Se a reforma eleitoral é uma exigência do bom senso e da necessidade de reformar a política de fond en comble (completamente), a reforma judicial pode receber colateralmente os benefícios da tentativa de aprimoramento das bases dos órgãos republicanos, na medida em que as boas leis hão de preparar-lhe o caminho.
No entanto, perpassa o estamento judiciário brasileiro um nimbo de corporativismo. Se tal característica não é exclusiva da justiça – e o atual Legislativo, com seu distanciamento do Povo soberano será a prova mais contundente de uma postura tão néscia, quanto nociva – forçoso se me afigura reconhecer que a sua sindicalização exacerbada tem frisado com pesadas tintas tão lamentável tendência.
Houve, há pouco, arreganhos com ameaças de greve, o que só repetiria lamentável episódio que somente pôs a nu a circunstância de quão afastada se acha boa parte da corporação judicial de o que se presumiria a filosofia de trabalho de um magistrado consciente dos respectivos deveres e atribuições.
Diante de magistratura, de certo a mais bem paga e aquinhoada com as mais diversas vantagens dentre as carreiras dos servidores do Estado, causa estranhável assombro que dela substancial parcela não só haja ousado entrar em greve, mas também que tal experiência (mormente em face da repercussão da sociedade civil) não a tenha escarmentado de transgredir a obediência à lei. O que se há de esperar de magistratura que prefere, para aumentar as respectivas prerrogativas e benesses, desrespeitar a lei de que é suposta ser a guardiã por excelência.
Nas acomodações que presidiram a implantação do Conselho Nacional de Justiça entre nós, o princípio do controle externo da magistratura – consoante encetado pela legislação italiana – não pôde ser plenamente instaurado. Sem dúvida o CNJ representa um progresso, mas a sua atuação está dependente da bianual presidência, que recai sobre o presidente de turno do Supremo Tribunal Federal. O CNJ, mesmo com o apoio desse presidente, pode sofrer entraves nas suas disposições – como ser contrariado por despacho de membro do STF – que são limitações as quais não se coadunam com o espirito da emenda constitucional que presidiu à sua criação.
Voltemos, no entanto, à justiça. Há demasiados juízes e um número também desproporcional de desembargadores. Além dos custos que esta inchação judicial determina, o brasileiro não depara maior rapidez e agilidade na administração da justiça. Fala-se da digitalização do processo, mas o que se nos defronta são as longas filas da burocracia, a extrema dificuldade de um particular ter acesso pessoal a um magistrado (como Hélio Bicudo o assinala ), a tardança das ações, muita vez recheadas com exigências abstrusas – como a convocatória a tribunal de anciã de noventa e oito anos.
Sobrepaira a impressão muita a vez àquele que se descobre constrangido a recorrer à justiça que os despachos do magistrado, ao invés de atalhar questões e de apontar soluções, constituem na verdade meios e modos de ganhar tempo. Há nisso gritante e mesmo cruel ironia, pois esses despachos tão somente atrasam o curso da ação.
Há diversas maneiras de estugar o passo da justiça, sem afetar-lhe os altos objetivos de não distinguir entre as partes, com a cega aplicação do direito. Uma delas seria a de instituir um horário conforme ao comum dos mortais, válido de segunda a sexta-feira inclusive. Tal menção, à vista do procedimento notadiço em diversos foros citadinos, não é pregar para os convertidos, pois são infelizmente corriqueiros os horários abreviados, de que muita vez sofre o expediente nas segundas e sextas.
O bom juiz existe e deve ser prestigiado. Em muitas cidades, os magistrados intemeratos sofrem a soez ameaça do crime organizado. Carecem de toda a proteção, porque, ao distinguir-se pela coragem na aplicação da justiça, certamente não merecem a dúbia distinção de transcorrer os dias transidos pela perspectiva de serem atacados – ou seus familiares – exclusivamente por zelarem pelo interesse do Estado e de todos os cidadões morigerados.
Por outro lado, caberia considerar que os juízes encarregados das varas de execução penal deveriam ser preservados de indevida publicidade do respectivo nome. Quem decide se um facínora, ou se um pedófilo-assassino, deve ou não valer-se das regalias da subitamente permissiva legislaçao, não pode ficar exposto a pressões e atos criminosos, unicamente pelo fato de aplicar consciente e corretamente a norma legal.
Há dois outros tópicos que mencionarei en passant, embora careçam de análise mais aprofundada. Reporto-me a dois absurdos que ainda persistem na legislação e que, à vista da análise comparativa, não mais mais deveriam ser admitidos.
A concessão de liberdade provisória, por decurso parcial de pena e bom comportamento, a pedófilos, deveria ser suprimida. Além dos estragos e das mortes que tais ‘liberdades provisórias’ concedidas judicialmente têm trazido para a crônica judicial (cf. a série de mortes provocadas por um pedófilo recém-liberto em Luziânia), semelha de toda oportunidade ter em mente que, v.g. a legislação espanhola condena a perpétua reclusão os pedófilos. As cláusulas pétreas da Constituição não existem para facilitar crimes, nem para acobertar a inépcia de algum magistrado que tenha agido sem a prudência indispensável. Nesse sentido, as velhas medidas de segurança estão aí para prover que inocentes adolescentes – como aqueles ignobilmente abatidos nas redondezas daquela cidade goiana – possam viver com a tranquilidade devida a qualquer brasileiro respeitador da lei.
A outra questão que desde muito grita por ser atendida é a eliminação da absurda censura judicial. Surpreende que membros do STF entoem loas à liberdade da palavra e que, sem embargo, nisto não entrevejam contradição com a circunstância de negar provimento, por motivos formalistas, em ação liminar contra Fernando Sarney, movida pelo Estado de São Paulo. Para honra de minoria de ministros, tal não foi bastante para que não votassem pela pronta derrubada da censura, imposta pelo desembargador Dácio Vieira (TJ/DF), próximo do círculo dos Sarney.
Tornarei oportunamente a essa questão, que me é fonte de não pequenas perplexidades. A par da negativa do Presidente Cezar Peluso a que se cumprisse o mandado da Constituição, por seus artigos 5º, incisivo IX e 220, parágrafo 2º, me pergunto com crescente insistência, por quê nada fazem o Estado de São Paulo, a solitária voz na ditadura contra a censura na imprensa, nem a banca advocatícia que o representa junto a tais colendos tribunais ?
Por não ser cousa de somenos, dificilmente se vê explicável o tratamento cartorial que o grande jornal tem dispensado ao cerceamento de sua liberdade de informar, defrontado por determinação que recende ao arbítrio da inconstitucionalidade.
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário