sábado, 28 de fevereiro de 2009

Dos Jornais XXIX

O GLOBO - 27.II. 2009

A partir desta data, militares argentinos que cometerem delitos serão julgados pela Justiça Federal e submetidos ao Código Penal, como qualquer cidadão. Além do Código de Justiça Militar, a nova lei abroga a pena de morte e não mais pune o homossexualismo entre militares.
A lei foi aprovada por 154 votos a favor ( e dois contra) na Câmara de Deputados; no Senado, foi aprovado por unanimidade.
A reforma da Justiça Militar era uma das principais metas da Ministra da Defesa, Nilda Garré, ex-militante peronista de esquerda, perseguida pela última ditadura militar argentina (1976-1983). Para Garré e sua equipe, o processo de democratização das Forças Armadas não podia excluir a modificação do sistema de Justiça Militar: “Não podemos conceber uma democracia sem que as Forças Armadas estejam submetidas à autoridade civil, eleita pelo voto popular, como estabelece a Carta Democrática Interamerica”, declarou a Ministra.

Comentário do Cidadão. Esta iniciativa dos nossos hermanos da República Argentina mais uma vez mostra quão à frente no processo democrático eles se encontram em relação ao Brasil, máxime no que diz respeito à aplicação às esferas castrenses da isonomia. Basta uma visão pressurosa da realidade brasileira para que se verifique o quanto devemos avançar em termos da paridade de direitos. Senão vejamos: nos Estados Unidos, nenhum Governador, Prefeito, Senador ou Deputado goza de privilégio em relação ao cidadão comum; no Brasil – e não é de hoje – cresce igualmente o corporativismo, em detrimento do Povo, em nome de quem as Constituições democráticas são promulgadas.
Para atendermos ao assunto em epígrafe – abolição da justiça militar na Argentina e a adoção pelo Brasil do exemplo portenho – caberiam as considerações seguintes: continuam a espantar as luvas de pelica que calça em nossa terra o Poder Civil em relação a exercer - na prática e não no discurso – a supremacia das autoridades eleitas ( a começar pelo Presidente ) em relação aos militares. O próprio Ministério da Defesa, a duras penas implantado pelo Presidente anterior, é pouco mais do que uma hiper-estrutura sobre o Alto Comando Militar. Não há até o presente uma estruturação da autoridade civil – como existe, por exemplo, nos Estados Unidos – que torne realidade fática este suposto comando civil do poder armado.
Todas as constituições republicanas têm refletido esta bem-comportada atenção às peculiaridades do poder castrense, como se verifica nas seções que tratam dos Tribunais e Juízes Militares (Seção VII do Capítulo III, arts. 122 a 124 da Constituição de 1988). Decorre, portanto, dessa caracteristica, que uma eventual abrogação da Justiça Militar não poderia ser realizada por legislação ordinária e sim por emenda constitucional.
De resto, os nossos Pais da Pátria estão sempre prontos a aumentar os respectivos benefícios e privilégios, exibindo uma singular alienação com respeito àquele Povo em nome de quem percebem as tantas vantagens e penduricalhos que se atribuem. Neste campo, arrostam muita vez com corporativa audácia a Opinião Pública. No entanto, quando se trate de cercear privilégios de outros estamentos – e a fortiori das corporações armadas – a sua atitude muda radicalmente. A prudência seria uma virtude até conservadora no que norteia a disposição legislativa de introduzir reformas democráticas nas Forças Armadas.
Diante de o que precede, será compreensível o desalento do cidadão diante da aparente baixa probabilidade de que o nosso Congresso assuma iniciativa similar a dos representantes do povo argentino.
Para tanto, talvez, seria oportuno que o Poder Executivo estivesse consciente da autoridade que lhe foi delegada pelo Povo Brasileiro. Se no Império, as Pastas da Guerra e da Marinha podiam ser destinadas a civis, na República – que, segundo alguns, deveria a sua criação ao Exército – somente Epitácio Pessoa, na década de vinte do século passado, teve a coragem de chamar dois civis para as Pastas Militares (que, de resto, se houveram, muito bem). Depois, as pastas castrenses voltaram a generais e almirantes, com o parêntese compreensível da implantação do Ministério da Aeronáutica, a que Getúlio Vargas chamou o político gaúcho Salgado Filho (que igualmente, pasmem, fez um bom trabalho). Os civis só voltariam a serem ministros nessa área, quando da laboriosa implantação do Ministério da Defesa, sob Fernando Henrique Cardoso.
Diante de tais precedentes, há de parecer que não são deveras brilhantes as perspectivas de próxima mudança no Brasil, com a abolição da Justiça Militar e de tantos outros privilégios. Seria um tema, aliás, em que teria muita satisfação e orgulho de que os acontecimentos me provassem em erro. Infelizmente, salvo prova em contrário, tal não se afigura ser o caso.

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