sábado, 2 de julho de 2011

A Justiça precisa dar o Exemplo

           Para alguma coisa talvez há de servir a decisão liminar do Ministro Luiz Fux, com respeito ao funcionamento unificado para todo o Judiciário, no que tange à decisão do Conselho Nacional de Justiça.
           Como é do geral conhecimento, o CNJ, em fins de março, determinara a observação de horário idêntico, para todos os respectivos servidores, incluídos os juízes e desembargadores. A medida em apreço que entraria em vigor a partir de segunda-feira, quatro de julho corrente, foi suspensa pelo novel Ministro Fux, que atendeu à ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
           Com efeito, ao surpreender a opinião pública com a suspensão da validade da determinação do CNJ, a iniciativa de um juiz singular, membro da mais alta Corte brasileira enseja oportunidade para que melhor se aprecie do fundamento jurídico de tal decisão liminar – a qual suspende a disposição do CNJ até que o colegiado do Supremo Tribunal Federal decida sobre o assunto.
           Semelha oportuno, antes de adentrar no cipoal jurídico em que, com desenvoltura, investiu o Ministro Fux, esboçar alguma considerações sobre o CNJ e o que significa.
           O Conselho Nacional de Justiça foi criado pela Emenda Constitucional nr. 45, de 30 de dezembro de 2004, que incluíu o artigo 103-B na Constituição Federal. O CNJ é o órgão do poder judiciário encarregado de controlar a atuação administrativa e financeira dos demais órgãos desse poder, bem como supervisionar o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.
           Sob a presidência do Presidente de turno do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso, compõe-se o CNJ de Corregedor Nacional de Justiça, que é a Ministra Eliana Calmon (STJ), mais sete magistrados (dos quais quatro desembargadores e três juízes), dois membros do Ministério Público, dois advogados, e dois representantes do Congresso, sendo um do Senado e outro da Câmara de Deputados. São, portanto, quinze membros ao todo. Os mandatos respectivos são válidos para o corrente biênio (2009-2011).
           Como se sabe, constituía antiga reivindicação a instituição de controle externo da magistratura, a exemplo do estabelecido pela Constituição italiana. Naquele país, no entanto, a presidência deste Conselho é encargo do Presidente da República. Dado o afastamento da máxima autoridade do Estado das funções do efetivo governo, que cabem ao Presidente de Conselho de Ministros, no regime parlamentarista previsto pela constituição italiana, ele está acima dos partidos, constituindo, portanto, a personalidade adequada para presidir o órgão encarregado do controle externo da magistratura.
           Tal não é o caso da Constituição brasileira, que é presidencialista. Assim, a formação do Conselho Nacional de Justiça, a que se reporta dito controle externo do Judiciário, na verdade é um reflexo de realidades constitucionais e políticas, representando, dessarte,um ulterior modelo de soluções acomodativas à brasileira.
           Com efeito, do estamento judiciário, dentre os quinze membros, onze são magistrados ou membros do ministério público, e apenas quatro são pertencentes à sociedade civil (dois advogados e dois representantes do Congresso). Feita a indispensável ressalva de que não se trata de controle externo stricto sensu, é dever de ofício ressaltar o meritório trabalho que vem sendo implementado pelo CNJ.
           Por outro lado, incumbe frisar a representatividade do Conselho Nacional de Justiça. Basta olhar perfunctório para dar-se conta deste atributo, que garante o conhecimento específico dos diversos ramos do poder judiciário. Nele têm assento ministros da justiça trabalhista, desembargadores dos tribunais de justiça tanto federal, quanto estadual, juizes singulares, federais e estaduais, inclusive da justiça trabalhista, a par de membros do Ministério Público, tanto o federal, quanto o estadual.
           A justiça no Brasil continua, sem embargo, a ser vista pela sociedade, como morosa – embora haja instâncias de grande rapidez na sua exação, o que pelo caráter excepcional tende a enfatizar menos o exemplo supostamente positivo do que o aspecto negativo -,e extremamente burocrática (malgrado a sua anunciada digitalização).
           O homem comum vê com estranhável assombro a altíssima remuneração dos magistrados (aquela atribuída aos ministros do STF, sedulamente atualizada a cada ano, constitui o teto de que fruem os grandes personagens da república). A sua fulmínea atualização pelo Congresso – em espetáculo não necessariamente edificante, pela falta de sensibilidade com os padrões vigentes para o comum dos mortais, assim como pelo procedimento adotado, que contraria frontalmente o vagar que caracteriza a tramitação dos projetos de lei na Câmara de Deputados e no Senado – transmitiu para a opinião pública uma visão dicotômica. De um lado, os grandes do Estado –Presidente, Senadores, Deputados, Ministros do Supremo, e Ministros de Estados – todos nivelados por cima, em discutível ordenação hierárquica, e do outro lado, o Povo, que o preâmbulo da Constituição Cidadã denomina de Soberano.
           O magistrado Luiz Fux, que é o mais novo integrante de nossa Corte Suprema, veio precedido pelo renome de primeiro aluno em todos os concursos de que participou. Se nada pessoalmente tenho contra essa categoria, assinalada pelo mérito e que não me é estranha, forçoso será admitir que o Ministro Fux encetou a sua carreira no STF com voto de Minerva que, s.m.j., não participa da sabedoria da deusa romana (Palas Atena da antiguidade grega), ao mandar para as calendas (espero que não as gregas) a Lei complementar nr. 135, a famosa e celebrada lei da Ficha Limpa, que decorreu de memorável mobilização da sociedade democrática, a qual se valeu de um dos melhores institutos estabelecidos pela Constituição de cinco de outubro de 1988, vale dizer a lei de iniciativa popular.
           Agora, nesta oportunidade, Sua Excelência deu acolhida à ação direta de inconstitucionalidade da A.M.B. Pela fraqueza da fundamentação dessa ação , segundo os autores, o CNJ não teria competência para determinar o horário de funcionamento do Judiciário, já que a Constituição garante autonomia administrativa aos tribunais. A par da falta de sensibilidade e da impressão de privilégio que a referida Associação estaria demonstrando, basta rápido exame para determinar-se que, segundo a emenda constitucional a ele relativa o CNJ é o órgão do poder judiciário encarregado de controlar a atuação administrativa e financeira dos demais órgãos desse poder, bem como supervisionar o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.
           Estas são no texto grifado as funções primaciais do Conselho. Data venia, fica difícil entender a alegada falta de prerrogativa. Por outro lado, deseja-se apenas contribuir para melhorar administração da justiça e torná-la mais acessível ao comum dos mortais, o que talvez tenha  papel mais efetivo do que a promoção de concursos anuais, cingidos ao estamento judiciário, para a modernização e a maior eficiência desse poder tão importante para a sociedade.
           O C.N.J. é uma conquista da democracia brasileira, e todo cidadão tem interesse em que desempenhe plenamente as funções que presidiram à sua criação. Presidido por nosso juiz de mais alta hierarquia, e com a participação abrangente de todos os ramos da atividade judiciária, sua atuação carece de ser prestigiada, pois está a serviço da sociedade como um todo, e não de eventuais pretensões corporativas do Poder Judiciário.
           Seria de todo interesse que o plenário do Supremo se reunisse para decidir essa questão colocada pelo Juiz Fux com a urgência que demanda o assunto. A Justiça carece não só de modernizar-se, mas também de mostrar que se integra na Sociedade, adequando-se, para tanto, aos mesmos horários e rotinas com que o homem comum tem de lidar diuturnamente.
           Na verdade, o homem comum somos todos nós, e dispomos em tal sentido do artigo 5º,caput e respectivos incisos, entre as cláusulas pétreas que brilham com a luz da equidade na Constituição de 5 de outubro de 1988, a que se associa a figura imortal de Ulysses Guimarães.






( Fonte subsidiária: O Globo )

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