Quem acredita resolver os problemas pendentes fingindo ignorar-lhes a presença, estará decerto condenado a conviver com eles e o que é pior, por uma postura de fraqueza, permitir-lhes não só a subsistência, mas o próprio agressivo recrudescimento.
Infelizmente, a premissa acima reflete a presente situação com relação às Forças Armadas em geral, e a seu papel durante a longa noite da ditadura militar, em particular.
Como este blog não tem deixado de assinalar, é lamentável a postura do estamento político brasileiro diante do poder militar. Para que se tenha a primeira noção a respeito, bastará cotejar a sua atitude com relação ao período dos generais-presidentes, das tropelias, torturas e desaparecimentos respectivos, à maneira com que os nossos vizinhos do Sul, com a Argentina à frente, enfrentaram tal desafio, e souberam afirmar, sem mesuras nem meias-medidas, a primazia da autoridade civil.
O documento enviado ao Ministro da Defesa, Nelson Jobim, pelo Comando do Exército (com a adesão de Marinha e Aeronáutica), é o reflexo deste estado de coisas. No entender dos comandantes militares ‘a criação de Comissão da Verdade nos dias atuais não faz mais sentido, considerando que o Brasil superou muito bem essa etapa de sua história, quando comparado a outros países do continente, que até hoje vivem consequências negativas de períodos históricos similares’.
Como se verifica, o papel encaminhado ao Ministro Jobim - como se fora conveniente mensageiro – assinala de saída a nossa diferença com ‘outros países do continente’. Bem haja esses ‘outros países’, porque a sua elite civil soube assumir, com hombridade, tal desafio, levando ao banco dos réus todos os implicados nos crimes contra a Humanidade. E ao cumprir o seu dever, sem amedrontar-se diante de ameaças e arreganhos, a ordem republicana foi restabelecida, punidos os responsáveis pelos crimes dos tempos de chumbo, e afastadas, na medida do possível, as respectivas sequelas.
A colunista Miriam Leitão se reporta hoje ao assunto, e em muitos pontos estou de acordo com suas posições. Convém, no entanto, precisar que não se deve unicamente à ‘fatalidade’ histórica, que o primeiro governo da transição tenha caído no regaço de um ‘fiel servidor do regime’. Faltou vontade (e coragem) política ao estamento civil dirigente. São raros no cenário político brasileiro os Epitácio Pessoa. Aliás, esta deplorável postura da elite é igualmente partilhada pelo Poder judiciário. Não limitemos essa renúncia – que não vemos nos irmãos argentinos, e nem nos uruguaios e mesmo chilenos – aos eleitos do Executivo e do Legislativo.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal preferiram considerar que a lei da anistia terá apagado os crimes da ditadura militar. Houve ministros na Corte que souberam dissociar-se dessa postura epimetéica. Não é somente o grande juiz Baltasar Garzón que se insurge contra tal interpretação. Quer queiram, quer não, é consolidado avanço da jurisprudência internacional que os crimes contra a Humanidade – como o é a tortura – são inafiançáveis. Nesses termos, é de esperar-se que não tenha vida longa nos arestos da Corte Suprema essa tentativa de inviabilizar que os torturadores tenham de prestar contas pelos respectivos crimes.
Surpreende e consterna que no passado os detentores do Poder Executivo – e me reporto sobretudo a Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva – hajam optado por uma postura quase submissa perante o poder militar, a despeito de terem padecido seus abusos e injunções. Não é que se preconize a vingança ou o ressentimento, mas a justiça e a autoridade do poder civil, que não se apóia na força e na coerção, mas na representação da Nação e do direito constituído.
Por prematuro, não me referirei à presente detentora da Primeira Magistradura da República. Tudo, no entanto, a predispõe a bem avaliar a questão e a dar, se assim o considerar, chegada a hora de virar também esta página em nossa História.
( Fonte: O Globo )
quinta-feira, 10 de março de 2011
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