O Dalai Lama anunciou nesta quinta-feira o propósito de renunciar à liderança política do governo tibetano no exílio. A decisão foi interpretada como voltada para o reforço das estruturas democráticas do movimento do Tibete.
Para que o caráter simbólico da mudança não se confunda com simples aposentadoria de pessoa com 75 anos, ela foi declarada na data do levante tibetano contra a dominação chinesa. O fracasso da insurreição de 1959 contra a suserania de Beijing determinaria a fuga para a Índia do Dalai Lama através das escarpas do Himalaia.
Há cinco décadas o Dalai Lama se projeta como o símbolo do movimento tibetano, com o governo no exílio sediado em Dharamsala. Desde algum tempo, esse líder espiritual vem procurando deixar as responsabilidades políticas. Dada a sua tradição, estreitamente ligada com a própria fé budista tibetana, o Dalai Lama encontrou grande resistência na população do Tibete, tanto a submetida à suserania chinesa, quanto a do exílio, com vistas a aceitar outra pessoa que não ele como líder político.
A persuasão da maioria quanto à conveniência de tal evolução – de que o Dalai Lama deixe de enfeixar todas as decisões mais importantes – está, no entanto, em curso. Esta reforma será formalmente apresentada por ele na próxima sessão do parlamento tibetano no exílio, marcada para a semana vindoura, em Dharamsala, na Índia.
Existe a forte probabilidade da eleição de um sucessor para o lama Samdhong Rinpoche, que assumiu o cargo em 2001. Para novo Primeiro Ministro, agora dotado de plenos poderes na esfera política, aventa-se o nome de Lobsang Sangay, estudioso tibetano ora sediado na Universidade de Harvard. Essa divisão de molde constitucional não significará, contudo, que o Dalai Lama deixará de ser encarado como o líder geral da causa tibetana. Dada a própria espiritualidade de sua ascendência, ele continuará a ser reconhecido como a única figura capaz de unir e mobilizar o povo tibetano dentro e fora da China.
Dentro do princípio maoísta de que as propostas devam ser analisadas precipuamente com base na origem de quem as formula, e não com respeito ao seu conteúdo temático, a reação do governo chinês caracterizou-se pelo habitual negativismo crítico.
A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Jiang Yu, declarou notadamente: ‘O Dalai Lama usa a religião como um disfarce, e ele é exilado político que vem realizando atividades separatistas por muito tempo. Há anos que ele vem exprimindo a intenção de aposentar-se. Pensamos que se trata de truques para iludir a comunidade internacional’.
Há um outro aspecto que talvez seja o motivo principal da resolução do Dalai Lama de despojar-se da direção dos assuntos políticos correntes. Dada a sua idade, o líder tibetano – cuja ascendência junto a seu povo reveste-se, pelo respectivo carisma,de autêntica devoção – é natural que se preocupe com a sua sucessão. De conformidade com a crença budista na reencarnação, e de acordo com o procedimento tradicional, o sucessor do 14º Dalai Lama seria determinado por comissão de veneráveis lamas (sacerdotes), que apontariam a criança em que a alma do Dalai Lama defunto houvesse reencarnado.
Haja vista as implicações da seleção, o governo de Beijing, oficialmente ateu, pretende arrogar-se o encargo. Em se tratando de questão em que para eles avulta a crueza política, julgam-se com capacidade de encenar a determinação da reencarnação do Dalai Lama. Na suma arrogância do arbítrio, pensam subverter a fé tibetana e fazer aceitar a criança ungida pelo partido como o divino descendente do primeiro Dalai Lama. Para os apparatchiks do PCC, é tão só a decorrência da Realpolitik.
É nesse contexto que deve ser lida a magistral jogada de xadrez do Dalai Lama, que prova continuar como a nêmesis de Beijing. Ao despojar o eventual sucessor de seu papel político, o Dalai se empenha na formação de liderança politica alternativa, eleita pela comunidade no exílio e, portanto, com autoridade moral para ser acolhida e seguida pelo povo tibetano sob suserania chinesa.
Talvez mais do que o Presidente Barack Obama, que escolheu o conceito como mote no seu recente discurso sobre o estado da União[1], o Dalai Lama esteja pensando o futuro, e de forma demasiado pró-ativa para o gosto chinês.
( Fonte: International Herald Tribune )
[1] Barack Obama, State of the Union Address, de 25 de janeiro de 2011: thinking the future.
sexta-feira, 11 de março de 2011
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