quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Fraqueza e Radicalismo

           Os movimentos da direita enraivecida não são novidade nos Estados Unidos. No século passado – parece muito longe, mas na verdade distam de umas duas ou três décadas – floresciam a John Birch Society e outros grupelhos similares de extrema direita. Voltaram com mais ímpeto, logo após a eleição de Barack Obama. Enquanto o extremismo anterior se caracterizara pelo extra-parlamentarismo, não é o caso do chamado Tea Party, que se tornou uma espécie de ala de ultradireita do Partido Republicano.
           Tal não ocorreria decerto por acaso. O GOP já mostrava marcada tendência para a direita. Em consequência, os republicanos moderados – no século vinte, uma ala relevante do partido, com expoentes como Nelson Rockefeller e John Lindsay – se tornaram uma tendência em extinção, com alguns remanescentes na costa leste (Nova Inglaterra).
           Essa tectônica transformação no Partido Republicano marca a ascendência radical da direita evangélica. Fundada no mantra de um governo menor e a consequente ojeriza aos tributos, o fenômeno colateral inevitável seria a quebra do bipartidismo que ainda se manifestara na Administração Lyndon B. Johnson (1963-68), mediante a aprovação dos grandes programas sociais do Medicare e do Medicaid.
           Com o combate à segregação racial, em que o texano Lyndon Johnson contribuíra de forma determinante para extirpar do velho sul da antiga confederação, migrou para o GOP o apoio sulista antes apanágio do Partido Democrata. A subsistência desse suporte no passado às administrações democratas sempre fora uma contradictio in adjectio para as presidências liberais de Roosevelt e de Truman. Os democratas, no entanto, mantiveram o anacrônico apoio dos conservadores sulistas, sob a tácita condição do predomínio da política Jim Crow (o predomínio branco e o segregacionismo do negro) nos estados da antiga Confederação. Quando esta condição desapareceu, com o fim da segregação e do acesso pleno ao voto pelos afro-americanos, o partido democrata perderia esses estados sulistas, com a ‘represália’ do sufrágio dos brancos para o antes detestado partido republicano (porque associado com Abraham Lincoln e a derrota do Sul na guerra de secessão).
           É compreensível, por conseguinte, que o Tea Party, com todos os seus arreganhos libertários (no sentido americano de um estado menor e com menos impostos) passasse a constituir a ala de extrema-direita do Partido Republicano.
           Para ensejar esta invasão, o Tea Party – um movimento de classe média e também de gente endinheirada (como evidencia o ativo apoio dados pelos milionários petroleiros irmãos Koch) – o sistema de primárias para escolher as candidaturas foi por ele instrumentalizado. Os candidatos do estamento republicanos foram forçados, ou a radicalizar à direita o respectivo discurso, ou a serem derrotados por expoentes desse novo movimento, como Michele Bachmann (Rep/Minn).
           Se a entrada do Tea Party na política ensejaria uma divisão de votos à direita, o eventual favorecimento do Partido Democrata seria fenômeno episódico. Na verdade, a radicalização americana com o viés da direita prevaleceria em muitos estados, o que implicaria na eleição de muitos deputados do Tea Party, ou com trânsito nessa tendência. Em outras palavras, a fragmentação da direita, pela respectiva força de tal corrente na atualidade, só redundaria em favor dos democratas em alguns estados, como na reeleição do Senador Harry Reid, no Nevada.
           O Frankenstein político, portanto, está muito presente dentro do beltway (anel circular) de Washington, máxime na Câmara de Representantes, em que o estranho ensimesmamento da Casa Branca de Obama no primeiro biênio da Administração facilitaria a propagação das esdrúxulas teses desse proletariado interno (no sentido toynbeeano)  intelectual do Tea Party e associados.
           Assim, em 2010, a abulia da Administração Obama em termos de comunicação social foi uma das causas determinantes da avalanche conservadora na Câmara baixa. Com efeito, não reagiu em tempo às contestações conservadoras, como na derrota de Martha Coakley para Scott Brown, na irônica sucessão do liberal Ted Kennedy, ou sequer atuaria de modo efetivo contra as deformações republicanas (Obamacare) à Reforma geral da Assistência Sanitária, uma grande conquista social que se permitiu desmerecer e relativizar por propaganda republicana sem compromisso com a verdade.
           A derrota dos democratas na Câmara – a liberal Nancy Pelosi não é mais a Speaker – implicou na retomada pelos republicanos da Casa de Representantes. Essa vitória do GOP, no entanto, com John Boehner como Speaker, e Eric Cantor, como Lider da Maioria, não nos deve iludir sobre quem realmente tem o controle da Câmara. Ao eleger bancada numerosa, suficiente para derrubar os democratas, o GOP trouxe para Washington uma aguerrida ala do Tea Party, em quantidade suficiente para inviabilizar possibilidades de acordos bipartidários com os democratas.
           Este antigo fenômeno de os jacobinos empolgarem o poder, a despeito dos números dos moderados na planície, é uma característica revolucionária. Ora, malgrado o reacionarismo do Tea Party, ele se posiciona contra o estamento dominante, com as suas teses de um governo fraco e de poucos tributos.
          Podem constituir um modismo de vida curta – como a rebelião de Poujade na França contra os impostos – mas no momento ele está bem vivo, em decorrência do apoio eleitoral que o levou para dentro da sede do poder washingtoniano.
          A presente dominação do Tea Party pode ser demonstrada por três fatores. Pelo recuo do Speaker John Boehner, quando verificou que sua composição com o Presidente Barack Obama não tinha vez para os jovens turcos da bancada; pela tentativa do líder da Maioria Eric Cantor de se valer desse radicalismo para surfar na contestação ao demonizado Obama; e, por último mas não por menos, pela lamentável tendência do Presidente Obama de desmentir boa parte de sua retórica de campanha.
          Obama se apresentara como o candidato da mudança (change). A par disso, frisaria essa capacidade de maneira enfática: Yes, we can ! (Sim, nós podemos !)
          Desafortunadamente, Barack Hussein Obama, o 44º Presidente da União Americana, o primeiro negro a dirigir a grande democracia, não aparenta suportar o peso do cetro presidencial. Essa renúncia inexpressa se tem refletido na sua inelutável tendência a desmentir na prática o que afirmara nas primárias contra Hillary Clinton e na eleição consagradora contra John McCain.
          Transformou-se, por isso, para consternação de quem o sufragou, na antítese da reforma e da mudança. Quando houve a negociação do Congresso lameduck (com a maioria democrata na Câmara e no Senado – as intermediárias de 2010 mantiveram os democratas no controle do Senado, mas não no da Câmara), não se valeu da oportunidade do entendimento bipartidário para restabelecer os impostos a serem pagos pelos mais ricos( a dádiva de Bush Jr.).
          Rendeu-se à extorsão republicana, e não cumpriu a promessa da campanha. Esse comportamento deplorável, ele o repetiria na recente crise do Teto da Dívida, em que sob a perplexidade dos companheiros democratas Barack Obama reeditou as práticas anteriores de composição com os republicanos à custa de dogmas do partido de FDR e de Johnson, como na aceitação de que os programas de assistência aos carentes e aos idosos possam ser afetados, em um processo de reequilíbrio orçamentário.
          De novo, Obama não fez valer os seus trunfos – que não eram poucos, como a maioria no Senado e a 14ª Emenda, entre outros – e aceitou a possibilidade de cortes nesses mesmos programas, enquanto recuava no restabelecimento dos impostos aos mais ricos.
          Em sua alocução no Rose garden da Casa Branca, sob a presença de uns poucos repórteres e fotógrafos,não se terá Barack Obama apercebido da amarga ironia de uma vez, em tom quase de lamúria, prometer, no futuro, empenho para que se restabeleçam tais impostos, na alíquota devida, aos mais ricos ? Quem poderá levar a sério tal compromisso, se na estranha tendência a ceder (yield) Barack Obama, o presidente dos Estados Unidos, costuma curvar-se às exigências dos rivais republicanos ?
          É difícil a previsão do porvir. Mas a projeção de fraqueza da presidência de Obama não constitui, em verdade, um presságio alvissareiro para os futuros comícios de 2012. Será Obama a reedição dos patéticos presidentes de um só mandato, de que o antecessor de Lincoln, James Buchanan é o paradigma ? Ou a insatisfação dos democratas levará à apresentação de candidatos opositores ao Presidente para a designação (nomination) do Partido para a Presidência ? É um fenômeno de certo doloroso e desgastante. No passado, Lyndon Johnson, com o fracasso da guerra do Vietnam, preferiu renunciar à postulação; já Jimmy Carter arrostou a disputa com Ted Kennedy, que acabou derrotado. Carter, contudo, pela sua suposta debilidade, ensejaria a vitória conservadora de Ronald Reagan.
         Antes de cruzar esse Rubicão, muita água há de passar. O próprio Barack Obama poderá reencorporar o candidato de 2008 e reverter a partida. Por ora, tal prognóstico semelha improvável, mas só o Presidente tem condição de mudar tal cenário.
         Na verdade, a iniciativa está, como sempre esteve, com Barack Obama. O problema reside na sua imagem e no que pretenda fazer.


( Fonte subsidiária: CNN )

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