sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O que nasce torto tem jeito ?

                      
                                    
      A ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central costuma ser publicada com defasagem de uma semana em relação à decisão sobre a taxa Selic, que desta feita subiu para 9%.
       A coluna de Miriam Leitão e a cobertura de O Globo apontam contradição entre a ata e a realidade fiscal. Em linguagem contorcida, a ata, que antes se reportara ao caráter ‘expansionista’ de política fiscal, agora diz que para as ‘variáveis fiscais’ se criam condições para no contexto da política monetária ‘se desloque para a neutralidade’ o balanço da política.
      Nesse gênero de linguagem, decorrente da condição não-autônoma do Banco Central, o Copom afirma que a médio prazo a política fiscal ficaria sob controle. Como a autoridade monetária não tem, no Brasil, autonomia efetiva – FHC não quis imitar nisso as economias do Ocidente, no que cometeu erro tendente a afetar uma das principais conquistas de sua Administração, i.e., o Plano Real. Se a atitude é inteligível – é difícil para um presidente abdicar de poderes – o seu erro teve efeito de bomba de retardamento, eis que d. Dilma se desvencilhou de Henrique Meirelles justamente porque este colocara como condição ter ‘autonomia’ na sua continuação à frente do BC. Sabemos o que essa ‘autonomia’ tem de precário à frente de um presidente, mas nem  esta versão edulcorada seria aceitável para a sucessora de Lula da Silva.
        Tampouco a atual mansuetude de Dilma diante da elevação da taxa Selic não passa de reação tática, ditada pela áspera necessidade. O desenvolvimentismo sem peias do início do mandato – que pensava manter o dragão à distância com ameaças retóricas – teve de recuar face ao surto inflacionário, e de o que representou para que despencassem os altos índices de avaliação da presidenta.
       O problema com a presidente Dilma Rousseff é que ela não acredita na ortodoxia econômico-financeira e, por conseguinte, na atenção ao deveres de casa para conseguir o objetivo de quebrar as barreiras para alcançar taxas de desenvolvimento que rivalizem com aquelas de um passado já longínquo. Abraçando o empreguismo estatal e o assistencialismo (Bolsa Família, ‘Bolsa Miséria’), com um ministério inchado até o limite do caricato e inexpressivo – a inventividade, o brilhantismo e a personalidade são fortemente desaconselhados - fica sobremodo difícil ter uma política sustentável de promoção de investimentos.
       Nesse quadro, a carga tributária – tão bem espelhada pelo ‘impostômetro’ – pesa sempre mais na renda do brasileiro. Os 35% atuais semelham – e é com tristeza que o assinalo – são apenas uma estação transitória em uma ascensão tão burra quanto auto-propulsionada. Nós não vemos esta rapacidade publicana refletir-se em mais educação, saúde, segurança, saneamento básico, infraestrutura de transportes e num imenso e profuso etcetera.
      Depois de JK, que outro presidente deparamos com visão pró-ativa do papel do Estado ?Ele encontrou uma economia ainda neocolonial na sua produção fabril e nas suas exportações. Se ele acelerou a industrialização, o seu parque automotivo, com boa componente nacional, seria desvirtuado no futuro (e pelos militares !), com a perda das montadoras nacionais para as estrangeiras, e a implantação aqui das chamadas ‘feitorias’, o que nos torna o único país em nosso nível de desenvolvimento que não dispõe de montadoras nacionais para seus veículos. Nesse contexto, os lucros das fábricas automotivas servem para salvar as matrizes do circuito Elizabeth Arden (sem falar do sangramento de nossas divisas).
      Como o romântico francês que se lamentava de haver chegado ‘demasiado tarde em sociedade envelhecida’, nos é difícil não deplorar as boas, porém tardias intenções de dona Dilma. O desenvolvimentismo teve a sua hora, mas no presente os desafios são outros.
      De início, a política tributária, com seu crescimento vegetativo, diante dos imensos ralos da burocracia, da corrupção e do desperdício, carece de um choque criativo urgente. Lamentavelmente, a novel Presidente, no seu discurso de posse, rasgou o véu das ilusões, ao refugar a oportunidade única de significativas reformas política e fiscal.
     Em tal omissão,  Dilma mostrou a sua limitação básica. Enquanto não enfrentarmos esses dois monstros, teremos um futuro de paralisia institucional.
     O neopopulismo do PT promete mais só que do mesmo. Os exemplos pululam. O programa – também assistencialista – Minha Casa, minha Vida apronta residências no Maranhão e alhures, e mostra a sua ineficiência até nos longos prazos de sua disponibilização para os usuários. Se a falha é da Caixa Econômica, ou de outra repartição do governo, afigura-se irrelevante no resultado. Diante da falta de habitações, deixa-las prontas e fechadas parece um atestado suplementar de incompetência, além de constituir um convite (decerto involuntário) à invasão.    
     Se as instâncias burocráticas são tão ineficientes, não há solução para isso ? Quando assistimos à ridícula confusão na corrida – igualmente relativa à Caixa – causada pelos ‘malignos boatos do fim da Bolsa Família’ – o que resultou mais deplorável não foi nem a delirante imaginação de ministros de primeiro escalão, nem o atabalhoamento da direção da CEF, mas o fato de que a Administração Dilma Rousseff não demitiu nem censurou ninguém. Não há culpados se as balbúrdias são familiares.
     O movimento do passe-livre, e as vaias subsequentes, foram a notícia alvissareira de que o gigante não é burro, nem está em letargo. Se algo sairá daí, é outra estória. De uma coisa, podemos estar certos. Não será pelo caminho tortuoso que trilhamos nesses últimos anos, que conseguiremos algo que não se desfaça logo no ar.
 

 
(Fonte:  O  Globo )

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