Este era o título de meu blog de 17 de maio p.p. Em essência, reportava-me à gravidade das acusações contra Strauss-Kahn, mas em meio a algazarra que o tinha como culpado e o tratava como tal me permiti lembrar que ninguém é condenado de antemão. O suspeito do delito deve ter a oportunidade de defender-se e a promotoria a de comprovar, além de qualquer sombra de dúvida, a culpabilidade do imputado.
Na verdade, Strauss-Kahn, em função de sua caracterização como obsessivo sexual, foi obrigado a desfilar algemado, após a aceitação pela corte de seu indiciamento.
Esse espetáculo, de que no Brasil e alhures são preservados facínoras e ladrões, não é inusitado nos Estados Unidos, onde os chamados perpetradores de delitos são submetidos a esta humilhação pública, aplicada, é bom que se frise, antes de que se determine em juízo, com a apresentação de provas e contra-provas, a culpa ou inocência do suspeito.
Deve-se ter presente que do acusado foi exigida pelo tribunal uma fiança de seis milhões de dólares, além de sua manutenção em prisão domiciliar, sob a vigilância policial, conjugado com equipamento eletrônico indicador de localização topográfica.
Por conta do escândalo, e da consequente pressão, Dominique Strauss-Kahn preferiu renunciar de forma incondicional ao cargo que ocupava, vale dizer, o de diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (a ministra da economia da França, Christine Lagarde, acaba de ser eleita para substituí-lo).
Antes indicado como o provável candidato do Partido Socialista para a eleição presidencial francesa em 2012, e com boas perspectivas de vencer no segundo turno, haja vista as prévias que o apontavam bem à frente do Presidente Nicolas Sarkozy, do dia para a noite foi havido com um personagem do passado, eis que o seu risonho futuro havia sido fulminado pelas acusações de uma camareira.
Excluídas as menções feitas pelo zeloso promotor público acerca dos antecedentes de Dominique – o que é prática desaconselhada pela jurisprudência americana, eis que as pessoas devem julgadas por uma transgressão determinada, e não pelo que se supõe seja o seu comportamento pregresso e sem qualquer conexão com os alegados fatos de que é acusado - o que restava era a palavra de uma empregada de hotel contra a de Strauss-Kahn. Mesmo que a parte incriminante fosse pessoa de nível social equivalente ao do político francês, tal aspecto não mudaria. Não semelha admissível que se tenha agido com a virulência e a severidade assinaladas contra um suspeito – que na verdade passou a ser tratado como virtual criminoso – sem que existissem fundamentos sólidos para alicerçar a tese da promotoria. E, de todo o modo, não é uma ficção que o suspeito seja considerado como tal, e não como pré-condenado, a que só falta o uniforme listado para corroborar o crime cometido.
Isto posto, terá sido com surpresa que Cyrus Vance Jr. , Promotor-Público Distrital de New York, convocou conferência de imprensa para declarar que, de conformidade com os princípios éticos e legais, como surgiram dados importantes contra a credibilidade da alegada vítima, ele os tinha transmitido à defesa e à corte. A alocução de Vance foi mais longa – referiu-se à correção do comportamento da promotoria e do convencimento que se tinha das bases para acusar o suspeito – mas o trecho relevante, que motivara a entrevista, constituía obviamente a falha existente no arsenal da acusação.
Em função deste súbito enfraquecimento da imputação – que provocara verdadeiro linchamento moral do acusado, evidenciado até em manifestações de repúdio da categoria a que pertence a anônima vítima - a corte distrital determinou o levantamento da prisão domiciliar e o cancelamento da fiança.
Se bem que não deverá tardar muito para que venham à luz as informações que lançam dúvidas sobre a credibilidade da parte acusadora, a camareira africana cujo testemunho representava o cerne da increpação de Strauss-Kahn.
A grande repercussão na França – e as expressões de apoio de personalidades como Martine Aubry no partido socialista – com essa reviravolta, este autêntico coup de théâtre (golpe teatral), e as suas eventuais consequências com respeito ao porvir de uma pessoa que se reputara destinada à cadeia parecem demasiado prematuras, dado o caráter imediato da ocorrência e as diversas possibilidades de evolução.
Só se pode ter certeza de uma coisa que é a necessidade de que se faça justiça.
Mas não aquela à toque de caixa. E é importante, apesar de tudo, sublinhar este atributo do processo nos Estados Unidos, em que a promotoria reconheça que o seu caso não era assim tão sólido quanto acreditara.
E se pode, dessarte, antecipar que Dominique Strauss-Kahn venha a divisar no horizonte a perspectiva de que se lhe faça, afinal, justiça.
(Fonte: CNN)
sexta-feira, 1 de julho de 2011
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