Na primeira entrevista de Sobel com Meirelles – cuja desenvoltura nesse terreno não é das menores, dada a sua folha de serviços nos EUA a banco americano – o presidente do BC encareceu à autoridade estadunidense sua intermediação (lobby) para que o governo americano, em seus próximos contatos com o presidente Lula, pedisse que ele, através de lei, tornasse realidade a autonomia do Banco Central do Brasil.
Não entrarei na propriedade de tal solicitação – que, a exemplo de tantas outras no WikiLeaks, tende a ser desmentida pelos implicados. No entanto, ela me recorda a expressão italiana: se non è vero, è ben trovato . Da relevância desta autonomia, o presidente Meirelles frisou bem a importância, ao subordinar para a novel Presidenta Dilma Rousseff que sua permanência à testa do Banco condicionava-se ao atendimento de tal requisito.
O empenho de Meirelles em que esta garantia fosse por fim instituída, diz muito sobre a suposta autonomia virtual de que teria gozado nos oito anos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A promessa de Lula de que não interviria na competência do Banco Central teve validade curta, não à prova de maiores oscilações macroeconômicas. Em época de crise, tais garantias não são confiáveis, como o inopinado apelo do banqueiro ao embaixador terá desvelado. De toda maneira, não se sabe se a súplica de Meirelles, consoante transmitida, foi atendida pelo governo de tio Sam. O que é, convenhamos, irrelevante, porque a situação continua no mesmo pé, com a diferença de que à frente do banco se acha o novato Alexandre Tombini, e não mais o calejado Meirelles.
Na sua disposição – tanto FHC, quanto Lula – de se submeterem às prescrições do mercado, os presidentes brasileiros – e a inclusão neste rol de Dilma semelha óbvia -, não exibem flexibilidade que vá até o ponto de conceder à autoridade monetária autonomia similar à desfrutada pela Federal Reserve, o banco central estadunidense.
A esse propósito, devo reconhecer que nem sempre pensei dessa forma. Diante da irresponsabilidade fiscal demonstrada por Lula – e seu zeloso auxiliar Guido Mantega -, me conscientizo de que, como a gravidez, a desejada autonomia não existe pela metade. Ou o Banco Central é autônomo, ou não é. Não dá para esconder-se por detrás do spin presidencial que, a pretexto de não querer despojar-se de mais este penduricalho do poder do Chefe da Nação, afirma que essa autonomia de boca vale o mesmo do que aquela consignada em lei. Infelizmente, a realidade vem demonstrando que não é bem assim.
Os leitores se recordarão das minhas referências aos boletins da OKW – iniciais do alemão relativo a Alto Comando do Exército (nazista). Enquanto os ventos sopraram favoráveis às forças nazistas, os comunicados da OKW eram modelo de veracidade. Ao mudarem os ventos, também mudou a linguagem desses boletins, que passou a tomar certas liberdades com a realidade dos fatos. No meu entender, tal característica, infelizmente, não é privativa dos boletins nazistas. Todo o comunicado oficial costuma tratar a realidade nua e crua com as luvas de pelúcia da alegada conveniência burocrática.
À Presidente Dilma, com o seu approach desenvolvimentista e, q.e.d ., tocadora de obras, bastou o aceno de Meirelles ao condicionamento da colimada autonomia para que implicasse na sua não-confirmação. Não são, decerto, necessários ulteriores elementos para que se evidencie a falta de simpatia de Dilma com a ortodoxia financeira, máxime no que concerne a esse reforço da autoridade monetária na luta contra a inflação.
Estamos vendo agora onde fomos parar com a abertura das cancelas no combate à marolinha e com a explosão do facilitário e do consequente afrouxamento das proteções quanto à expansão da procura diante das limitações da oferta.
Será através da taxa de juros que se intenta o controle da inflação. Pelos condicionamentos eleitoreiros, demorou a ser acionado o mecanismo do Copom quanto ao aumento da taxa Selic. Essa dádiva de Lula vem sendo sentida até hoje, com o intempestivo retorno do dragão, criatura de que o brasileiro se desacostumara por um período razoável de tempo.
Dessarte, o primeiro boletim oficial do BC acerca da inflação no mandato de Dilma Rousseff sinaliza (a) que não é possível atingir a meta fixada para a inflação em 2011 (4,5%) e (b) o IPCA deve fechar em 5,6%, mas não se exclui a margem de tolerância que vai até 6,5%.
O principal responsável seria o choque gigantesco – segundo o diretor de política econômica do BC, Carlos Hamilton de Araújo – provocado pela explosão nas cotações das commodities (produtos de base), desde agosto de 2010.
De acordo com esse cenário, o IPCA – que ultrapassará no terceiro trimestre deste ano o teto de 6% - motivará os esforços do Banco para evitar a contaminação de outros setores da economia.
A generalizada indexação da economia perdurou mesmo no período em que a inflação foi mantida em níveis baixos. Esse lamentável remanescente da época inflacionária volta agora a tornar as coisas mais difíceis. Diante da expectativa da alça de preços – e de uma ganância, que de latente passa a manifesta e incontida – a pletora dos indexadores servirá para municiar os fornos inflacionários.
O dever de casa – que não foi atendido no segundo mandato de Lula, sobretudo na gestão de Guido Mantega – nos traz para a sala de visitas uma criatura que foi a principal responsável pelas décadas perdidas em nosso desenvolvimento.
É uma maneira melancólica de confirmar a antiga oposição de Lula e do PT ao Plano Real. Sem ser convidada, ei-la de volta. O que dona Dilma fará, não sei. Mas é bom que saiba duas coisas e meia: (a) o dragão da inflação não tem medo de cara feia; (b) truques não adiantam (já experimentamos todos), e o dever de casa tem de ser feito; (c) auxiliares muito inventivos e acomodatícios não servem.
- Se não é verdade, está bem posto.
- Papo furado.
- OberKommando der Wehrmacht.
- Quod est demonstrandum – o que deve ser demonstrado.
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