O impasse político está aí para quem quer ver. A chamada proposta do Speaker John Boehner, apresentada pela mídia como ‘a solução republicana’ para o problema da elevação do teto da dívida, arrastou-se durante todo o dia de ontem, 28 de julho, em seguidos adiamentos. O GOP, pela circunstância de seu controle da Casa de Representantes, é a razão precípua da existência da questão da dívida. Com efeito, tal decorre da própria escolha oportunística de transformar a necessidade burocrático-orçamentária de reajustar o atual teto de catorze trilhões e trezentos bilhões de dólares. E de que forma tenciona valer-se desse compromisso contábil da União americana ? Ao invés do procedimento administrativo habitual do Congresso, o transforma em oportunidade para extorquir do Executivo estadunidense amplas concessões em termos de programas sociais e de política fiscal.
Dessarte, para seguir habilitando o Tesouro a continuar atendendo aos respectivos compromissos, não se trepida em criar situação de moratória dos Estados Unidos. Se a causa do eventual calote é artificial, porque não está ligada a uma situação falimentar, como a de outros países (v.g., Argentina), a despeito disso as consequências são reais e até certo ponto imprevisíveis, pelo inusitado do evento. Conquanto não se tenha sublinhado tais características, salta aos olhos o seu caráter irresponsável, por colocar em risco o interesse nacional.
De forma orwelliana, os republicanos se apresentam como os campeões da responsabilidade fiscal e do orçamento equilibrado. Para equilibrar o orçamento, propõem o corte de programas sociais, enquanto consideram anátema a elevação de tributos. Este é o seu discurso. Na realidade, a práxis é bem diversa. George Bush Jr. recebera de Bill Clinton um orçamento estatal equilibrado, com superavit. Por suas generosas isenções tributárias para os mais riscos, e pelas temerárias guerras em que lançou os Estados Unidos, Bush trouxe de volta a desordem orçamentária, com elevados deficits.
Agora o GOP – e a sua linha auxiliar do Tea Party – veste os trajes de uma estranha responsabilidade fiscal, talhada à custa de cortes nos programas sociais americanos (Medicare e Medicaid), da farisaica interdição à cobrança de tributos (com o que evita a reposição das taxas devidas pelos mais afluentes), com o que pretende atingir o equilíbrio no orçamento. Se no passado arrebentara com a responsabilidade fiscal que herdara do detestado Bill Clinton, agora deseja implantá-la por emenda constitucional e estipendiada nos sacrifícios dos programas sociais para as camadas mais pobres.
Voltemos, no entanto, ao presente. A proposta republicana de John Boehner alardeada pela mídia não pôde ser ontem votada pela bancada do GOP. A minoria democrata nada tem a ver com os sucessivos adiamentos do Speaker, que antes passeara com ares de pré-candidato pelos corredores da Câmara. A alegada ‘solução’ para a questão da dívida não está sendo submetida ao voto dos republicanos, porque uma parte deles – em especial os novatos e mais próximos ao Tea Party – julga ainda demasiado moderada a moção de Boehner. Para essa facção de ultra-direita, a moratória é um falso problema.
Por outro lado, os democratas, que são maioria no Senado, deverão aprovar a sua proposta, que enseja economias mais substanciais para o Tesouro, com a disposição mais equânime dos compromissos fiscais. Sem embargo, nenhum desses dois projetos têm qualquer possibilidade de ser aprovado pela outra Câmara, dada a atual divisão do poder no Congresso estadunidense. Por outro lado, na hipótese improvável de que fosse à sanção presidencial, Barack Obama já asseverou que vetará proposta do Congresso nas linhas aventadas pela Casa de Representantes.
Coloca-se, por conseguinte, uma situação de impasse. Nas palavras do Presidente, a ultima eleição, ao dividir o controle do Congresso, tornou disfuncional o poder nos Estados Unidos.
Não haveria, portanto, remédio político para essa crise artificial, criada pelo extremismo da bancada do GOP, que está a reboque da facção do Tea Party ?
Na verdade, a solução existe e é aquela ensejada pela Emenda 14 à Constituição Americana, na sua seção IV.
A aludida emenda estipula que a dívida soberana dos Estados Unidos não pode ser contestada. Por isso, o antigo Presidente Bill Clinton recomenda ao atual mandatário que se valha de sua prerrogativa presidencial e que no dia dois de agosto, dada a impossibilidade de uma solução da questão por iniciativa congressual, determine a elevação da dívida por Decreto (Executive order). Clinton não teria dúvidas em agir, dado o óbvio interesse nacional. E acrescenta: que os tribunais, se o julgarem por bem, se disponham a enfrentá-lo.
Clinton tampouco está sozinho em advogar esse recurso imposto pelas circunstâncias. O representante James Clyburn, o terceiro na hierarquia da Câmara, também advoga a medida, recordando que, no passado, Harry Truman, o 33º Presidente, já se valera da prerrogativa, elevando o teto da dívida, diante da recusa do Congresso (leia-se os republicanos) em providenciá-lo.
Há outros partidários de que o Presidente Obama recorra à 14ª Emenda, como o Senadora Barbara Boxer (D.-Calif.) e John Carson.
Como se verifica, por conseguinte, o Presidente Barack Obama não estaria de mãos atadas nessa eventualidade. Colocado diante da incapacidade política de o Congresso submeter-lhe projeto de lei para atender à questão, ele disporia dos meios legais – como o seu antecessor Truman – para cortar este nó Górdio fabricado pelo GOP.
O problema, no entanto, reside na incapacidade volitiva do 44º Presidente dos Estados Unidos de mostrar a determinação e – porque não dizê-lo ? – a coragem política de valer-se de instrumento constitucional, posto que extraordinário, e atalhar um falso problema por intermédio da única solução restante, em vista da incapacidade de um acordo com o Congresso, em razão de uma situação de fato que não atende aos melhores interesses da União americana.
Obama, através de seu assessor de imprensa, já se apressara em adiantar que se tratava de opção fora de questão.
Para quebrar o impasse, entretanto, essa opção não é só real, mas constitucional. Em tal sentido apontam dois predecessores seus: Bill Clinton, o 42º Presidente, e o Vice-Presidente Harry Truman, o sucessor do grande Franklin Delano Roosevelt, que terá tido defeitos, mas nunca o da falta de coragem para assumir as respectivas responsabilidades presidenciais, como evidenciou em várias oportunidades.
Na verdade, Barack H. Obama não está desprovido de instrumentos para lidar com essa crise. O seu principal adversário no caso está na sua própria recusa de assumir este magno desafio que, como uma grande pedra, se lhe atravessa o caminho, podendo inclusive ser determinante para sua pretensão de um segundo mandato.
sexta-feira, 29 de julho de 2011
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