domingo, 19 de junho de 2011

Queremos o Meio Ambiente da China ?

           Creio importante que a opinião pública se inteire do preço que a população chinesa está pagando por causa do atropelo das condições médio-ambientais pelo governo chinês. Infelizmente, para o Brasil tal informação não será apenas a título de conhecimento.
           Com efeito, temos diante de nós uma situação nova, criada por estulta leviandade da Câmara dos Deputados, aprovando um deformado e irreconhecível projeto de código florestal e, ainda por cima, juntando a injúria ao insulto, chancelando a criminosa e irresponsável Emenda da Vergonha, que premia os contumazes desmatadores e priva a União de onze bilhões em multas !
           Antes que voltemos ao alarme provocado pela desgraça já implantada no Império do Meio, parece oportuno passar em revista como descemos tão baixo em termos de consciência e, agora, de legislação médio-ambiental.
           O que fazia o governo Lula enquanto um deputado do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), antes especializado em jocosos projetos de dúbia serventia – como o de combater o uso de estrangeirismos pelo público – ganhara da frente ruralista a relatoria de projeto dito de atualização do Código Florestal ?
           Dormia acaso Sua Excelência o Presidente ao permitir que Aldo Rebelo encetasse a sua labuta de formiga, com o escopo de atender aos propósitos de seu público que não são os da Nação brasileira ?
           A tradição ambientalista nacional não pode conviver com esse aleijume, fruto espúrio de mais de cem audiências públicas,sedulamente organizadas pelo Relator Rebelo e que, com dúplice esmero, cuidou de não ouvir a quem do assunto conhecia, e dos perigos que enfrenta. Como explicar tão estranho interesse de não consultar cientistas e professores especializados no tema ? Por que não queria saber do atual estado da arte, dos desafios e das opções abertas para o nosso maior recurso natural ?
           Ao invés, o deputado Rebelo cuidou de costurar outras alianças, que nada têm a ver com a preservação e o desenvolvimento sustentável. É de resto estranhável o apoio que lhe prestaram revistas como Veja e, através de editoriais, jornalões como O Globo ?
           Se o projeto de A. Rebelo pôde avançar tanto – para vergonha de país como o Brasil, dotado até hoje de legislação criteriosa e responsável – a inação do Governo Lula – depois que tornou impossível a permanência de Marina Silva no ministério – se avulta incômoda diante de nós. Pelo que deixou de concreto, Lula da Silva afasta qualquer dúvida sobre a sua real posição, que nada tem a ver com a de Chico Mendes.
           Como pode privar dessa companhia quem assinou o decreto das cavernas, a MP da Grilagem, e com fastidiosa repetição dispensou os desmatores das multas devidas ?
           A sua criatura, que soube com proficiência fazer eleger, nunca morreu de simpatia pela causa ambientalista. Terá sido para Dilma, a poderosa Primeira-Ministra de Lula, tão só um estorvo para os seus projetos ditos desenvolvimentistas. No único momento em que se descobriu forçada a assinar compromissos nesse campo, o fez para deter a sangria dos votos de Marina Silva para o concorrente José Serra, ao soar a campainha do segundo turno.
          Tampouco o Governo Dilma tratou de criar condições para que a espúria aliança dos latifundiários desmatadores e de seus agregados não lograsse êxito no seu projeto antibrasileiro. Queremos, porventura, imitar a Malásia, a Índia e a China que não souberam – ou não quiseram – velar pelas próprias florestas, e hoje arrostam as sequelas dos males trazidos por uma burra ganância de fôlego curto e de baixos, sombrios horizontes ?
          Pergunto-me por qual razão o meticuloso Aldo Rebelo não cogitou de convidar para as ‘audiências públicas’ os irmãos Koch, grandes industriais do petróleo, e que se esmeram em doações para derrubar a única legislação ambientalista nos Estados Unidos – a da Califórnia ? Esses senhores, é verdade, não gostam de aparecer em público, mas são generosos em promover todas as atividades que forem contrárias ao meio ambiente...
          Mas voltemos ao que caracteriza o tratamento da questão ambiental na China. Vemos nas publicações que é incentivada a utilização das motonetas e bicletas elétricas, a par da ênfase no desenvolvimento do veículo elétrico, ainda um desafio tecnológico pelos custos envolvidos na elaboração de baterias que lhe garantam a necessária autonomia.
          Por outro lado, a RPC igualmente avança na indústria das energias hoje ainda alternativas, como a solar e a eólica. A progressão na elaboração dos painéis para captar a energia do sol é bastante acentuada, e a tecnologia chinesa ora dá sinais de que tem condições para concorrer e superar rivais de peso, como as empresas estadunidenses.
          No entanto, o povo chinês – malgrado tais investimentos substanciais no campo da energia limpa – sofre em várias regiões dos epifenômenos da poluição. Partindo da irresponsabilidade do trato com mãe-natureza - e nisso se inclui o desmatamento extensivo e abrangente – o Partido Comunista Chinês desde o tempo de Mao Zedong promoveu a construção de grandes barragens e mega-desvios de correntes como se pudesse esperar do meio ambiente a obediência dos carneiros.
          A experiência tem sobejamente evidenciado os efeitos maléficos dessas iniciativas como as grandes barragens, que causam mudanças profundas no meio ambiente, seja na quantidade da água disponível, seja em seus reflexos sobre os outros fatores, cujas modificações sem atender aos condicionamentos ecológicos serão pagas pela população tanto agrícola, quanto urbana, em alterações radicais do clima e da disponibilidade dessa substância que no Brasil, por achá-la abundante, ainda se tolera o estúpido disperdício de porteiros em limpar com mangueiras calçadas e quejandos.
          Como se verifica, a consciência ecológica do PCC e de seus funcionários não é determinada por premissas únicas, mas sim se aplica de acordo com a conveniência da indústria. Foi o que ocorreu em nove das trinta e uma regiões provinciais chinesas em termos de padecer de níveis tóxicos de exposição ao chumbo.
          No mês passado, multidão de mais de duzentas pessoas se formou na entrada da Fábrica de Baterias Zhejiang Haijiu, que produz baterias de chumbo-ácido para motocicletas e bicicletas elétricas. Posto que o intúito seja o de fabricar produtos para a indústria pró-meio ambiente, para os operários e a população vizinha os efeitos não podiam ser assim definidos.
          Com a conivência das autoridades, a aludida planta industrial operara por mais de seis anos com sistemática violação ambiental. As emissões de chumbo, muito acima dos níveis considerados aceitáveis pelas regras da própria China, haviam envenenado trabalhadores e aldeões. A verdade é ainda mais grave: 233 adultos e noventa e nove crianças foram encontrados com concentração de chumbo em seu sangue em níveis sete vezes acima daquele considerado seguro pelos padrões governamentais chineses.
          Diante da inércia da administração, é mais do que compreensível a fúria de populares cotidianamente expostos a níveis criminosos de contaminação. E foi este sentimento de desespero que os levou a invadir e destruir os escritórios da firma, com suas mesas, armários e computadores.
          Assim como alegadas conversões de desmatadores convictos em cristãos novos do ambientalismo têm a duração das falsas promessas e dos embustes, também é contraproducente um ambientalismo setorial. Mostra a sabedoria que não se pode servir a dois senhores, nem prostrar-se diante de altares diversos de antagônicas divindades. A verdade e o comprometimento ecológico é um deus exigente, que não abre exceções.
          Será demasiado tarde para deter essa obra em que a demagogia política está a serviço dos grandes latifúndios e dos mega-desmatadores ? De que adiantará que conforme o figurino nos venham depois choramingar que tudo foi lamentável equívoco e que errar é humano ? O erro pode ser humano, mas apegar-se a ele sob a barragem incessante da verdade, conjugada com a intenção de só ouvir o que lhe interesse configura outro tipo de atitude que nada tem a ver com a servidão involuntária à natural obtusidade.
          Por outro lado, se no tempo de Lula as coisas podiam acontecer, mas nunca o seriam contra a vontade do ex-torneiro mecânico, no caso de dona Dilma o problema se configura de outra forma. Por não ser do ramo, e ter sido catapultada para as alturas do Palácio do Planalto, Dilma Rousseff está em torre de marfim, em que as características de suas capitãs da guarda não tendem a estreitar e a tornar mais manejáveis os eventuais fios de controle de maioria que é mais circunstancial e oportunística do que programática e atenta à vontade da chefa. Por cima disso, resta determinar à Presidenta que se coloque como questão de princípio e ponto inegociável o desbastamento do projeto de Código Florestal de todos os seus erros e ardis.



( Fonte: International Herald Tribune)

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