quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A Morte Anunciada da Renovação no Congresso

O que significa a eleição de José Sarney para a Presidência do Senado Federal e a de Michel Temer para a da Câmara de Deputados ?
Parafraseando o verso famoso de Dante Alighieri, o Povo brasileiro deve abandonar toda esperança de renovação ao adentrar nos dois anos do mandato desses dois políticos do P.M.D.B.
O nosso Congresso parece viver em realidade própria, em que o mandato popular é visto mais como formalidade necessária, a ser atendida a cada quatro anos (oito no caso dos Senadores), do que compromisso com o Povo, em que o interesse nacional sobrepaire aos demais.
O corporativismo, esta doença pandêmica que qual uma hidra levanta as suas cabeças nos três poderes da República – para limitar-se apenas às atividades do poder público – aí se mostra com toda a sua arrogância, no menosprezo dos ditames da Ética e na negação da austeridade, que não seja de fachada.
Este desvirtuamento da missão do parlamentar se manifesta em tantos exemplos que se me afigura confrangedor intentar aqui repeti-los in extenso. Ao invés de atender à letra e ao espírito das normas constitucionais, as preocupações da grande maioria dos senhores congressistas parecem ser bem outras.
Que mensagem esses senhores mandam para a Nação trabalhando dois dias se tanto por semana, viajando de graça a cada semana para o seu domicílio eleitoral ? Sem falar dos recessos, tanto os regimentais, quanto os brancos ? E o que dizer dos deputados licenciados que voltaram à Camara para votar para a eleição da Mesa, e que, segundo noticia o jornal O Globo, não se pejam, como Jorge Bittar, de receber um mês de salário por um dia de trabalho ?
O constituinte Luiz Inácio Lula da Silva se referiu no passado aos trezentos picaretas – o chamado baixo clero – que formam cerca de dois terços da Casa. Da década de oitenta para cá esse número se terá estabilizado, ou haverá ainda mais crescido ?
Pela sucessão de escândalos e pela escassa atenção ao clamor da opinião pública, não faz muito mencionou-se abertamente a possibilidade da abolição do Senado Federal como instituição. Que os escândalos de Renan Calheiros, Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho tenham parcialmente motivado esta aspiração pelo visto não fez os antes denominados Pais da Pátria cogitarem da oportunidade de medidas que pelo menos encetassem a recuperação do Senado.
A única reforma positiva no Congresso correspondeu à determinação do Poder Judiciário, ao por cobro à dança indecente dos políticos nômades, que não viam mal em enjeitar legenda e mandato popular com a repetida troca da filiação partidária, em facilidade comparável a quem muda de gravata.
Que dizer da Reforma Política, de que tanto se fala e que jamais sai das gavetas das comissões ? Pode alguém menos crédulo do que a Velhinha de Taubaté acreditar na possibilidade da extinção do patrimonialismo no Senado (em que o Senador eleito se arroga o direito de indicar como suplentes parentes, apaniguados, etc.) ? Como pode um indivíduo que não recebeu sequer um voto completar o mandato de oito anos de um Senador, como ocorreu tantas vezes ?
Será que realmente o Brasil não é um país sério, juízo que embora atribuído ao General Charles de Gaulle, foi também reivindicado por um antigo Embaixador do Brasil em Paris ?
Se o sistema de representação no Brasil pode criar esses grupamentos que estão muita vez por suas atitudes, palavras e votos ao arrepio da Nação, o eleitor brasileiro deve considerar o sufrágio não como uma vazia exigência legal, mas como oportunidade de colocar no Poder Legislativo não aqueles que por uma infinidade de razões desejam servir-se do poder enquanto poder, e não como instrumento para promover o bem público. É bem verdade que o sistema eleitoral que aí está, pela excessiva fragmentação partidária, pelas legendas de aluguel e pelos burgos podres distribuídos por esses vastos Brasis podem ser suscetíveis de engendrar tais criaturas monstruosas, verdadeiras contradições ao ideal republicano.
Rui Barbosa, nos albores da República, houve por bem transpor para a primeira Carta republicana normas da Constituição norte-americana. Se o propósito bem intencionado foi desvirtuado pelas práticas da República Velha, parece-me, sem embargo, que algo deveríamos imitar de nossos poderosos irmãos do Norte. O voto deve ter tanto no Chui, quanto no Oiapoque o mesmo valor e peso. Os Estados são iguais na sua representação no Senado, mas não o podem ser na Casa do Povo que é a Câmara. A revolução inglesa no século XIX prescindiu das armas, porque soube ouvir a vontade popular. Não pode haver limites aos quocientes eleitorais, que não sejam aqueles relativos ao número efetivo de eleitores. O privilégio nesse particular é inadmissível porque mascara a representação democrática com o coronelismo, a corrupção e outras mazelas. Posto que decerto introduzidas com boas intenções, refletiam na realidade o que disse Jean-Jacques Rousseau das obras do Abbé de Saint-Pierre: ‘grandes idéias, mas de pequena visão’.
Mas voltemos à reassunção pelo P.M.D.B. do comando do Congresso Nacional. O que tem o P.M.D.B. de hoje a ver com o M.D.B. de Ulysses Guimarães e tantos outros que eram oposição ao regime militar, em contraposição a Petronio Portella, José Sarney e outros muitos, que estavam nas hostes da Arena ? Basta contemplar a hodierna representação peemedebista para responder: pouco ou quase nada. O P.M.D.B. atual é uma grande frente partidária, congregando diversos líderes regionais, com minguado fundamento ideológico, e abundantes porções clientelísticas e fisiológicas. Tem alguma semelhança com as federações dos partidos republicanos da República Velha, que no Rio de Janeiro serviam ao poder federal, mas nas províncias tinham diferentes receitas, muitas fundadas no caciquismo.
Sem dúvida, o P.M.D.B. entende de poder, mas é um poder com limitações definidas, em que o aspecto fisiológico costuma sobrepor-se a interesses mais altos. Não é de esperar-se que medidas de renovação – como as aventadas pelo Senador petista Tião Viana, deixado ao relento pelo Executivo – possam vingar durante o seu turno. Mesmo se abstrairmos da biografia dos dois novos presidentes, a história nos ensina que são poucos os eleitos que desrespeitam a vontade majoritária dos grupos que os elegeram.
E assim será até que a esperança logre vencer o ceticismo de muitos, e por fim ressurja um movimento que nos orgulhe a nós brasileiros. Os invernos – e as secas - podem ser longos mas não são eternos.

Um comentário:

Mauro M. de Azeredo disse...

Nunca é tarde para corrigir um erro. No blog escrevi que o deputado Jorge Bittar recebeu por um dia de trabalho o salário de um mês. Baseara-me em notícia do Globo, que, posteriormente, corriu o erro. O dep.Jorge Bittar não se valeu de tal questionável recurso.
Tanto melhor. E aqui vai, para que conste a lisura do parlamentar.