terça-feira, 8 de março de 2011

Chavascal

[1]

Nesta terça-feira gorda desejo ocupar-me do Congresso e da Câmara em particular. Em sua coluna hodierna, Eliane Cantanhede se reporta à descrença da opinião pública com o Congresso detectada pelo Datafolha. De acordo com a pesquisa, 39% das pessoas têm má imagem do Parlamento.
Assinala, em seguida, que a desconfiança na política e no Congresso é mundial. Defronte dessa onda global, Eliane Cantanhede cita Rejane Xavier, jornalista e doutora em filosofia, e funcionária concursada da Câmara.
No entender dessa servidora do Congresso, consoante manifestado à direção da Casa “não parece haver nada em vista que possa modificar essa situação a curto ou médio prazo”.
Esse fatalismo pode ser cômodo para os nossos congressistas, mas, em realidade, não leva a nada. Ou antes, tende a constituir adjutório para a crescente deterioração do quadro. É uma espécie de cargo cult, crença de povos da Polinésia, que firmemente acreditam em benesses vindas do céu, sem qualquer esforço ou participação terrena.Seria a versão extrema da onipotência divina, de que os humanos nada mais são de que passivos recipiendários.
Não importa dizer como o deputado Sérgio Moraes (PT-RS)de que se está lixando da opinião pública, e ser reeleito (com 97 mil votos) na eleição de 3 de outubro de 2010, valendo-se do aporte de seu núcleo político de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Nem aqui aparecem com a simplicidade que a tantos desencoraja.
Esta assertiva com que o deputado Moraes afrontou o sentir da sociedade – chamado por linha auxiliar desse ponto de vista a opinião publicada – se ligava à sua recusa de como relator recomendar ex-officio a cassação de Edmar Moreira (PR-MG), o chamado deputado do castelo (verdadeiro mostrengo imobiliário situado no distrito de Carlos Alves, em São João Nepomuceno, com valor venal de R$ 20 milhões). Ao sair do baixo clero, sendo indicado para Corregedor da Câmara, a notoriedade não lhe foi benfazeja. Denunciado por pagar despesas de sua empresa de segurança com verba da Câmara, a Comissão de Ética da Câmara não recomendou a sua cassação. No entanto, essa cassação viria pelo sufrágio desta mesma opinião pública, que não o reelegeu para a corrente legislatura.
Por isso, se o Povo soberano nem sempre é perfeito – como no caso da reeleição de Sérgio Moraes – não obstante, ele acerta muitas vezes, como no do deputado do castelo, e da deputada Angela Guadagnin (PT-SP) que dançou de alegria, na madrugada de 24 de março de 2006, comemorando a não-cassação do colega João Magno (PT). Também no caso da Guadagnin – malgrado profusos pedidos de desculpa e o afastamento da Comissão de Ética – a dança da pizza com que afrontou a opinião pública lhe custaria caro, ao não lograr reeleger-se em outubro de 2006.
O corporativismo exacerbado que se observa no Congresso Nacional – em verdade esse fenômeno deplorável não se cinge apenas ao Poder Legislativo – por mais estulto que se afigure a um exame racional constitui sem dúvida fator determinante na explicação de muitos atos dos senhores congressistas, isolados ou coletivos. Esse mesmo acesso de corporativismo é decorrência da rarefeita atmosfera do Planalto Central. O seu crescimento deflui de processo de muitos anos, em que o controle da opinião pública, estorvado pelo relativo isolamento de Brasília, não pode manifestar-se de modo mais cogente e inequívoco.
Deputados e senadores não tendem a sentir-se vinculados pelas impressões, razões e paixões de seu eleitorado. Ao contrário da antiga capital, não têm a cercá-los a presença incômoda e crítica de uma sociedade que não lhes negara apoio em horas difíceis de confronto com o poder executivo ou militar, mas que tampouco calaria diante de atos manifestamente ao arrepio da opinião e da conduta em geral.
Exemplos de atitudes acintosas, promovidas pelo rarefeito círculo brasiliense, podem ser encontrados, na aprovação a toque de caixa, e no correr de uma jornada,de aumento imoral para os representantes dos três Poderes. Deputados e Senadores se autopremiam de forma vergonhosamente munificente. Nunca dantes em tempo algum o baixo nível do respeito devido à gente laboriosa que em tais píncaros os colocaram foi expresso de modo tão altamente desrespeitoso e achincalhante.
A novel legislatura, inaugurada a 1º de fevereiro, tem igualmente mandado sinais tão desanimadores quão confrangedores. Amostras dessa desafinação moral as deparamos às mancheias na escolha para presidente da Comissão de Constituição e Justiça do deputado João Paulo Cunha e nas designações para a comissão da reforma política (com o experiente Paulo Salim Maluf (PP-SP) à frente), e cujo rol inclui José Guimarães (PT-CE) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). A falta desse sentido de propriedade avulta no caso de João Paulo Cunha. O presidente da CCJ, a mais importante comissão da Câmara, é um interlocutor funcional do Supremo Tribunal Federal. Ora, colocar um réu do mensalão, que se acha sub judice em nossa Corte Suprema provoca inútil constrangimento para ambas as partes, além de chocar-se contra os parâmetros do bom senso.
Como se tal não bastasse, a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), filha de Joaquim Roriz, também indicada para a comissão de reforma política, resulta implicada por video recebendo maços de dinheiro do delator premiado Durval Barbosa. Conforme esse estranho comportamento, que prevalece em aras do Congresso, o deputado eleito para Corregedor – função encarregada de zelar pelo decoro na Casa – foi assessor e é herdeiro político de Severino Cavalcanti. Trata-se de Eduardo da Fonte (PR-PE). Igualmente conhecido como Dudu da Fonte, este senhor não tem respondido aos reclamos do líder do PSOL, o deputado Chico Alencar (RJ).
O novo corregedor, por estar fora do país, terá preferido responder por nota às tentativas de contato do líder do PSOL. A comunicação registra: ‘A Corregedoria será rigorosa e tomará todas as providências necessárias assim que for formalmente provocada e estiver de posse de todas as informações a respeito do caso.’ Como se verifica, trata-se apenas de nota interlocutória, em que nada de objetivo se consigna.
A propósito da reiterada ausência de Dudu da Fonte, o novel corregedor, o deputado Chico Alencar observa: ‘Não será por falta de denúncia (que a Corregedoria deixará de se pronunciar). Essa providência será tomada pelo PSOL na quarta ou quinta-feira. Mas entendo que o próprio presidente Marco Maia pode pedir as providências. Os elementos são muito robustos para que ela seja avaliada do ponto de vista ético e de decoro parlamentar. A função de corregedor exige que ele se pronuncie sobre isso. Até em Trípoli é possível contactar as pessoas.’
Com a palavra o sr. Corregedor da Câmara, Eduardo da Fonte.
Com a palavra todos os congressistas que contribuem para esse manancial aparentemente inexgotável em que arrogância e falta entranhada de decoro caminham de mãos dadas.
Até quando seremos brindados com este gênero de comportamento ?

( Fontes: Folha de S. Paulo e O Globo )
[1] O Dicionário Houaiss consigna no verbete chavascal os significados seguintes: terra improdutiva, estéril; mata de espinheiros; lugar sujo de lixo, de imundícies; chiqueiro, pocilga; falta de ordem, desarrumação; desentendimento, briga.

Nenhum comentário: