sábado, 14 de fevereiro de 2009

Chávez e o Continuismo

DOS JORNAIS XXIX

O GLOBO (14.02)
FOLHA DE S. PAULO


Nunca uma predição como a de García Marquez, feita nas primícias do governo de Hugo Chávez, após uma conversa realizada em viagem aérea, de que o venezuelano poderia tornar-se mais um caudilho latino-americano, se vê comprovada de forma tão pesada e incisiva. O eleitorado vai para o referendo de amanhã cansado. Essa fadiga é explicável: os dez anos de governo do Coronel Hugo Chávez Frias assistiram a catorze processos eleitorais. Se nem todas estas consultas e eleições foram de iniciativa de Chávez, obviamente é esmagadora a parte de responsabilidade do atual Presidente. Compreende-se, assim, o cansaço e a relativa desmotivação do corpo eleitoral. Há pouco mais de um ano, Chávez convocara referendo (no qual foi derrotado) em que pleiteou a mesma possibilidade de reeleição indefinida, que volta agora a solicitar.
Há muitos fatores que influenciarão o resultado de amanhã. Por ora, as pesquisas apontam para uma ligeira maioria do SIM.

Hugo Chávez e o seu Exército Popular (que não é Brancaleone). Após as grandes maiorias dos primeiros comícios, o governo de Chávez acentuou a divisão do país. Entre outros, apóiam a Chávez as ditas camadas populares, trabalhadores e boa parcela do exército. O Presidente venezuelano, valendo-se do considerável ágio auferido com a elevação da cotação do petróleo (que despencou com a atual crise financeira mundial), tem promovido o assistencialismo através das ‘missões’ junto às classes menos favorecidas. A despeito do aumento da corrupção, do agravamento da inflação, do favorecimento do situacionismo e da crescente deterioração da democracia, persiste a recolher o chavismo o apoio de uma relativa maioria da população.
Dadas as perspectivas desfavoráveis para a continuação da fonte desses recursos para a política assistencialista de Chávez – estando a cotação do petróleo na faixa dos quarenta dólares e não mais nos munificentes três dígitos – não é segredo que essa contingência terá sido uma das principais condicionantes da pressa do Presidente em realizar novo referendo continuista. Minguando a cornucópia do ouro negro, os dispêndios com os programas ‘populares’ do Chávez terão de ser cortados. Para a sustentação do chamado projeto social-bolivariano do novo caudilho venezuelano é fundamental o apoio das classes de menor renda. Quanto às benesses internacionais, que costuraram, com o escopo de um oco personalismo, e à custa das desatendidas carências de uma Venezuela dependente da virtual monocultura petrolífera, uma disparatada aliança que vai da Cuba de Raul Castro, passando pela Nicarágua de Ortega até a Argentina dos Kirchner, não resta a menor dúvida a respeito de sua desimportância em termos estratégicos de sustentação de poder.
Dessa maneira, é o espantalho de uma caixa vazia para prover os projetos social-políticos de Chávez no âmbito interno que aciona essa renovada consulta, feita em uma situação, se me é permitida a analogia, enquanto Braz é tesoureiro. Passado o tempo das vacas gordas, outra tenderá a ser a postura das classes desfavorecidas.

Relativo Desinteresse da Esquerda Internacional. Assinale-se, a propósito, que se registra uma atitude diversa da esquerda européia e americana. O cariz personalista e continuista da emenda proposta por Chávez tem desencorajado a manifestação favorável desses grupos. Resulta difícil justificar a constante modificação da legislação para viabilizar a permanência no poder de um só homem. No receituário do caudilhismo, se está diante de tentativa de aprofundamento do poder pessoal de Hugo Chávez.

As Oposições. A coalizão anti-Chávez se ressente de duas deficiências. A oposição continua acéfala, pois até o momento não surgiu líderança que congregasse as diversas correntes da população contrárias a Hugo Chávez. Esta falta pode não ser ocasional, eis que é uma característica dos regimes autoritários – pela própria essência que embasa a sua preponderância - a criação de condições que desestimulem a formação de um polo alternativo de poder. Por outro lado, a impopularidade do anterior regime democrático – que motivou o putsch do tenente-coronel Hugo Chávez contra o viajor Presidente Carlos Andrés Pérez – tende a afastar qualquer nome desse período. Até o momento, portanto, devemos falar de oposições contra Chávez, o que decerto contribui para enfraquecer o movimento.
Importa, no entanto, assinalar que dentre as componentes dessa fragilizada oposição, avulta o movimento estudantil. Dada a importância histórica desse movimento – e me reporto não apenas à Venezuela mas a toda a América Latina – é compreensível o temor com que o caudilho Chávez encara a atuação dos estudantes. Não foi por acaso que o Presidente impediu a realização de duas grandes marchas estudantis na última semana, além de violências policiais promovidas anteriormente contra lideranças universitárias opositoras. O chavismo não se caracteriza pela timidez nos seus recursos a meios truculentos contra pessoas vistas como potenciais ameaças. A recente expulsão de dirigentes da Human Rights Watchculpados pela divulgação de relatório crítico da Administração Chávez em termos de direitos humanos – agora se acrescenta outra expulsão, a do deputado espanhol Luis Herrero, que pretendera uma credencial de observador internacional no referendo.
A segunda deficiência da coalizão anti-Chávez tem a ver também com o cansaço e a decorrente relativa falta de motivação diante do referendo. O excesso de consultas, pela artificial banalização do processo, tende a refletir-se no ânimo dos opositores, dada a repetição ad nauseam dos desafios, sem resultados práticos (tenha-se presente a recentíssima eleição para governadores, que, apesar da vitória das oposições nos principais estados, foi em parte esvaziada posteriormente por medidas do poder federal).
Não obstante, forçoso se afigura reconhecer que a democracia (refiro-me à autêntica, que prescinde de adjetivações) pode ser uma tenra plantinha (como a definia um politico da República Velha), mas tende a mostrar irritante teimosia e persistência na consecução (de preferência, pacífica) de seus objetivos.
É de esperar-se, pelo bem da Venezuela e da América Latina, que ela reincida nessas características no Referendo de amanhã, quinze de fevereiro de 2009.

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