quarta-feira, 27 de julho de 2011

Censura, até quando ?

           Cícero precisou, para convencer o Senado romano da culpa de Catilina, de quatro discursos de veemente acusação. Somente após completar a série de o que a posteridade denominaria catilinárias pôde o Consul Marco Tulio Cicero desbaratar dentro da lei a conspiração de Lucio Sergio Catilina.
           Se a par da eloquência oratória no latim clássico, as catilinárias ganhariam a imortalidade em verbete dos dicionários, como designação de imprecação ou acusação violenta contra alguém, que me permita o leitor parafrasear o célebre intróito da primeira oração de Cícero contra o trêfego patrício Catilina.
           Se se entende a impaciência de Cícero diante das maquinações de Catilina, como se há de interpretar essa servidão voluntária da Justiça no que tange ao reinado da Censura ? O ensaio de La Boétie nos fala da aceitação tácita da tirania pelo povo. Submissão análoga no que tange à censura vem sendo evidenciada por juízes, desembargadores e até tribunais.
           Com efeito, através de artifícios vários a opinião pública tem sido defrontada com sentenças que, se afastarmos os acréscimos da argumentação casuísta, vão contra os artigos 5º inciso IX e 220º parágrafo 2º.
           Terei quiçá cansado os leitores deste blog com referências a uma censura judicial que não mais reponta somente nos grotões e distritos interioranos da república – onde sói imperar o arbítrio de coronéis – senão no próprio Distrito Federal, onde sentença inconstitucional de um desembargador continua a viger, como se as cláusulas pétreas fossem apenas figuras de expressão e não conquistas da sociedade.
           Não pretendo reportar-me aqui a essa causa da censura ao Estado de São Paulo, que estranhamente persiste pela pertinácia de uns e a apatia de outros. Sem embargo, a omissão do Supremo Tribunal Federal em não dar sequência à sua sentença – fundada no parecer do Ministro Ayres Britto – contra a Lei de imprensa da ditadura, tem permitido que a espúria planta da censura judicial continue a crescer.
           Os constituintes de outubro de 1988 tinham acreditado que, assim como a tortura, também a censura fora consignada à lata de lixo da História. Ledo engano, porque a hidra encontraria, uma vez arrefecido o entusiasmo inicial, muitos modos e artimanhas para eludir e contornar a proibição constitucional.
           Se não é o momento de relatar-lhe a proliferação – e não mais restrita aos confins da república -, cabe perguntar : porque as entidades responsáveis e/ou diretamente atingidas pela censura não impetram ação direta de inconstitucionalidade perante o STF, para que essa Corte afinal nos conceda a desejada Súmula Vinculante.
           Por sentença da juíza Katerine Nygaard e por liminar da desembargadora Gilda Maria Dias Carrapatoso, determinou-se o recolhimento da cópia para ‘avaliação’ da longa-metragem “A Serbian filmTerror sem limites”. O propósito dos autores da ação (liderados pelo DEM-RJ) é o de evitar a sua exibição, sob a alegação de que incitaria à pedofilia. Se existe película que pelo seu caráter rebarbativo semelha provocar os limites dos guardiães da pública decência será este filme pela dubiedade e contumácia nas escolhas. As medidas que requer, no entanto, não são as de uma censura inconstitucional, mas a sua extrema limitação a público maior de idade, que esteja plenamente informado dos excessos nele veiculados. Para tanto, não se carece do veneno da censura: basta aplicar o máximo na classificação etária.
           A provocação de uma obra espúria não deverá jamais motivar o mal maior. Se a censura em nosso país reluta em confinar-se nos arquivos dos historiadores, não é hora de combater uma mazela oportunista com remédios inconstitucionais. Basta valer-se das medicinas do bom senso. Que veja tal filme quem tem idade para tanto. Se o fará em demonstração de condenação à censura, estará ingerindo amarga poção, mas será de mais valia, a despeito da espúria qualidade da prova, do que recorrer a outros meios, que estão ao arrepio da Lei Maior.



( Fonte subsidiária: O Globo, página Opinião)

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