Os ventos da guerra semelham agora favorecer as forças do coronel Muammar Kadaffi, seus aliados e tropas mercenárias. Não está decerto esquecido o desatino do velho ditador nas primeiras semanas, em que Kadaffi era a imagem escarrada do tirano acuado. Diante dele aparecera o ominoso Menetekel [1]que a exemplo de Baltasar no festim bíblico, lhe anunciava a próxima queda. Deblaterava em arengas desconexas contra os rebeldes que apodava de cães raivosos, à medida que os seus feudos íam caindo na costa oriental e mesmo ocidental, e aviadores líbicos se recusavam a metralhar os revoltosos, preferindo o asilo na vizinha ilha de Malta à ignomínia de esbirros do tirano.
A virulência do levante na Líbia colhera a muitos de surpresa, embalados há décadas nas bazófias e nos projetos megalômanos do Raïs da Jamairia. O apoio verbal choveu de toda parte, e máxime do Ocidente. O Presidente Barack Obama e sua Secretária de Estado tomaram decididos a frente da condenação diplomática do coronel que à maioria dava a impressão de estar a caminho do inglório fim de tantos outros êmulos seus.
Por via do Conselho de Segurança, até o próprio Tribunal Penal Internacional foi acionado, com vistas ao indiciamento do coronel Kadaffi entre os criminosos contra a Humanidade.
Providências decerto louváveis, inclusive no capítulo das sanções, mas que não tocaram em pontos vitais e determinantes. Na estrutura tribal da Líbia, com que o major que apeara o rei Idris gostosamente convivera através de decênios, nos parcos meios bélicos de que os rebeldes puderam lançar mão, nos bandos voluntariosos mas despreparados pelos quais buscavam conquistar e manter os redutos do ditador, tudo isso, se mostrava a inépcia e a corrupção do regime, também desvelava a indigência dos equipamentos e dos efetivos existentes para contra-arrestar a reação das tropas e da aviação de Kadaffi.
Não apoiadas no poder militar,mesmo naquele que se restringe a não permitir o emprego da força pelos contendores (como é o caso da zona de exclusão aérea), toda ordem ou ameaça, por mais alto que seja quem a expresse, será sempre vazio exercício de retórica. Palavras ao vento, despojadas de qualquer valor objetivo.
Embora a sorte da guerra ora parece favorecer a Kadaffi, sua vantagem ele não a deve à falta de empenho e de coragem de seus adversários. Se os rebeldes têm a maioria do mudo sufrágio da simpatia do povo líbico que pode ser atrasado, mas não é estúpido, e tem dado sobejas provas do seu cansaço com as custosas fantasias e a cruel soberba de um tiranete ensandecido, de que servirá esta boa vontade à liga de valentes opositores, se o ditador comanda, a seu bel prazer, do estado a burra e o arsenal ?
A par da atitude de Nicolas Sarkozy, ao reconhecer o caráter soberano da Liga Rebelde – e que se filia à tradição francesa de pôr-se do lado da democracia e da liberdade – não se entrevê no campo ocidental e, em especial na OTAN, disposição de intervir de alguma forma militar – desde a cessão de equipamentos e instrutores à frente opositora – em apoio aos adversários do coronel. Até mesmo a no-fly zone – que não impediria ataques por terra aos fortins dos rebeldes – principia a ser desaconselhada. Tampouco se afigura provável a autorização pelo Conselho de Segurança de medidas de força, dada a dissensão da Federação Russa e da China.
Há um outro elemento neste tabuleiro que integra a rationale da sustentação do ditador líbico. Se Kadaffi lograr derrotar a frente rebelde, a sua vitória não será vista com desprazer por tantos homólogos seus no mundo árabe, e mesmo além. Detida a força inercial da revolução democrática islâmica, os demais autocratas que se sentem em perigo hão de ganhar novo alento.
Não foi certamente por acaso que manifestação popular na Arábia Saudita, com reclamos de tímida abertura, foi dispersa à bala. A monarquia absolutista do Rei Abdulla terá julgado findo o tempo da contemporização. Se os bilhões de dólares não tinham sido suficientes para apaziguar os súditos, o recurso ao fuzil, à sombra do aparente tropeço da revolução alhures, se torna a saída natural, chancelada por tantas décadas do imposto temeroso silêncio das desapoderadas plebes.
( Fonte: International Herald Tribune )
[1] Abreviatura de palavras hebraicas, aparecidas em festim ao profeta Daniel, que sinalizavam o fim próximo do rei babilônico Baltasar.
sábado, 12 de março de 2011
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