O Japão é decerto o país mais bem preparado para enfrentar terremoto. As suas construções, diversas obras civis, o hábito do treinamento para tal emergência, tornam a vicissitude sísmica desafio que os súditos japoneses arrostam com conhecimento de causa. Pela contínua experiência dos tremores, os nipônicos serão dos terráqueos os que mais condições aparentam possuir para lidar com o fenômeno com o sangue-frio forjado pela longa prática.
Sem embargo, o habitante do Japão faz clara distinção entre terremoto e tsunami. No seu entender, há muitas defesas contra o primeiro. Já diante do maremoto, a situação é muito diferente.
Toda a costa japonesa dispõe de bóias que soam o alarme tão logo detectem a letal vaga da tsunami. Esse requinte tecnológico, contudo, é apenas um componente num quadro assaz complexo.
O japonês é um povo que excele em tudo que diga respeito à vida em sociedade. A meticulosidade na organização, a limpeza das ruas e demais logradouros, o seu respeito à socialidade, os colocam na vanguarda da sociedade mundial. No entanto, a ameaça da tsunami representa um árduo teste para a capacidade reativa dessa laboriosa nação, dada a exiguidade dos prazos que a vaga assassina disponibiliza para a população diretamente em perigo.
Quando o foco do terremoto está no fundo do mar, ocorre fenômeno que pode semelhar dúplice, mas na verdade o sismo tem origem única. No caso em tela foi o que aconteceu. Dada a rapidez da irradiação por terra, o terremoto de 8.9 na escala Richter foi prontamente sentido nas regiões norte oriental e central do Japão, impressionando os habitantes pela extensão temporal e pela virulência dos tremores. Embora a origem seja a mesma, o efeito marítimo do sismo chegou com alguma defasagem em relação à irrupção inicial do terremoto.
Por deslocar-se através das águas, malgrado a enorme rapidez da tsunami, o seu macabro avanço se processa através de superfície menos consentânea à quase instantaneidade da manifestação precedente.
Quando o fenômeno se desdobra em duas fases, por assim dizer em ondas sucessivas, a primeira imediata e terrestre, a segunda mediata e vinda do mar, essa mortífera conjunção vai ainda ganhar em poder destrutivo, eis que ao organizado pandemônio do primeiro ataque se sucede um outro que não apenas sacode as estruturas e as construções, senão as leva de roldão, valendo-se da força inaudita daquelas águas que por tanto tempo os povos marítimos contemplam na sua bem-comportada placidez ou em eventuais anódinas ressacas.
A cidade marinha de Sendai foi a que mais sofreu com o impacto da tsunami. Malgrado os pré-avisos, já se estimam mil e setecentos mortos, acoplada essa estatística a um número bastante superior de desaparecidos. Só no vilarejo de Minamisanriku, em Miyagi, cerca de dez mil pessoas estão desaparecidas. Como a internet o mostrou sobejamente, a vaga deixou rastro de destruição material, derribando tudo o que se lhe antepunha como se se encontrasse com castelo de cartas.
A desgraça japonesa, todavia, não se cinge somente, como se fora pouco, aos danos provocados pelo terremoto e à inquietante marcha de devastação do maremoto.
Pesa sobre os japoneses a triste exceção de ser na Terra o único povo a ter sido vítima de dois bombardeios atômicos. Se as hecatombes de Hiroshima e Nagasaki os marcaram nesse aspecto, compreende-se a sua reação com o acidente nuclear provocado pela dupla investida telúrica da sexta-feira, onze de fevereiro.
É cedo para determinar as reais causas do vazamento de radiação da usina de Fukushima Daiichi. Sob o magno desafio desse duplo ataque, será mister verificar se as medidas de prevenção não terão contribuido para enfraquecer as defesas do reator. A gravidade, contudo, da ocorrência não pode ser subestimada, eis que atinge, na classificação da Agência Internacional de Energia Atômica, o nível 4 (num máximo de sete). Desse modo, Fukushima só perde nessa tenebrosa estatística para os desastres de Chernobyl, na antiga União Soviética (1986), com nível 7, e o de Three Mile Island, nos Estados Unidos (1979), com nível 5.
No entanto, as imediatas medidas tomadas pelo governo japonês para proteger a população só tendem a acentuar o contraste com a irresponsabilidade inicial das autoridades soviéticas, que acreditaram possível, a princípio, escamotear das povoações envolvidas, o risco letal da radiação.
De acordo com os dados oficiais, pelo menos nove moradores foram contaminados pela radiação, mas o número pode ascender a 150. Até que a situação possa ser controlada, e o risco da radiação nuclear efetivamente afastado, uma megaoperação de salvamento foi organizada, com a retirada de 140 mil pessoas, residentes na região da usina.
Com a explosão na usina de Fukushima Daiichi, determinada pelo aumento da pressão interna, o raio de isolamento em torno da usina passou para 20 km, com o deslocamento de 110 mil pessoas. Mais trinta mil foram retiradas de área de até 10 km de outra usina, Fukushima Daini, também em situação de emergência.
Dado o nível de dependência que tem o Japão – a terceira economia mundial – da energia nuclear, grosso modo um terço da energia consumida pelo país, afigura-se previsível que o modelo volte a ser contestado, pelos riscos implicados na sua operação.
Em momento difícil, no qual se acumulam consideráveis incógnitas, a atenção da sociedade japonesa tem presente o desafio para a liderança do Primeiro Ministro Naoto Kan. A sua popularidade já sofre em função de inúmeros problemas, com o consequente questionamento da respectiva capacidade de dirigir o país. A presente catástrofe lhe porá à prova a permanência ou não à testa do governo e da nação. Se não lograr responder satisfatoriamente à grande crise, o seu destino como eventual vítima política da dupla catástrofe já estará assinalado.
( Fontes: O Globo, International Herald Tribune e Folha de S. Paulo)
domingo, 13 de março de 2011
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