A infeliz decisão de dividido Supremo sobre a lei complementar nr. 135, de 4 de junho de 2010, merece não só comentários, senão chamado à sociedade civil. Acena-se agora com a possibilidade de que a constitucionalidade da lei ou de algumas de suas disposições venham a ser contestadas perante o tribunal. Paira implícita a ab-rogação do diploma legal, ou a emasculação de suas principais medidas moralizadoras.
A tal propósito, na sessão do STF que se concluíu pelo empate – e levou à confirmação da sentença do Tribunal Superior Eleitoral, que se pronunciara pela validade da aplicação da Ficha Limpa para a eleição de 2010 – cabe recordar que o Presidente da Suprema Corte, ao discorrer de forma genérica sobre a lei, deixara entender que tinha dúvidas sobre a sua constitucionalidade. Como o colegiado não se mostrou receptivo a aprofundar a questão, o debate se cingiu ao que fora trazido ao conhecimento do STF.
Parentética ou não, pareceu óbvio que o Presidente Cezar Peluso admitiria a discussão do tópico no caso de ação futura. Por outro lado, o ministro Gilmar Mendes, em mais de uma oportunidade, não fez segredo de que considera inconstitucional a lei da Ficha Limpa.
O colunista Janio de Freitas alude, outrossim, ao papel outorgado na ocasião ao novel juiz da Corte, transformado em juiz dos juízes. Dada a diferença de um único voto, é, segundo o articulista, questionável a “conformidade com a Constituição”, dada a vulnerabilidade ao acaso de uma indicação feita, entre outras, à presidente da república.
Nesse contexto, me parece oportuno relembrar o que já fora aqui mencionado, quanto à superficial atenção dispensada pelo Executivo no processo de indicação de ministros do Supremo. Nos Estados Unidos, v.g., seria impensável este quase autismo presidencial. Consciente da importância dos ministros vitalícios da Suprema Corte – e lá são oito juizes-associados e um juiz-presidente -, o Presidente, seja democrata, seja republicano, procede a cuidadoso levantamento do histórico do candidato ou candidata, com análise das principais decisões e pronunciamentos, a que se agrega longa entrevista na Casa Branca. Lá a principal preocupação é o viés do magistrado, com o G.O.P. favorecendo o aspecto conservador, e o democrata, a atitude mais liberal, o que inclui a manutenção da jurisprudência em favor do aborto, de acordo com a decisão de janeiro de 1973 da Suprema Corte no célebre caso Roe v. Wade.
Da desimportância que o Executivo brasileiro parece conferir à apreciação mais aprofundada do pensamento e orientação do novo Ministro – de que o Senado Federal tampouco destoa, eis que as apreciações na comissão costumam ser perfunctórias, a ponto de a tramitação poder resumir-se a uma quarta-feira, como sabemos, o dia da capacidade plena de nosso poder legislativo – o caso em tela semelha fornecer um bom exemplo.
Não creio que a nossa presidente haja sequer cogitado da possibilidade de manter entrevistas com os eventuais candidatos, a par de examinar os nomes da lista que lhe fora submetida, e de colher eventuais opiniões de pessoas que ratione materiae[1]lhe merecem confiança. Seria de todo interesse que, no futuro, mais atenção fosse dada a esse aspecto. O Brasil não é mais um país de là-bas, e o seu peso institucional e econômico aconselharia que se dispensasse às grandes escolhas – e a dos ministros do Supremo é uma delas – o cuidado e a ponderação a que fazem jus.
Nessas condições, e dada a relevância da Lei da Ficha Limpa, pareceria lógico que a Chefe de Estado (e de Governo) se interessasse – sempre de forma geral – sobre a orientação dos candidatos, máxime se se tiver em mente as implicações de seu primeiro voto. Se não é, decerto, questão a ser especificada, dadas as implicações éticas, alguma noção a primeira Magistrado da Nação carece de ter, para evitar que o indicado seja uma virtual caixa-preta para quem tem a responsabilidade constitucional de designá-lo.
Outro aspecto que merece reparo é o açodamento de alguns em levantar sombrias perspectivas para a lei complementar nr. 135 e não apenas com respeito a esse fiasco da abertura da cancela do Legislativo (e do Executivo) a figuras como Jader Barbalho. O Ministro Gilmar Mendes vai além nas suas restrições à lei de iniciativa popular: apesar de se declarar a favor da depuração da vida pública, vê com preocupação a renúncia ao mandato como critério para exclusão dessa mesma vida pública. Escaparia porventura ao arguto Ministro Gilmar Mendes o real significado desse dispositivo da lei, que visa a eliminar artifício a que políticos ameaçados de cassação recorriam, justamente para inviabilizar a suspensão dos direitos políticos ?
Como o silêncio da sociedade civil poderia vir a ser interpretado como tibieza no respaldo da lei complementar nr. 135, importa sinalizar a amplitude do sentir do Povo soberano. Em resposta aos paladinos de causa que só logra prosperar em meio a sinuosos desígnios, e ainda mais contorcidas justificativas, cumpre desde logo iniciar campanha de divulgação e atualização da imperiosa necessidade de salvaguardar, na sua inteireza, a lei da Ficha Limpa.
Esta lei, fruto da vontade de dois milhões eleitores signatários, constituiu muito provavelmente o mais importante instituto legal da passada legislatura, marcada pela omissão e pelos escândalos impunes. Chamá-la de fascista e de outros apodos do gênero faz parte da técnica de ataque de grupos sectários e antidemocráticos. Buscam desmoralizar a mensagem de esperança e de moralização política através de campanha sistemática de confusão e deturpação da grande finalidade da lei – que é a de reafirmar a prevalência da ética na atividade política, de acordo com o preceito aristotélico. A sua aplicação será instrumental para a eleição de políticos que possam aspirar a merecer da sociedade civil o apreço, o respeito e o orgulho, outrora apanágio dos representantes públicos.
( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo)
[1] por causa do assunto.
sábado, 26 de março de 2011
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