Caso Battisti. Sentença do Supremo. Reação italiana
A decisão do Supremo, desnecessariamente retardada pela atitude postergatória do Presidente Lula, veio afinal fazer justiça a quem buscara refúgio no Brasil com a confiança de que seria tratado com equanimidade.
Cesare Battisti poderá agora viver em nossa terra com a tranquilidade do cidadão comum. Não é mais um fugitivo, nem prisioneiro em nossos cárceres.
Acaso surpreende a reação do governo italiano ? A dizer verdade, não. Desde que o refúgio fora concedido pelo Ministro da Justiça Tarso Genro, a coalizão de direita dirigida por Silvio Berlusconi, pensando manipular um assunto considerado popular e que remontava à época das brigadas vermelhas, multiplicou as patriotadas e ameaças descabidas, dentro de atmosfera de escassa seriedade, que alguns indevidamente associam ao generoso povo italiano.
O próprio Presidente da República Giorgio Napolitano, um ex-comunista, se agregou ao grupo. Para quem conhece a realidade italiana, resulta difícil entender-lhe a motivação.
Por oportunismo político, mais os aliados de Silvio Berlusconi do que ele mesmo, hipertrofiaram a importância do então jovem militante Cesare Battisti. Condenado pela magistratura italiana em processo à revelia, sofreu ele a incôngrua acusação da responsabilidade por quatro assassínios, que partira de um delator-premiado. A sua ausência na ocasião pode ter facilitado que a responsabilidade dos crimes lhe fosse atribuída, apesar da juventude e do caráter apagado de sua militância que em nada se coadunava com a autoria de tais crimes.
Sem embargo, Cesare Battisti se asilou na França de François Mitterrand. Enquanto o socialista esteve no Palácio do Elysée, as autoridades italianas não romperam o respeitoso silêncio com que distinguiram a estada de Cesare Battisti naquele país.
Causa estranheza que a relevância do terrorista Battisti tenha mudado a tal ponto para justificar toda a gesticulação e as ridículas ameaças de reexaminar os acordos existentes entre Brasil e Italia. Tais representantes do Estado italiano deveriam proceder com maior seriedade. Afinal o governo tanto hesitou em marcar as festividades do sesquicentenário da constituição desse Estado, que parece agora querer compensar tal demora com toda a absurda movimentação diplomática dirigida contra um obscuro gregario (ciclista secundário nas equipes do Giro d’Italia). Tudo isso se enquadraria melhor na Commedia dell’Arte do que nos negócios de Estado.
Kadaffi e os bombardeios
O crepúsculo dos deuses (Götterdämmerung) é referência que parece apropriada à derrocada e fim dos ditadores. Os últimos dias de Adolf Hitler homiziado na ilusória segurança de seu bunker berlinense evocam essa lembrança, em meio às bombas que lhe anunciam a próxima invasão das Erínias, personificadas pelo Exército Vermelho.
A presença dos bombardeios na vida do coronel Muammar Kadaffi tampouco será produto do acaso. Em 1986, o Presidente Ronald Reagan determinara ataque contra o líder da Jamairia, em represália ao terrorismo líbico que provocara a morte de militares americanos em uma discoteca na Alemanha. Kadaffi escapou ileso do bombardeio, mas não sua filha Hanah.
Decerto a experiência de há vinte e cinco anos atrás terá sido traumática, mas não se compara com a escala dos atuais bombardeios da Otan, que tem em missões agora tanto diurnas quanto noturnas alvejado o conjunto de bunkers de Kadaffi. Dada a potência das bombas de profundidade, a amplitude da destruição provocada é muito grande.
Enjeitando as ofertas de sua partida da terra líbica e do poder que lhe resta, Kadaffi semelha conformar-se a essa estranha mística dos ditadores que, em situações de desespero, tendem a apegar-se a um patético e insano desafio a forças que somente a eles não se afiguram nem o bastante temível para induzir-lhes àquilo que os militares preferem, ao invés de fuga, chamar de retirada.
Apesar das dissensões na Organização do Tratado do Atlântico Norte, verberadas pelo Secretário de Defesa Robert Gates, tais dificuldades não impedirão que a campanha aérea se intensifique.
Se a Liga Rebelde não pode coexistir com a presença de Kadaffi em território líbio, e se o poder deste último, pela aparente falta de perspectivas de uma reviravolta, continua a esfacelar-se, se intui que o coronel tenta uma derradeira jogada que estaria no efeito taumatúrgico de inabalável presença física, que contra toda a expectativa prevaleceria no final de contas.
Tal não difere muito dos delírios terminais do Führer, a imaginar a intervenção salvadora de exércitos alemães que só existiam na sua mente conturbada.
No cenário da ruína do ditador líbico, a sua postura, a um tempo solitária e grandiloquente, será talvez o último esteio que lhe resta. Se nenhum estadista africano lograr convencê-lo da única saída razoável, tudo leva a crer que, numa contagem regressiva assaz adiantada, ele se confundirá com os destroços que se amontoam à sua volta.
Manifestações em Bahrein
Reapareceram as grandes manifestações da oposição, uma vez suspensas pelo governo do Bahrein as leis de emergência baixadas em meados de março, e que permitiram a prisão de muitos jornalistas e líderes políticos.
Diante das acusações pela casa real do pequeno reino – de religião sunita, em país de maioria xiita – quanto ao caráter ‘sectário’ dos protestos, e de seu apoio pelo Irã, Ali Salman, secretário-geral de al Wefaq, o principal partido da oposição, rebateu tais assertivas. Salman, contudo, se disse favorável à abertura do diálogo com o governo, posto que não possa endossá-la plenamente enquanto não souber das condições em que se realizará.
Talvez mais significativo do índice de tolerância da elite dominante será o julgamento de uma poetisa de vinte anos, culpada de ter escrito um poema anti-governamental, com a agravante de te-lo lido ao ensejo de um comício anterior. Ela deve ser julgada hoje por uma corte marcial.
Por sua vez, o Príncipe herdeiro Salman, que se reuniu em Washington com autoridades americanas, agradeceu ao Presidente Barack Obama pelo seu apoio ao diálogo nacional no Bahrein.
Como se sabe, o reino insular do Bahrein fornece base no Golfo Pérsico para a 5ª. Frota Americana. A esse respeito,Washington estaria preocupado com a instabilidade no reino.
A Revolução Síria (contd.)
O primeiro ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, em alocução radiofônica, expressou a respectiva preocupação com o nível de violência na fronteira turca com a Síria, que se estende por cerca oitocentos quilômetros.
Afiançou, no entanto, que lhe seria impossível fechar as passagens fronteiriças. Acrescentou haver falado no meio da semana com o Presidente Bashar al-Assad – tendo, portanto, mais sorte do que o Secretário-Geral das Nações Unidas, que não tem conseguido contactar o ocupadíssimo al-Assad – e que o governo de Ancara segue o desenvolvimento da crise com ‘preocupação’ (concern).
Segundo se assinala a 4ª. Divisão do Exército Sírio, considerada de ‘elite’ por alguns – conquanto pelo seu emprego haja fundadas dúvidas no que respeita à propriedade do termo – e que é comandada pelo irmão presidencial, Maher al-Assad, se dirige para a região em torno da cidade de Jisr al-Shoughour, com vistas a acabar rapidamente com o levante de soldados conscritos.
A cidade de Jisr al-Shoughour foi palco de um levante de soldados alistados que confraternizaram com os manifestantes, diante do tratamento recebido das milícias shabiha. Dado o baixo soldo e as péssimas condições em que atuam as divisões comuns, surpreende que essa atitude de simpatia com a população tenha tardado tanto.
De qualquer forma, se antecipa que a missão do comandante Maher será a de extinguir o foco de resistência dos ‘grupos organizados e armados’ (a cunhada expressão oficial para designar os manifestantes) naquela região.
De acordo com o monitoramento pela coalizão de ativistas, dois povoados a cerca de 40 km de Jisr al-Shoughour (que se acha praticamente deserta), Maarrat an Numan e Jarjanaz estão sob a artilharia da 4ª. Divisão. Também se dispensa tal atenção especial a uma vila a oito km de Jisr, em que os aldeões queimam pneus na rua para estorvar o avanço das ditas ‘tropas de elite’.
Conforme se verifica, o modelo da família al-Assad para lidar com contestações populares ao seu mando imperial continua a ser aquele aplicado pelo fundador da dinastia Hafez al-Assad, para ‘debelar’ a insubordinação na cidade de Hama. Como esse peculiar formato foi empregado em 1982, mereceria estranheza menos a insistência dos descendentes al-Assad no recurso a instrumento que para eles representa maneira ‘eficaz’ de lidar com crises, do que a atitude apática das principais potências mundiais, tolerando esse particular modo de relacionamento com segmentos da população interna, como se os critérios de convivência e de coexistência variassem consoante as regiões geopolíticas.
( Fontes: International Herald Tribune e C.N.N.)
domingo, 12 de junho de 2011
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