O Carnaval é um fenômeno típico brasileiro. Comparado com o de outros países e cidades, como o de Veneza, por exemplo – onde, dizem, terá surgido na sua versão moderna – ele parece coisa de outro planeta. Enquanto o da lânguida cidade que, num dédalo de vias pedonais e de arqueadas pontes convive com laguna do Adriático, é espécimen bem-comportado, a passear com alvas e tristonhas máscaras, o das ruas do Rio de Janeiro, se não tem mais a violência do antigo entrudo, nem a elegância dos velhos corsos e batalhas de confeti, se espalha pela cidade em centenas de blocos, oficializados ou não, numa explosão incontida e muita vez descontrolada.
Expressões multitudinárias do presente, não se vá esperar boas maneiras, graciosidade e eventual, etérea ingenuidade dos antigos foliões. Talvez as visões românticas do passado escondam mais do que mostrem os costumes de antanho. Havia, no entanto, inegável compostura, em que o chamado tríduo momesco era expressão mais de alegria de grupos, do que conduto de libido onipresente e extravasante, a par de comportamento tribal, com marcados traços antissociais.
Os trios elétricos, popularizados pelo carnaval baiano, nem sempre se limitam a energizar as correntes de carnavalescos que a eles se associam. Pela potência dos alto-falantes vão muito além de seu público. Contribuem, também, para danos em canteiros e jardins, eis que aglutinam mundaréu de gente, que, como sói acontecer, leva no seu inexorável tropel muita coisa de roldão.
Através das lentes oficiais, se algum historiador se animasse a descrever os efeitos laborais do carnaval, ele diria ser um festejo localizado no tempo – limitado ao feriado da terça-feira gorda – com um ponto facultativo na segunda. À falta de outros documentos, o cronista teria dificuldade de entender o que significa ‘ponto facultativo’.
Na verdade o enfoque ‘para inglês ver’ é apenas remanescente da hipocrisia oficial, que relutava em expor o que todos sabiam. Do sábado em diante até o meio-dia da quarta-feira, rei momo como manifestação carnavalesca predomina incontrastável.
De uns tempos para cá, nos bairros mais visados pelo carnaval de rua, estabelecimentos comerciais, bancários, restaurantes e bares, cansados da poluição e depredação de bandos de foliões, resolveram assumir providências tópicas que podem manter à distância eventuais tropelias.
Assim, reentrâncias e vidraças demasiado expostas são cerradas com tapumes. Já para os bares e restaurantes que permanecem abertos, colocam-se barreiras de metal, que semelham, pela profusão, serem fabricadas sob encomenda para numerosos e providentes gestores comerciais.
A visão de toda essa parafernália nos dá a impressão de uma sociedade que se prepara para um assédio. São barreiras de madeira compensada ou de metal que, pela sua presença, nos remetem às antigas muralhas com que os povos pensavam proteger-se da incursão das hordas.
Outra preocupação social ligada ao carnaval está num comportamento em que as necessidades fisiológicas são descarregadas em logradouros públicos. A prefeitura busca conter os chamados mijões com banheiros químicos. A falta de controle no passado explicava mas não justificava tal incidência generalizada. Atualmente, campanhas nos meios de comunicação e ameaças de punição, tentam lidar com essa colateral explosão de animalidade.
O carnaval terá surgido no passado como forma de desafogo instintivo, em comunidades reprimidas por normas sociais e religiosas. Não é, por acaso, que, um tanto anacronisticamente, aí esteja a quarta-feira de cinzas, como vestíbulo da purificadora quaresma.
Como todas as expressões dos instinto, o carnaval, pela sua própria natureza, não tende a conviver facilmente com as forças repressoras. Uma vez o gênio fora da garrafa, fica difícil convencê-lo a adequar-se a regras que para ele são antinômicas.
sábado, 5 de março de 2011
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