O poder talvez seja das bebidas a mais inebriante. A máxima de Lord Acton – o poder corrompe, e o poder absoluto, de forma total – só é lembrada por reis, ditadores e presidentes quando ele não mais lhes pertence.
No entanto, a história se repete com seus rasgados quadros de passados faustos, a que, intoxicados pela húbris do mando, como se eterno fora, os tiranos de todos os matizes lhes dão a atenção que se dispensa amiúde à algaravia dos anciãos esquecidos nos esquálidos asilos.
Das entranhas do poder, o povo, a quem dizem soberano, só toma conhecimento quando as revoluções – ditas as parteiras da história – irrompem no recesso dos palácios e fortins. É a hora e a vez da verdade, trazida à luz brutal dos saqueios e das pilhagens. Vestida com o gesto da violência, ela não é mais do que a retribuição nutrida por longos anos de arrogância e repressão.
Essa visão do oculto fasto pode variar segundo a natureza do poder que cai. Se há um traço comum que é o abismal contraste entre vivência e cenário do palácio invadido e a vida diuturna dos invasores, as diferenças nos domínios ora arrombados estarão em suas origens.
Rompidas as barragens, a fúria reprimida das águas tudo leva consigo, sem atentar para a suposta legitimidade dos decaídos governantes.
Dessarte,a Versailles dos Bourbon, o Palácio de Inverno dos Romanoff e a Bab al-Aziziya, de al-Kaddafi, são levados de roldão pelos anônimos populares, por símbolos que são de uma realidade que desconhecera os próprios laços com o povo a que dissera representar.
Aí, contudo, se desvelam e se partem as cores e a natureza das realezas que mordem a poeira da revolução.
Diante do tropel da plebe, serão diversos os espetáculos da conspurcada dignidade das dominações que têm,então,rasgado o manto da legitimidade, e o quadro contrastante da coroada vulgaridade das ditaduras.
O farcesco complexo do líder supremo da Jamairiya, até então vedado ao povo, agora se mostra com toda a insultante hipocrisia e cafonice do coronel Muammar al-Kaddafi. No seu requinte extremo de alegado despojamento do poder, ali se expõem a falsidade do tirano e seu entranhado mau-gosto, em que se trai, apesar dos ademanes e da soberba, por todo esse bunker.
Acreditando-se eterno, ele esculpiu e modelou a respectiva residência em luxo e pompa agressiva, em que o ouro, o mais precioso dos metais, é a expressão de um fasto repugnante, fruto do roubo continuado. Para condená-lo no tribunal da história, ele preparou um deplorável palácio/fortaleza, que pensara ocultar das vistas de seu povo.
Todo o luxo agora exposto e revirado, o desmoraliza em frases irrespondíveis – porque leva o seu autógrafo – perante a posteridade com que tanto semelhava preocupar-se.
Vivo ou morto, Kaddafi será nota de pé-de-página no rol dos tiranos, essa praga que visita os homens desde os tempos sem memória.
( Fonte subsidiária: O Globo )
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
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