A hidra da censura tem muitos avatares na América do Sul. No Equador, dentro do modelo chavista, o presidente Rafael Correa, através de uma queixa crime, leva ao limite o acosso da imprensa pela ação contra o jornal El Universo. Acusado pela coluna editorial do diário de que houvesse ordenado as forças de segurança abrirem fogo em hospital cheio de civis, o presidente equatoriano exige o pagamento de oitenta milhões de dólares de danos, a serem pagos por El Universo e os jornalistas responsáveis, além da imposição de penas de três anos de prisão aos diretores do jornal e ao antigo responsável editorial.
Nesta sexta-feira, dia 22 de julho, um juiz singular deverá pronunciar a sentença. Além de a mídia estar impedida de acompanhar o julgamento, segundo um dos advogados dos réus, El Universo não teve oportunidade de apresentar plenamente a respectiva defesa.
Semelhando caracterizar a atmosfera de intimidação a cercar o processo judicial, a acossada diretoria do jornal ofereceu ao Senhor Presidente a oportunidade de imprimir em suas páginas, na forma e no lugar por ele requeridos, uma correção da nota editorial antes publicada por El Universo.
Não impressionado pelo recuo do jornal, e dentro de sua orientação de estabelecer “um precedente”, Rafael Correa rejeitou a oferta.
Seguindo o exemplo de seu modelo, o caudilho Hugo Chávez, o presidente do Equador avança no propósito de sufocar as opiniões discrepantes, com vistas a instaurar a docilidade da imprensa e da mídia em geral a ‘el señor Presidente’.
Contemplando tal estado de coisas, será possível afirmar que felizmente essas coisas não acontecem no Brasil, em que a censura está vedada pelo artigos 5º , inciso nono e 220, parágrafo 2º ?
Se o espírito da sociedade civil correspondia a tal realidade, na época da promulgação da Constituição, com o não à censura afirmado taxativamente pelo então Ministro da Justiça, Fernando Lyra, cumpre reconhecer que o passar dos anos não reforçou, nem consolidou esta negativa que vinha, como o brado de Tortura, nunca mais, da rejeição às práticas da ditadura, dos infectos porões às praças silenciosas.
É voz corrente que a hidra da censura, no Brasil, se vale da toga judicial. Essa prática não se cinge à lugarejos interioranos e aos grotões, onde por vezes mal chega a igualdade dos cidadãos e de seus direitos.
Se prevalece o sentir do constituinte de outubro de 1988, como no magistral parecer do Ministro Ayres Britto, que levou à derrubada da lei de imprensa da ditadura militar, infelizmente persistem notas dissonantes à cláusula pétrea da Constituição que, valendo-se de camaleônicas metamorfoses, intentam disfarçar o arrocho ao livre pensamento nos alvos trajes de legalidade democrática.
No capítulo, a censura ao Estado de São Paulo nos fornece vários exemplos de tais modulações. A par desta censura, imposta há 720 dias pelo desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), atendendo a recurso do empresário Fernando Sarney, cuja tramitação envolveu até passagem pelo Supremo – que, em dia não memorável, preferiu não conhecer da liminar impetrada pelo jornal, seguindo o parecer do relator, o Ministro Cezar Peluso, a que aderiram outros cinco ministros – hoje se acha em um virtual limbo jurídico.
Com efeito, o Estado, através de seu advogado, sustentou a sua preferência ao TJ-DF pelo prosseguimento da ação (de que o empresário F.Sarney pedira a desistência a 18 de dezembro de 2009), “a fim de que ela tenha o mérito julgado”.
A partir de então, à falta de qualquer resposta do Tribunal de Justiça, o jornal paulista tem consignado, de forma quase notarial, em página interna da respectiva edição diária, a imposta censura e o tempo de sua duração.
Diante de tal situação de fato,em que se permita a uma sentença de manifesta inconstitucionalidade perdurar por quase dois anos causa estranhável assombro. Como explicar a atitude do jornal e de sua banca advocatícia ? Se desde 29 de janeiro de 2010 o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira apresentara ao TJ-DF a manifestação acima referida, quanto tempo se passará no aguardo de uma resposta ?
Em verdade, o atroador silêncio não é apenas da Justiça. A ele se associa a mutismo da mídia. Ou será que dentro de poucos dias, tudo há de mudar, quando se completarem dois anos da triste efeméride ?
(Fonte subsidiária: O Estado de São Paulo)
quinta-feira, 21 de julho de 2011
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