sábado, 6 de agosto de 2011

A Palha nas Costas do Camelo

Existe o dito de que basta uma palha para dobrar as costas de um camelo. Assim se busca mostrar que, se todo organismo ou sistema tende a suportar enormes fardos, a sua capacidade de resistência terá um limite.
Será que a propriedade do provérbio se aplica aos Estados Unidos ? A agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) rebaixou-o da categoria máxima – nível AAA – para AA+. Além disso, a perspectiva é má, poderia implicar em novo rebaixamento, dentro de doze ou dezoito meses.
Os títulos do Tesouro Americano – antes considerados de risco zero de calote – agora estão classificados abaixo dos do Reino Unido, Alemanha, França e Canadá. Os Estados Unidos continuam a ter o rating máximo nas agências Moody’s e Fitch. Não se pode afastar a possibilidade de que essas duas agências venham a alinhar-se com a classificação da Standard & Poor’s, tida como a mais importante.
Assinale-se que os Estados Unidos tinham tal classificação máxima na S&P desde 1941, quando a economia americana, empenhada na preparação para a guerra mundial, saíra formalmente da depressão. Já para a Moody’s, os Estados Unidos mantem o rating máximo desde 1917, por coincidência outro ano a assinalar o ingresso dos Estados Unidos em conflito mundial (no caso a chamada Grande Guerra).
É de notar-se que a classificação dada pela tríade de agências afigura-se importante para os grandes detentores de títulos, mas deve ser tomada cum grano salis.[1] Até a decisão da S&P na tarde de ontem, os títulos do Tesouro americano eram formalmente considerados com risco zero de calote. Se o principal detentor desses títulos – a República Popular da China, com o equivalente a US$ 1,15 trilhão – demonstrara certo nervosismo, com chamadas à responsabilidade fiscal, ela não tocara nessas obrigações. Essa mesma atitude foi observada pelos credores mais importantes, com o Japão (US$ 912,4 bilhões), o Reino Unido (US$ 346,5 bilhões) e o Brasil (US$ 211,4 bilhões).
Representantes da Administração Obama contestaram a decisão da Standard & Poor’s. Para as chamadas fontes com conhecimento de causa – que preferem o anonimato – a postura da S&P foi ‘política e prematura’. Funcionário da Secretaria do Tesouro chegou a asseverar que os cálculos da agência estariam errados.
De qualquer forma, uma agência chinesa – com o crédito que possa ter, em um regime como o da RPC – já havia rebaixado a cotação atribuída aos títulos do Tesouro.
Se tal classificação possa traduzir-se em eventual prejuízo para o Tesouro americano, ao implicar em possíveis perdas comparativas no valor do título, que não mais ostentaria o nível zero em risco de calote, não se pode esquecer que essa decisão da S&P tem uma conotação política, ademais quando se tem presente o garrafal erro em avaliação de títulos cometido pela S&P ( e demais agências classificadoras de risco) no que tange às famigeradas CDOs.
Com efeito, as CDOs (obrigações de dívida colateralizada) que passaram a ser negociadas com o selo dos três As, o que correspondeu na verdade a um truque de um importante banco americano de investimentos. Apesar de ter atuado desonesta e artificialmente, logrou elevar a classificação desses certificados de dividas
colateralizadas de B para A, camuflando o dado importante de que os CDOs reuniam títulos hipotecários subprime (classificados como triplo B). Como foi diminuído o risco de eventual calote de uma hipoteca subprime para zero,tal se deve à habilidade de Wall Street e à loucura especulativa. Tudo isso está por trás da grande crise financeira internacional precipitada pela falência consentida do Banco Lehmann Brothers, em 15 de setembro de 2008. ([2])
Verifica-se, portanto, que, a exemplos de outras instituições de Wall Street, tampouco as agências classificatórias sairam indenes da grande crise financeira. E poderá arguir-se que se S&P pecou por excessiva confiança na palavra dos agentes financeiros desses títulos, eis que as agências de classificação, que recebiam polpudos honorários das firmas de Wall Street por cada transação que classificavam, consideraram 80% dessa torre de dívidas com o rating do tríplice A([3]).
O blog ‘Fraqueza e Radicalismo’ mostra como a necessidade burocrático-contábil da elevação do teto da dívida pública estadunidense foi instrumentalizada pelo Partido Republicano, senhor da maioria na Câmara de Representantes, para lograr uma extorsão política da Administração Obama, ao forçá-la – em função de peculiaridades descritas no artigo referido, e que tem muito a ver com a personalidade do Presidente Barack Obama – a concordar com uma camisa de força, talhada na alfaiataria do radicalismo marca Tea Party.
A instrumentália para uma ulterior crise de fundos já está inserida na legislação a que Obama assentira e a que tratara de assinar, acompanhada de discurso pronunciado no Rose Garden da Casa Branca. O 44º Presidente já terá pronunciado alocuções presenciadas por público de dignitários e expoentes. Dado o momento político e econômico, o registro dessa ocasião coube exclusivamente às câmaras da imprensa. Pelo rictus facial de Barack Obama se depreende que não foi um instante do qual apreciará lembrar-se no futuro.
Quanto à classificação da Standard & Poor’s resta determinar se configura o proverbial graveto de palha.


( Fonte subsidiária: O Globo
)

[1] Com um grão de sal.
[2] Para maiores detalhes, v. ‘The Big Short’, de Michael Lewis, pp. 72/84, passim.
[3] Idem, ibidem, pag. 73, in fine.

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