O fato de que o Brasil tenha sido apresentado como o quarto credor dos Estados Unidos – por sua posição como depositário nos títulos da dívida estadunidense – pode parecer lisongeiro, mas constitui apenas um dos lados da realidade financeira do Brasil. Também nesse contexto, está a nossa situação de credor do Fundo Monetário Internacional. Com efeito, esta posição semelha até irônica, para quem, no passado tinha de aguentar as periódicas visitas de delegações do FMI, que vinham in loco inspecionar as condições da economia brasileira, então submetida ao teatro das inspeções do FMI. Na época, dependendo do aval do Fundo para nos encalacrar-nos ainda mais, os ministros da Fazenda tinham de assinar compromissos pelos quais prometiam obedecer os ditames da delegação do FMI. Se tudo não passava, no final das contas, de uma farsa – o ministro se comprometia com providências que não tinha a menor intenção de cumprir, e a turma do Fundo fingia que acreditava – mas era uma farsa penosa, porque implicava em submissão de soberania aos tolerados fiscais do FMI.
Compreende-se, portanto, o quanto o governo Lula da Silva saboreou a ocasião da troca de papéis. Como passamos a ter superavit nas contas internacionais, dispondo de um farto saldo, o Brasil emprestou dinheiro ao Fundo. Nós – que foramos obrigados por tanto tempo a vestir o cânhamo dos devedores, na peregrinação ao Fundo, indispensável para o nihil obstat para nos endividarmos junto aos bancos das grandes praças internacionais – nos transformávamos em credores do Fundo !
Infelizmente, esta nossa condição de credor é apenas um dos lados da questão. Pois, entrementes, a dívida interna brasileira continuou a existir. Se o governo de Fernando Henrique deixou um débito de R$ 675 bilhões, os oito anos de Lula mais do que dobraram este passivo, com a nossa dívida interna alcançando em 2011 R$1,8 trilhão.
Não é só das famigeradas capitalizações do BNDES que esta dívida bruta se compõe. Não será igualmente por acaso que este enorme corpanzil se incha ainda mais. Se os particulares inadimplentes podem falar bastante sobre a capacidade dos débitos pessoais se avolumarem sob o peso dos juros – e o Brasil é o campeão dos juros – no caso do Tesouro da União os juros constituem apenas um dos fatores para essa doentia engorda de dona Dívida.
Mas antes de procurar entender esse crescimento mórbido e exponencial do vermelho, vamos mencionar o chamado impostômetro – esse conjunto de tributos e taxas de toda ordem, federal, estadual e municipal, com que se achacam os nossos ganhos. Já beiramos os quarenta por cento do que pagamos para os erários – seja ostensivamente, seja de forma oculta, quase envergonhada.
Para que se tenha um exemplo. Mesmo no reino do assistencialismo, o Estado tira com u’a mão o que dá com outra. Dessarte, ao comprar a sua cesta básica o detentor da bolsa família não sabe que do montante gasto no rancho, um terço se refere a impostos.
Não é por acaso que o ramo farmacêutico representa uma das atividades mais rendosas. Ora, saberão os idosos e doentes crônicos ao baterem nos balcões das drogarias (ou farmácias) que entre um terço e a metado do dinheiro sofrido que aí dispendem se destina a alimentar o que se convencionou chamar – decerto por ideia de algum pândego – o Leão da Receita ? Fica mais fácil de compreender, nesse contexto, que os fiscais do ramo sanitário olhem para o outro lado, quando se trata de velar pelos preços cobrados por esses estabelecimentos.
É longa a lista dos impostos cobrados dos cidadãos. Se a bulimia estatal semelha não ter freios, o que causa estranhável assombro é a circunstância desse mesmo cidadão não deparar o retorno desse montão de cobranças, diretas e indiretas, com que ele é atazanado. Tal não se restringe, quando por acaso se ponha, por exemplo, a examinar o contracheque. Como se sabe, esse procedimento se notará mais naqueles que recebem um líquido insuficiente para arcar com o sustento do lar. Em geral, será uma tentativa – baldada, as mais das vezes – de destrinchar a criptologia das inúmeras deduções que emagrecem a remuneração.
Falava do magro retorno das exações tributárias. Em geral, o brasileiro ouve discorrer sobre esse mirífico retorno – saúde, educação, segurança, saneamento básico e por aí afora – naquele ritual teatro de promessas descabeladas, a que está acostumado o eleitor. Desde muito, perdemos a confiança nessas mentiras rituais, a ponto de muitos resolverem premiar algum candidato que recorra a um cinismo light, como o de dizer se votar em mim, comigo em Brasília pior não fica.
Se esta carga tributária aumenta sem benefício aparente para o cidadão comum, a injustiça da situação não nos deve fazer enveredar por uma perigosa alienação, como se nos defrontássemos com um mal sem remédio.
Para pôr cobro a esta condição, carecemos de examinar os ralos pelos quais se esvai o dinheiro do nosso bolso. A corrupção é um deles, sempre com a insaciável boca aberta, a pulular por todos os cantos desses brasis. Tem-se a impressão, por vezes, de que apenas a mídia cuida de denunciar tais abusos. Os exemplos são tantos, o descaramento é tal, que as providências da autoridade competente tendem a ser vistas com ceticismo. O leitor ou espectador fica com a ideia de que, em imenso esburacado saco, logrou-se costurar um furo. Quantos outros ficaram ?
De qualquer modo, a correção deve ser aplaudida, mesmo que não estejamos satisfeitos com a totalidade.
Essa dívida pública bruta tem outras causas que poderiam ser sanadas com a caneta de um poder responsável. Provoca perplexidade o aparelhamento do Estado por partidos políticos, e nesse contexto a invenção despudorada de ministérios inúteis. Fala-se que a presidenta está considerando criar o quadragésimo ministério.
A seriedade dessa multiplicação de secretarias de estado, com a sua estrutura de cargos que não vão contribuir para nada de útil a não ser para dar emprego a apparatchiks partidários, no final implica na sobrecarga dos gastos correntes. Os ministérios congoleses – aqueles em que o chefe de estado sequer conhece os respectivos ministros – são uma chaga do subdesenvolvimento.
De Gaulle, chefe de estado francês, uma vez terá dito que ‘o Brasil não é um país sério’. Como patriota – uma atitude por alguns definida como fora de moda – reluto em acreditar em tais juízos. Mas não há como negar que, se encarássemos com seriedade a função política, poderíamos estar contribuindo para empregar melhor o dinheiro da arrecadação pública. Que tal se cortássemos esses ministérios pela metade ? O Turismo do Senhor Pedro Novais faz jus a este dispêndio ? Para todos aqueles que dona Dilma não tenha tempo para receber em despacho, não seria o caso de substituí-los por eficientes secretarias, departamentos e até mesmo autarquias ? A Embratur sai muito mais barato para o Estado, e atende às mesmas necessidades. Assim, como a Pesca (antes de d. Ideli Salvatti, hoje do ministro Luiz Sérgio ).
Não sei se é o caso de culpar a burocracia herdada do colonizador luso. De toda maneira, já dizia alguém que a jornada de mil milhas começa com um passo. Ao invés de assistir impotente à inchação da maquinária estatal, por que não encarar com seriedade o problema ? Agindo seriamente estaremos trabalhando para cortar a gordura não só inútil como ofensiva.
Apenas um adendo. É bom enfatizar a seriedade com honestidade. Tornar a função estatal mais ágil é uma forma de respeito ao cidadão – desde que, como foi no passado, não seja transformada em mero slogan, e pretexto para ulterior corrupção.
Que tal experimentarmos a sensação de sermos realmente um país sério, em que o dinheiro do contribuinte é respeitado como vetor de melhoras na sociedade em geral ?
( Fonte subsidiária: Veja)
domingo, 7 de agosto de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário