domingo, 5 de junho de 2011

Colcha de Retalhos LXXXI

Preso suspeito da morte da Politkovskaya

           Crítica impiedosa da política do Kremlin na república federada da Tchetchênia, e de seu proconsul, Ramzan Kadyrov, Anna Politkovskaya pagaria com a vida o seu ativismo jornalístico.
           Por um assassino de aluguel, a Politkovskaya seria abatida na tardinha de sete de outubro de 2006, no elevador de seu prédio, com a arma do crime ao lado, como é o vezo dos matadores profissionais na violenta Federação Russa.
           Anna Politkovskaya não era  boa oradora, nem tinha grandes aptidões para cativar o público. No entanto, pela coragem e talento jornalístico, a sua crítica aos abusos do presidente da pequena república tchetchena – e um fiel aliado de Vladimir Putin – pesava fundo.
           Politkovskaya acabou caindo vítima de um Rustam Makhmudov, que desde então esteve ao largo, a princípio homiziado na Tchetchênia, e mais tarde foragido na Bélgica.
           O primeiro julgamento relativo à morte da jornalista se realizara em 2009. Terminou com anticlimático veredicto de inocência para dois irmãos de Makhmudov, mais explicado pela fragilidade da acusação – que não foi muito além das ligações dos celulares dos dois Makhmudov, feitas da cena do crime.
           Faltava no processo o suspeito do assassínio. Os irmãos não passariam de cúmplices – um como vigia, e o outro, como motorista.
           Lograda afinal a detenção do alegado matador – que é decorrência de movimento da opinião pública pelo fim da impunidade – o novo julgamento para determinar a autoria do crime de outubro de 2006 terá maiores probabilidades de condenar quem matou Anna Politkovskaya.
           Decorridos quase cinco anos de sua morte, a Politkovskaya constitui uma dessas figuras cuja sombra continua a crescer na opinião pública russa. É um ícone do jornalismo investigativo – atividade prenhe de perigos na Rússia e sobretudo na violentíssima república da Tchetchênia. O seu vulto imponente é uma perene contradição da resposta do então Presidente – e hoje Primeiro Ministro – Vladimir Putin. Após longo silêncio inicial diante da brutal ocorrência, Putin acreditou oportuno declarar : ‘a sua influência na vida política foi em escala de extrema insignificância’. Sem o saber, desenhava o pano de fundo para personagem camoniana, que depois de morta se tornara inda maior do que em vida.

A minoria cristã no Egito revolucionário


           Caído Hosni Mubarak, já existem setores que deploram a sua falta. O saudosismo é atitude bastante difundida. Dos fatores que contribuem para a sua difusão, surgem o esmaecimento da memória e a simultânea tendência de idealizar o passado, escoimado de muitos aspectos negativos.
           Como referido nesse blog, a revolução egípcia tem estimulado distúrbios na sociedade, em que, entre outros, se manifestam episódios de violência contra jornalistas e contra os cristãos coptas.
           Com o desaparecimento político de Mubarak, evaporou-se igualmente o sistema prevalente nas relações entre a maioria muçulmana e a minoria copta.Correspondendo a cerca de dez por cento da população, os cristãos coptas se abrigavam sob a proteção de seu papa, Shenouda III. Em troca do apoio da comunidade, o braço do ditador cuidava de assegurar-lhes o espaço da coexistência.
           Se a equiparação tinha seus limites, a convivência entre muçulmanos e coptas obedeceria a regras mínimas, de forma a garantir atmosfera suportável na prática do dia-a-dia.
           O relacionamento teria seus pontos frágeis – como as dificuldades de construção de igrejas em comparação com as facilidades para a edificação de mesquitas -, porém a ordem e o geral entendimento eram mantidos.
           Derrubado Mubarak, aumentou a violência. Na comunidade copta, houve 24 mortos, mais de duzentos feridos, e três igrejas incendiadas. Há motivo de preocupação no segmento copta com a deterioração das relações. Nesse contexto, existe o exemplo da comunidade caldaica no Iraque, e a crescente intolerância de que vem sendo objeto desde a queda de Saddam Hussein.
           Sem embargo, a principal diferença entre as duas comunidades copta e caldaica reside no respectivo peso social. Os coptas têm presença muito maior na sociedade – malgrado todas as limitações a que estão sujeitos. Tal se deve simplesmente ao seu número, o que tende a representar um óbvio incentivo para a construção de convivência pacífica.
           Sinal positivo nessa tendência foi dado pela Fraternidade Muçulmana – que é considerada o mais forte partido político no Egito. A Fraternidade designou um cristão como vice-líder da nova agremiação. Segundo Essam el-Erian, um dos próceres da Fraternidade, “ Estamos conclamando por um estado civil”. Propunha-se estabelecer leis derivadas dos elementos da Lei Islâmica que são comuns aos de outras grandes religiões, como ‘a liberdade de culto e de fé, igualdade entre as pessoas, direitos humanos e dignidade humana.’


A tirania do alauíta Bashar al-Assad.

 
           Continuam as manifestações contra o presidente al-Assad, apesar de sua repressão pelo governo. Desde o início da sublevação, as mortes de populares terão ultrapassado o milhar.
           De todos os trucidados, muitos deles após torturas, nenhum produziu impressão tão forte da brutal crueldade das forças de al-Assad quanto o cadáver de um jovem de treze anos, Hamza Ali al-Khateeb, natural de Jiza, cidade do sul da Síria. Detido a 29 de abril, o corpo de Hamza foi devolvido à sua família, sob a condição de que fosse mantido em segredo o estado em que se achava.
           As marcas da tortura eram tamanhas no corpo do adolescente que a família, apesar das ameaças e do risco decorrente, fez um vídeo de Hamza. Refletindo a condição desfigurada e inchada do cadáver, objeto de incontáveis feridas, muitas delas adrede não mortais, a imagem de Hamza constitui a denúncia mais forte da barbara, estúpida tortura inflingida sobre menino de treze anos.
           Nas ditaduras árabes não será por acaso que as maiores demonstrações ocorram durante os enterros das vítimas. Hamza Ali al-Khateeb e o seu vídeo evidencia a bestialidade da repressão dos aliados do ditador. Como chama em terra ressequida, a sua visão por vídeos na internet reacendeu com maior força a reação contra al-Assad. Em Douma, um subúrbio de Damasco, manifestantes marcham de noite gritando ‘Vá embora!’ para Assad, enquanto brandem faixas que dizem ‘Nós todos somos Hamza al-Khateeb’. Em Dereya, outro subúrbio, mulheres e crianças protestam contra o regime, e seguram uma faixa com os dizeres ‘Por quê têm tanto medo de Hamza ?’
           Talvez em resposta ao recrudescimento generalizado dos protestos, o ditador prometeu nesta semana que dará uma anestia geral, extensível a todos os prisioneiros políticos. A arma da anestia e da revogação de leis especiais – como a do estado de emergência – constitui um conhecido recurso de Bashar al-Assad.
           Através dessas promessas, ele conta dividir o movimento, enquanto acena com o ramo de oliveira. Na verdade, a utilização de tais expedientes teria eventual eficácia se aplicada no início dos distúrbios, naquela primeira fase em que a revolução ainda carece de força inercial. Como al-Assad já encenou tais intentos durante as manifestações, sem no entanto complementá-los com iniciativas tendentes a dar credibilidade à sua suposta boa fé, há fundados motivos para que, de parte a parte, não haja qualquer disposição de entabular negociações de paz entre os dois campos antagônicos.
           Com efeito, no corpo do jovem Hamza al-Khateeb os esbirros de Assad grafaram não só a natureza, mas os reais e inomináveis propósitos daqueles empenhados em reprimir a revolução democrática na Síria.

Iêmen – da contestação à guerra civil ?


           O bombardeio do palácio presidencial, ao contrário das notícias iniciais, produziu estragos bem maiores no grupo ligado ao presidente Ali Abdullah Saleh. O ferimento sofrido pelo Presidente do Iêmen tornou inevitável que fosse conduzido a Ryadh, na Arábia Saudita, para urgente intervenção neuro-cirúrgica.
           Os estragos do míssil rebelde não se cingem ao presidente iemenita. Também carecem de atenções médicas os seus aliados, o Primeiro Ministro Ali Mujawar e os presidentes da Shura e do Parlamento. Ao partir, Saleh transmitiu o poder para o seu Vice-presidente, Abed Rabbo Mansour Hadj.
           O ataque contra Saleh e o seu núcleo diretivo motivou represália contra a casa fortificada de Sadeq al-Ahmar, o chefe tribal cujos seguidores são os principais suspeitos do ataque contra o presidente Ali Saleh. Em consequência, desse bombardeio contra o quartel-general da liga Hashed houve dez mortes e 35 feridos.
           Na confusa situação iemenita, as manifestações populares prosseguem na sua exigência da saída do presidente Saleh, que há vários meses procura ganhar tempo.
           Com a sua brusca retirada médica para os hospitais sauditas, e por instâncias do rei Abdullah e do Príncipe herdeiro, foi assinado um cessar-fogo pelo governo, representado pelos filhos de Ali Saleh, e a oposição.
           Por esta, firmou o general-de-brigada Ali Mohsen al-Ahmar, que abandonou não faz muito as hostes da situação. Como as perturbações no Iemen, sobretudo pelas repetidas procrastinações do presidente, cujos acenos de saída do poder são apenas meios de ganhar tempo, tem levado a uma progressiva radicalização, a aparente solução da crise não mais estaria na voz das ruas e das praças, porém em um enfrentamento tribal que só pode prenunciar outra guerra civil.
           Como o governo saudita de Ryadh vê com inquieto nervosismo as intermináveis perturbações no Iemen – e o eventual descambar do seu pobre vizinho do Sul para a guerra civil – compreende-se o próprio interesse na negociação do cessar-fogo por iniciativa do monarca Abdullah. Quanto aos eventuais resultados, contudo, dadas as intratáveis características dos pugnazes vizinhos, toda cautela nos prognósticos será pouca.



( Fontes: International Herald Tribune, CNN )

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