não se saiba bem de quê. Não deixam um país estável. Se a situação sócio-política melhorou depois do surge de 2007 , quando a insurreicão sunita foi controlada pelas tropas estadunidenses, ao partirem os americanos deixam para trás um Iraque que, se não se acha em guerra, não está certamente em paz.
          O gabinete xiita do Primeiro Ministro Nuri al-Maliki tem um precário entendimento com Moktada al-Sadr, o clérigo xiita com estreitos laços com o Irã. Por sua vez, o petróleo na área de Kirkuk, sob o controle curdo, provoca uma disputa pelos rendimentos da explotação petrolífera entre curdos, árabes e turcos (que veem com desconfiança este enclave curdo juntos das próprias fronteiras).
          Assinale-se que o presidente do Iraque é um curdo – Jalal Talabani. Malgrado o poder executivo esteja nas mãos da maioria xiita, Talabani é  hábil político que defende os interesses curdos. Como se sabe, o Curdistão é uma velha aspiração dos curdos, que na divisão do Oriente Médio não receberam nenhum território[1]. Existem curdos na Turquia, no Iraque e no Irã ( onde constituem importantes minorias étnicas).
          Conquanto não seja responsável pelo caos criado por uma guerra temerária lançada por George Bush e insuflada pelo vice-presidente Richard (Dick) Cheney e pelo Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, com frágeis pretextos (depois desmontados pela própria invasão), se a situação desandar de forma preocupante no Iraque, Obama pode ser atingido politicamente,  por haver supostamente agravado o processo insurrecional naquele país, ao dele retirar toda a presença armada estadunidense. Nessas questões os resultados por vezes pesam mais do que as razões, por mais fundadas que sejam. Se o remanescente americano funcionava como garante de  instável equilíbrio, será difícil explicar o porquê da pressa em sair, sobretudo se os dispêndios com o aquartelamento do contingente não são superiores aos gastos com outros quartéis das tropas da superpotência no exterior (v.g., na Alemanha).
           Como dados concretos dessa guerra inventada por Bush, no que tange aos Estados Unidos, o trilhão de dólares e as baixas causadas – não só as fatais, mas as de  inúmeros militares com mutilações e outras afecções, psíquicas e motoras – deixam inegável trauma no povo americano.  Ulterior consequência está nos efeitos na atividade econômica e no emprego, provocados pela desestruturação econômica decorrente dos catastróficos déficits no orçamento estadunidense. O desequilíbrio econômico resultante – com sua origem nos enormes dispêndios com o conflito, assim como na baixa irresponsável nos tributos devidos pelos americanos mais abastados, o que tornou o equilíbrio orçamentário alcançado por Bill Clinton uma longinqua quimera – tem alimentado  difusa conscientização  do declínio americano, para alguns processo irreversivel, e para outros uma fase suscetível de ser superada. De toda maneira, é grande a literatura sobre a questão, máxime os artigos sobre o interior empobrecido e com muitas regiões em que as antigas indústrias estão cerradas. O próprio best-seller de Oswald SpenglerA Decadência do Ocidente [2]– que tanto sucesso editorial colhera no imediato pós- Grande Guerra constitui um título e um tópico citado amiúde dentro do Zeitgeist[3] presente da mídia especializada americana.      
 

 Condenação do ex-presidente Jacques Chirac

         Em um longo processo, o ex-Presidente Jacques Chirac foi condenado  por corte francesa a dois anos de prisão, por desvio de fundos da prefeitura parisiense. Chirac, que tem 79 anos de idade e sofre de problemas de saúde e memória, com esta decisão da justiça francesa, entra para o reduzidíssimo grupo de presidentes que foram objeto de juízo e de condenação. Na verdade, ele se associa apenas ao Marechal Philippe Pétain, que, ao tornar-se Chefe de Estado de Vichy, após a derrota francesa frente à Alemanha de Hitler, foi condenado por traição em 1945, mas a pena máxima foi comutada por Charles de Gaulle.
        Malgrado maître Georges Kiejman,  advogado da defesa de Jacques Chirac – que por suas condições de saúde não esteve presente ao processo – tenha advertido os juízes de que a sua responsabilidade moral e política é imensa, e que a sentença seria a última imagem deixada por Jacques Chirac, os juízes optaram pela condenação, posto que a pena de dois anos tenha sido suspensa.
       Há algumas particularidades desse processo que o tornam bastante idiossincrático.  Não foi bastante  o pedido dos promotores pela absolvição de Chirac, e a circunstância de que própria prefeitura (mairie) de Paris haja desistido da ação, após pagamento de dois milhões e duzentos mil euros, dos quais quinhentos mil do ex-presidente Chirac (o restante pago pelo partido de Nicolas Sarkozy). O grupo Anticor, de repente catapultado à posição de principal acusador, optou pela continuação do processo. Dessarte, o fato de terem ganho a lide, pode ser uma vitória de Pirro, para essa ong,  dadas as condições do réu e a impressão resultante  na opinião pública francesa.
 

( Fonte: International Herald Tribune )



[1] A questão é objeto do famoso livro de David Fromkin  “A Peace to End all Peace”  (Uma Paz para acabar com qualquer paz).
[2] Der Untergang des Abendlandes (2 vols.) deve ser traduzido como a “Decadência do Ocidente”.  Por motivos compreensíveis, a mídia americana fala de declínio e não de decadência.
[3] Espírito do tempo.