A divulgação pelos Ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) do corte de cinquenta bilhões no Orçamento do corrente ano perdeu boa parte de sua credibilidade ao transpirar a concomitante nova capitalização do BNDES em torno de outros tantos R$ 50 bilhões.
Como se sabe, com a crise financeira internacional de 2008, o governo Lula se tomou de amores pelo expediente de trazer recursos para o BNDES pela porta dos fundos.
Por causa desse questionável procedimento, o volume de crédito do BNDES para as contas públicas cresceu exponencialmente, passando a 5% do PIB. Esse truque fiscal, de que Mantega se tornou especialista, evita que a dívida líquida aumente. Ao trabalhar fora do orçamento, os mágicos do Tesouro fazem com que o endividamento só apareça na dívida bruta (que pela metodologia em uso não é utilizada para fins fiscais). Não há de surpreender, portanto, que essa dívida haja subido para 63,9% do PIB. Enquanto isso, a maquiada dívida líquida caíu para 40,1%.
A conduta do Governo Dilma Rousseff, apesar do estardalhaço midiático do anunciado corte, não semelha ser muito diversa daquela seguida por seu antecessor (e criador). Não difere muito do comportamento de uma família que, ao receber incômoda visita de velha senhora, trata de livrar-se pela porta dos fundos da presença de hóspede inconveniente.
Se o rigor fiscal é para inglês ver e se, em contrapartida, aumentam os truques do governo, parece evidente que tem a ver com manobras de prestidigitação (adiamento do pagamento das despesas de custeio, utilização turbinada de ‘restos a pagar’, pagamentos antecipados entre órgãos do governo federal, etc.), e não com providências efetivas. Voltamos ao reino da heterodoxia e não à ortodoxia fiscal. Estamos no mundo do faz-de-conta, o qual, pelo visto, o Ministro Mantega continua a privilegiar.
Se para qualquer coisa serve assistir à encenação da entrevista conjunta de ontem, é para que se tenha a certeza de que, na verdade, Mantega foi reconfirmado na Fazenda, não porque haja mudado a respectiva conduta, mas pela lastimável circunstância de que, a exemplo dos antigos Bourbons, nada tinha apreendido de novo. Sua manutenção por Dilma Rousseff se afigura cada vez mais explicável por suposta habilidade em valer-se de meios heterodoxos, enquanto se apresenta como ortodoxo de boa cepa.
Todos nós sabemos aonde nos levam todos esses inúteis malabarismos. Se toda essa tralha de truques, dos mais toscos aos mais sofisticados, será sempre descoberta, os homens (e mulheres) do governo têm de valer-se da falta de transparência, para que os seus artifícios fiscais disponham de alguma sobrevida, antes que sejam descobertos pelos profissionais do ramo.
Na entrevista de ontem, a Ministra Miriam Belchior – como assinalou a colunista Miriam Leitão – procurou contornar a deficiência de informação técnica, com a patronizante expressão ‘calma, gente’, como se lidasse com gente inexperiente no ramo. Dados os propósitos ofuscatórios da administração, ela não pode abrir todas as suas cartas. Sabe que ao cabo tudo será descoberto, mas trabalha com a hipótese de uma ‘janela’ de credibilidade.
Todas essas espertas manobras na verdade não conduzem a nenhum outro lugar que o continuado desrespeito às regras mínimas da exação fiscal.
Para resumir, senhores e senhoras, a inflação – que ignora estas baratas espertezas fiscais – vai continuar a ser alimentada com o dinheiro do bolso de todos nós.
( Fonte: O Globo )
terça-feira, 1 de março de 2011
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