Não, prezado leitor, não pretendo transformar o meu blog em boletim médico. Só peço licença para um minuto de reflexão. Se a ciência hipocrática nos fala de alienatio mentis (alienação da mente), me veio a ideia de ‘enriquecer’ o vocabulário psiquiátrico com nova expressão.
Lendo os jornais e acompanhando o noticiário televisivo, se tem a impressão de que comportamento bastante estranho acomete a fauna política em Brasília. Uma opção para lidar com o fenômeno seria a ironia, como foi a tentativa do blog de ontem, Combate à corrupção é abuso de autoridade ?
Embora este recurso seja há muito utilizado , pois o ridículo é arma respeitável de antigos e modernos, me parece que o ambiente de Brasília é suscetível de ensejar um desvio grave e coletivo de atitude com determinadas peculiaridades.
Assinale-se, a propósito, que este desvio comportamental não atinge toda a população, mas se restringe à chamada classe política.
Brasília, a nova capital, inserida como disposição transitória na Constituição de 1946, teria restado talvez como simples desejo resultante da visão premonitória de Dom Bosco, se o candidato Juscelino Kubitschek não tivesse, durante a campanha, ouvido a pergunta de o que faria acerca do mandamento constitucional.
Brasília seria a grande realização de JK e muito contribuiria para a integração nacional e o desenvolvimento de nosso vasto hinterland. Trouxe muitos e inegáveis benefícios, mas acarretou um afrouxamento do controle da opinião pública sobre a classe política.
Para que melhor suportassem as agruras da nova capital, com incentivo inicial do próprio Kubitschek, criou-se uma cultura de vantagens que se acreditavam temporárias. Sem embargo, em isolamento muito diverso de o que constituía a caixa de ressonância do Rio de Janeiro, nos Palácios Monroe (Senado) e Tiradentes (Câmara), tais vantagens deixaram nos senhores congressistas um legado surrealista de prerrogativas.
A par disso, a farra das passagens aéreas e das gratificações dobradas só tendiam a acirrar a sensação de afastamento dos controles da opinião pública. O ‘encurtamento’ da semana laboral de suas Excelências foi ulterior passo por eles julgado natural. Este estado de coisas culmina na atual situação caricata, em que a semana parlamentar gira em torno da quarta-feira, a que se acrescentam a terça (dia da chergada) e a quinta (dia da partida). A esse esvaziamento do tempo consignado à atividade legislativa se acopla um outro, que é consequência inexorável da diminuição das horas úteis. Assim, o Congresso, como instância legiferante, se apequena, e tem de tolerar as invasões do Executivo (medidas provisórias) e do Judiciário (judicialização política).
Não há de surpreender, portanto, que o corporativismo se acentue, com os seus epifenômenos de uma suposta irresponsabilidade, manifesta em comportamento dissociado da realidade (V. a maneira com que foram elevados os honorários das classes favorecidas do poder, todas igualadas no teto do S.T.F., como se senadores, deputados, presidente, ministros e juízes do Supremo tivessem todos a mesma hierarquia).
A análise dessa atitude alienada mostra a sua tentacular propagação. Com efeito, este fenômeno que me atrevo a chamar alienatio brasiliensis (alienação brasiliense) afeta não só os senhores senadores e deputados, mas também a classe política em geral.
O que me induz a alargar a aplicação do desvio de comportamento em tela é a maneira com que a Presidente da República passou a considerar a ação da Polícia Federal no episódio das 34 detenções dos suspeitos na operação Voucher.
Sob a pressão, notadamente do PMDB e do PT, procedeu-se a uma inversão na avaliação da ação policial. Os agentes da lei, em cumprimento de mandado da justiça, para a detenção de suspeitos de envolvimento em processo fraudulento de desvio de verbas para o turismo, passaram a ter a respectiva atuação contestada.
Segundo noticia a imprensa, Dilma Rousseff considerou ter havido excessos na operação da Polícia Federal que prendeu parte da cúpula do Turismo. Nesse contexto, a presidente cobrou explicações urgentes sobre o uso de algemas. Para ela, a condução da ação foi um “acinte”.
Assinalem-se, a propósito, os protestos do PMDB, por julgar que os seus representantes estariam sendo responsabilizados por ações da administração anterior no Turismo, que era do PT. No entanto, a alegada ‘inocência’ dos detidos, a começar pelo Secretário Executivo do Turismo, Frederico Costa, não é sustentada pelos indícios colhidos. Com efeito, a segunda autoridade do ministério orienta, conforme as gravações telefônicas, dirigentes de empresas a montar negócios onde o mais “importante é a fachada”. Eis um dado relevante, que se choca com as alegações do PMDB de que Frederico Costa estaria sendo inculpado por ações da administração anterior.
Assim, operação policial que visa a proteger o Erário seria um ‘acinte’ ou então, nas palavras de Ideli Salvatti, uma armação da imprensa ?
É forçoso, por conseguinte, reconhecer que a alienação brasiliense não parece limitar-se a nossos senadores e deputados, podendo afetar outras altas autoridades, com efeitos potencialmente graves de dissociação da realidade.
( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
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