O anúncio fúnebre em O Globo me reabriu página dos tempos do Instituto Rio Branco. Eram outros tempos, em pleno governo de Juscelino Kubitschek, em que o Brasil dava passos largos no caminho da industrialização. A carreira diplomática, então de acesso difícil, ensejava oportunidades que sobressaíam de muitas das demais, em mercado nacional ainda acanhado em matéria de emprego.
Vencida a formidável barreira do vestibular, aplicado com seriedade e imparcialidade, com o inglês e o francês, tão eliminatórios quanto o português, e que se arrastava por cerca de dois meses, até que os candidatos remanescentes desses duros trabalhos alcançassem o direito de matrícula no curso bianual do Instituto Rio Branco.
Do primeiro ano, guardo a vívida lembrança das aulas do professor de geografia. Ao contrário de outros mestres dessa disciplina, o seu curso nos falava não em áridas exposições de números, distâncias e acidentes geográficos.
Talvez por força de seus laços com os Estados Unidos, Hilgard O’Reilly Sternberg, não cultiva o modelo magisterial latino, em que o professor semelha postado em pedestal. Ao contrário. Sem prejuízo do respeito e da disciplina, mestre Hilgard estava sempre aberto ao diálogo, num espírito de franca cordialidade.
Vinha ele precedido da aura de professor exigente, que valorizava o estudo e não a decoreba. Suas aulas deviam ser acompanhadas com atenção especial, e o conhecimento respectivo da matéria versada sempre mantido atualizado, dada a inusitada perspectiva dos testes administrados sem prévio aviso.
Embora não tivéssemos a intenção de nos tornarmos geógrafos, as palestras do professor Hilgard eram tão interessantes, motivantes e variadas que, por vezes, se tinha a impressão de que o espaço ocupado pela geografia demandava maior atenção e cuidado do que o dispensado a outras disciplinas.
Sem embargo, a diversidade na apresentação e característica exigência na aferição do aprendizado, condicionavam a turma a não só um acompanhamento continuado, mas também a preocupação diferenciada, que se costuma atribuir a mestres especiais.
Recordo-me particularmente de apostilas de seus cursos, a que por vezes os alunos designavam, seguindo o exemplo das bulas pontifícias, com as primeiras palavras à guisa de título. A esse respeito, me vem à lembrança a “Malgrado a toponímia”, em que mestre Hilgard ensinava que o nosso relevo, a despeito dos nomes altissonantes de serras, etc., era bastante antigo geologicamente e com marcada erosão.
Hilgard Sternberg, grande professor, representava necessariamente uma oportunidade e um desafio para seus alunos. A relevância da matéria, a acentuação da metodologia, e o cuidado de desvelar falsos conceitos, este extraordinário mestre, por seu empenho, profissionalismo e particular brilho – tanto no aspecto epistemológico quanto pedagógico – deixou no jovem aluno a indelevel lembrança das perspectivas que a sua disciplina abrigava.
Que mais pode pretender um mestre de sua estatura ?
segunda-feira, 14 de março de 2011
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