Nesta última semana, encolheu a aliança que
pretende atacar a Síria e o regime de Bashar al-Assad por causa do
atentado a gás sarin nos arredores de Damasco. Ressabiada pela passada experiência
na guerra contra o Iraque de Saddam
Hussein, não teve no Parlamento de Sua Majestade o esperado apoio dos
deputados o propósito do gabinete de David Cameron de associar-se aos
Estados Unidos.
Refletindo o
sentir do país, os parlamentares já indicaram – posto que ainda de forma não
vinculante – a sua oposição a quaisquer bombardeios à Síria. Vendo o escrito na
parede, Cameron lamentou a sinalização negativa, mas preferiu não insistir,
ainda que significasse a sua convicção pessoal de apoio à iniciativa
estadunidense. De toda a maneira, o Reino Unido, enquanto aliado na operação de
Obama, sai do quadro.Com o regresso dos inspetores das Nações Unidas, se julgou a princípio que inexistiam empecilhos à operação punitiva. Nesse contexto, Barack Obama manifestou a própria intenção de castigar o ditador sírio pela utilização de armas químicas vedadas pelos acordos internacionais.
O Presidente francês, posto que tampouco em seu país haja maioria em favor da ação, reconfirmou a respectiva concordância. De conformidade com apoios anteriores – Afeganistão – o socialista François Hollande se manifestou favorável ao apoio militar francês à operação.
No entanto, Barack Obama, posto que reiterasse a necessidade de mostrar a Bashar al-Assad o repúdio internacional ao seu criminoso emprego do gás sarin na guerra civil, resolveu à última hora condicionar a ação militar à concordância do Congresso.
Despertou certa surpresa mais este adiamento, eis que no passado Bill Clinton utilizara bastante os foguetes Tomahawk, sem carecer de consulta ao Congresso. No entanto, os objetivos do 42º presidente não visavam um governo, mas sim o líder da al-Qaida (nos seus supostos refúgios no Afeganistão), ou a uma alegada fábrica de armas químicas no Sudão. Em todos os casos, ou a informação sobre o escopo da fábrica estava errada, ou não mais se achava atualizado o paradeiro de Osama ben-Laden.
Desta feita, a ação militar, anunciada com alguma fanfarra, se dirige contra o governo estabelecido de um país (Síria). O presidente Obama fez questão de precisar que, caso obtido o aval do Congresso, nenhum de seus soldados porá o pé na terra síria. Se bem que a ação punitiva não esteja explicitada, há a fundada presunção de que, ou se limite aos ditos foguetes, ou a participação de aeronaves seja secundária (não se esquecerá de que há bases sírias com sofisticados foguetes terra-ar russos).
De qualquer modo, o Tomahawk, se não é lerdo, dá sempre, depois de lançado, algum tempo para que um alvo móvel se afaste. Por isso, o seu emprego tende a ser mais eficaz contra objetivos fixos.
Comentou-se até há pouco, que o Presidente Vladimir V. Putin preferira silenciar, deixando a seus auxiliares, e notadamente ao Ministro do Exterior Sergei Lavrov, a tarefa de estigmatizar a ação americana. Explicou-se o mutismo de gospodin Putin pela avaliação de que de nada serviria a sua participação no debate.
Tal, no entanto, não se confirmou. Putin considera como não demonstrada a responsabilidade do regime alauíta na atrocidade, e, nessa linha de raciocínio, cobra provas dos acusadores, considerando insuficientes e não-convincentes os elementos até agora aduzidos.
A par dos sírios de al-Assad, o maior nervosismo é evidenciado pelos países limítrofes – e que, sob muitos aspectos, e há bastante tempo, já sentem os efeitos do longo conflito. Nesse sentido, a Turquia de Recip Erdogan, como membro da OTAN, deve dar algum apoio à empreitada. Por outro lado, Israel entra em alerta máxima, pelo temor de que a violência se extravase. No que tange à Jordânia e ao Líbano, vêem com preocupação a exacerbação da crise, que só tende a prejudicá-los nas suas frágeis fronteiras.
Por outro lado, as advertências de Teerã e do Hezbollah se inserem dentro das possibilidades das respectivas entidades, vale dizer, elas são necessariamente pro-forma.
Com a sua mudança, aparentemente de última hora, Barack Obama retirou o esperado imediatismo da atuação da superpotência. Tudo agora vai depender do Congresso americano. Se o apoio do Senado é de prever-se (não só pela maioria democrata, assim como por senadores republicanos linha-dura como John Cain), por sua vez na errática Câmara de Representantes, a começar pelo Speaker John Boehner e o líder Eric Cantor, tudo é rigorosamente possível. Com efeito, antes de qualquer exame sério ou ponderado, o que os move é o animus anti-Obama. Por isso, esses senhores nada semelham temer – nem mesmo o ridículo – se têm a oportunidade de criar empecilhos à Administração democrata de Obama. Como na fábula do escorpião, isso é mais forte do que eles. A única esperança seria na acrescida desmoralização da Câmara baixa, e da eventual solução do problema nos próximos comícios intermediários de 2014, conquanto a empresa neste aspecto não seja nada fácil, em função do guerrymandering das assembleias.
Outra barreira que não é das menores, foram notórias estripulias da Administração de George Bush júnior, para desencadear a guerra contra Saddam (V. as falsas alegações da posse pelo ditador iraquiano de armas de destruição em massa (WMD) e muitas outras, como a inteligência fajuta inserida no discurso de Bush ao Congresso). Há de compreender-se que, agora, a opinião pública americana experimente muito ceticismo no que toca às provas disponíveis pelo Governo Obama contra o regime sírio, especialmente no que se relacione ao ataque do regime de Bashar al-Assad ao seu próprio povo. Nesse sentido, o porta-voz escolhido foi o novo Secretário de Estado John Kerry, em discurso bastante enfático, e com ampla exposição das múltiplas fontes utilizadas na acusação: “Este é o horror indiscriminado, inconcebível das armas químicas. Isto é o que Assad fez contra a sua própria gente.”
Por último, e as surpresas continuam, os republicanos, ora abrigados em fundações do GOP (a Administração Federal, dentro da lógica binária dos EUA, arregimenta sobretudo os democratas) se empenham em desestabilizar a fundamentação para a anunciada ação de Obama.
Nesse sentido, Ryan C. Crocker, que foi embaixador na Síria, e é atualmente o decano da Escola George Bush de Política Pública, na Universidade do Texas, nos fala de um aspecto que deve conhecer bem: “O nosso maior problema é a ignorância. Somos bastante ignorantes a respeito da Síria.”
No entender de Mr Crocker, avultam dois problemas. Respostas militares do tipo contemplado pela Administração Obama são amiúde pouco eficazes e muita vez levam a ações militares menos limitadas. Por outro lado, qualquer ação na Síria tenderia a tornar a situação mais caótica dentro da própria Síria e pior para os civis, arriscando-se a espalhar a violência e o extremismo na região. E tais desenvolvimentos certamente não estão no interesse dos EUA.
Agora na oposição, Mr Crocker nos traz sua experiência na questão. Se tudo isso é verdade, imagine-se quando um país ataca outro como no caso da guerra contra Saddam, baseada em inteligência falsa, literalmente quebrando a caixa de Pândora, e sem fazer qualquer previsão para a ocupação do pós-guerra ? Um tal esquecimento do passado decerto não ajuda em nada se se deseja criticar ações punitivas limitadas a lançamentos de Tomahawks.
Afinal, as intervenções do governo Clinton, se falharam na África e no Oriente Médio, foram bem sucedidas nos Bálcãs e, em especial, no Kosovo...
(Fontes: International
Herald Tribune, CNN, O Globo, Folha de S. Paulo )
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