Crônica desmemória
A amnésia ou a sua versão mais branda, a desmemória, terão decerto a ver com o tempo. Por isso, o adjetivo crônica poderá alçar sobrancelhas em gramáticos e puristas da língua. E, no entanto, a reincidência é tão comum, que não nos resta outro recurso para explicar a repetição dessa postura da autoridade, no caso a municipal, de desejar restaurar a pristina aparência dos logradouros públicos.
O Globo estampa a notícia em primeira página de que Rio estuda tirar grades de praças. Ora, a menção de que a prefeitura examina a possibilidade de desgradear o entorno das praças implica não ter noção de o que levou outro prefeito - e em tempo relativamente recente - a cercar esses espaços públicos.
As Praça Paris, Tiradentes, General Osório e da Paz, surgiram em tempos em que haveria mais respeito por esses logradouros, onde de manhã brincavam crianças sob as vistas das mães ou de babás, de tarde flanavam os jovens, e de noite perambulavam boêmios bem-comportados.
Com o avanço da modernidade, de sua rebelde filha, a pós-modernidade, esses espaços perderem os ares idílicos com que a memória, por vezes seletiva, os pinta, em nostálgicas e suaves cores. Desguarnecidos, e evitados pelas prudentes e rarefeitas forças da ordem, os parques e praças foram invadidos por gente que deles se servia para guarida e tudo o mais que concerne à existência humana, inclusive nos seus aspectos predatórios.
Não há de surpreender, portanto, que praças e parques se vestissem com os rotos trajes do abandono. A decadência em geral e a desses espaços poderá ser objeto de estudo, e mesmo encontrar estudiosos que neles nada vejam demais, eis que são retratos dos interessantes tempos presentes.
Restabelecer as condições de antanho só é possível se se lograsse também trazer de volta aquela sociedade mais rarefeita e mais regrada. Assim existiam tais praças nas primeiras décadas do século vinte.
Hoje, Senhor Prefeito Eduardo Paes, retirar as grades não seria exercício estético, mas prova de despreparo de quem não se dá a elementar precaução de indagar do porquê, nos dias que correm, as praças estarem cercadas de gradis.
A Conta inicial do Radicalismo
O mundo não inventou o Tea Party. No entanto, por curvar-se às suas exigências, o Partido Republicano resolveu transformar a ocasião burocrático-contábil da elevação do teto da dívida para pretexto de cobranças descabidas para o governo americano.
As características do atual Presidente, Barack Obama, servem à maravilha para as extorsões desse grupamento radical. Se nos detivermos no âmbito da superpotência, poderiamos asseverar que o assunto lhes concerne e a mais ninguém.
Infelizmente, no mundo globalizado em que vivemos, tal está muito longe da verdade. Os remédios simples e brutais que esse movimento de extrema direita americana prescreve, se não tem a validade e a serventia que apregoam, podem fazer muito mal, como o artificial impasse da aprovação do teto da dívida – e o incrível, mas possível calote americano – já custaram demasiado às bolsas mundiais (cerca de US$ 2,6 trilhões).
Nunca dantes um comportamento demencial terá sido tão oneroso para os operosos investidores e operadores das bolsas espalhadas pela mundo afora, a que, quem sabe com certo estranho orgulho, se associa por igual a Bovespa, que tem também do que queixar-se desse grupo sincero, mas radical, que opera até hoje impune através do Atlântico.
O julgamento de Mubarak
Ver o antes todo-poderoso Hosni Mubarak, em um catre atrás das grades destinadas aos réus, é um exercício de aprendizado para os chamados homens-fortes dos regimes discricionários. Ben Ali, que reinou por tempo aproximado na Tunísia, antes que Mohamed Bouazizi pusesse fogo às vestes, e precipitasse a rebelião em terras árabes, optou por escafeder-se para o santuário saudita, onde permanece, com os respectivos dólares da aposentadoria precoce.
Mubarak acreditou que podia permanecer na sua terra. Está sendo hoje julgado como vítima propiciatória de uma revolução que não mais tolera ajuntamentos na Praça Tahrir. Os militares, através da junta comandada pelo marechal de campo Mohamed Hussein Tantawi, que em outros tempos era havido como o poodle de Mubarak, semelham controlar o país, e contam para tanto com o apoio da próspera Fraternidade Muçulmana.
Entrementes, igrejas coptas são queimadas, e essa minoria cristã vive sob o temor das represálias islâmicas.
Resta determinar o que há de significar esse julgamento do ditador trintenal. Será ele o bode expiatório de uma sublevação que terá afastado apenas a cabeça do monstro ?
Entrementes, a população egípcia teme o recrudescimento da violência, e a minoria copta que continua a ser a vítima preferencial dos preconceitos da maioria.
( Fonte: O Globo )
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
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