terça-feira, 9 de outubro de 2012

Regime Automotivo para as Feitorias ?


                 Terá havido mudança radical entre a época da instalação da indústria automobilística estrangeira no Brasil – pelo governo Kubitschek na segunda metade dos anos cinquenta – e a situação atual em que as chamadas ´feitorias´ se acham plenamente implantadas ?
                 Mais de sessenta anos se passaram e, se nos ativermos aos traços essenciais das montadoras, veremos que o quadro não mudou em qualidade. Se a ur-montadora, a DKW não mais existe, o caráter primitivo da indústria automobilística não mudou, pois continua formada por sucursais estrangeiras, de matrizes que, como diria Lula, estão do outro lado do Atlântico.  É assim mesmo: o sexto PIB do mundo não dispõe sequer de uma montadora genuinamente nacional.
                Aliás, dizia acima que estamos iguais agora aos anos 50, quando JK trouxe para Pindorama a primeira montadora europeia. Na verdade, não é bem assim, eis que em meados do século XX, se o Brasil engatinhava na industrialização, o nosso parque assinalava a Fábrica Nacional de Motores (FNM), que produzia os caminhões fenemê. Se importava muitas peças, algumas já eram feitas por aqui, e o que é mais relevante, não era uma sucursal e por isso não se via dessangrada todos os anos pelas remessas para as sedes alienígenas.
               De lá para cá, se tivemos empresas nacionais automotivas, como a do Aero-Willys e a Gurgel, o governo brasileiro permitiu que, ou fossem desmontadas, ou desnacionalizadas. É um peculiar traço de nosso desenvolvimento industrial, o de nos tornarmos o único membro dos decantados BRICS a não terem uma montadora nacional. Se FHC chegou a zombar da pequena Gurgel, que lutava por não desaparecer, o mesmo não ocorreu com o grande complexo manufatureiro dos carros Aero-Willys, que teve muito voga por aqui, e até modelos exibidos em salões do Norte maravilha. Pois não é que o regime verde-oliva – usualmente cioso do produto nacional – permitiu que a nossa principal montadora tivesse a propriedade repassada ao capital estrangeiro ?
               As consequências desta anti-política nós a vemos até hoje pelas ruas e estradas dos vastos Brasis. Reunimos o arco-iris das montadoras estrangeiras (americanas, alemãs, francesas, japonesas e coreanas – minhas sinceras desculpas se omito alguma outra nacionalidade), que se servem de uma indústria de autopeças nacional. Por estar condicionada às regras implacáveis do regime do monopsônio (comprador único), essas empresas nacionais se vêem submetidas na própria terra a sistema iníquo, dada a inelasticidade da respectiva clientela. Parecem ser as estrangeiras, eis que as montadoras, como únicas adquirentes, ditam os preços e as demais condições. O seu único recurso seria a administração governamental, que, de hábito, não semelha  muito inclinada a favorecer a indústria nacional, quiçá temerosa da reação da grande montadora envolvida.
             Mas as consequências de tal grande renúncia não ficam apenas nas vitrinas de nossos logradouros. A economia da Terra de Santa Cruz se acha sob a anual – ou semestral – servidão de assistir às periódicas e pingues remessas de lucros para as matrizes. Como elas ora vivem sob a férula da crise internacional, a sua sede de divisas aumenta, e, por conseguinte, a carga nas sucursais que – pasmem! – dão lucro e, portanto, podem ser dessangradas com maior desenvoltura.
             Tal aconteceu na recente crise financeira europeia e americana, e nesses tempos se repete, com muitas empresas europeias forçadas a fecharem as suas usinas (como a da Peugeot-Citroen na França). Com os famélicos bicos dessas aves na penúria de uma crise sistêmica, mais se exigirá das feitorias de além-mar, como as do Brasil.
             Os nossos jornalões aceitam com agrado a publicidade das montadoras, que lhes engorda as edições e sobretudo o caixa, com fascículos e mais fascículos para tornarem o trânsito e o meio ambiente ainda menos suportável.
            Se a recente reforma no regime automotivo ´nacional´ despertou críticas na imprensa, elas em geral se baseiam nas menos defensáveis razões. Supostamente se apresentam como paladinos do consumidor, alegadamente pelo encarecimento do produto. Mas será mesmo?
           Se é triste que o governo Dilma recorra ao protecionismo para forçar a produção de peças nacionais, não é irônico que, pela incompetência de nossos governantes, ainda estejamos reclamando por maior participação de peças nacionais  nos carros aqui montados? Será que não se dão conta de que assim procedendo persistem no nível primevo da fabricação automotiva, não se diferenciando na essência dos tempos de Juscelino Kubitschek, em um Brasil em estágio industrial incomparavelmente mais atrasado ?
          E por que será que as montadoras alienígenas dispõem de tão polpudas somas, sempre prontas a salvar da ruína as matrizes exangues ?  Dentre os poucos acertos do governo Collor está a sua repreensão às montadoras pelas carroças que impingiam aos motoristas brasileiros. O puxão de orelhas surtiu efeito e houve uma pequena melhora. Contudo, desde então, o Estado voltou gostosamente a sua maligna negligência, de novo a tratar com luvas de seda as montadoras.
          Não é apenas a carga estúpida dos impostos e tributos do sedento Tesouro a encarecer as viaturas. Os seus preços, se comparados com os dos modelos vendidos nas Europas e  nos Estados Unidos, haveria de provocar consternação, pela disparidade do valor de venda e a qualidade do produto. Para economizar, as montadoras são preguiçosas em trazer para Pindorama os progressos do Norte maravilha. Por outro lado, nem falar da proteção ambiental.  Pela sua leniência, disso é partícipe a autoridade nacional encarregada de velar pela saúde do contribuinte e do usuário brasileiros.  Estarrece e revolta mesmo o nível tecnológico da proteção ambiental dos tubos de descarga das viaturas montadas no Brasil. Permitimos, a pretexto da choradeira dos custos adicionais pelas montadoras, um escandalosamente baixo nível de proteção à população, no que concerne aos gases emitidos pelos veículos. Se colônias houvesse, este seria decerto o padrão adotado para os veículos lá circulantes. Infelizmente, os conceitos não desaparecem com a rapidez anunciada. Muita vez, eles logram persistir, sob outras vestes, mas com consequências igualmente nefastas.
         Como se depreende pelo exposto, também aqui a Administração Dilma Rousseff se perde nas árvores, enquanto pensa cuidar da floresta. Ou como o antigo trabalhador no engenho, que pensa avançar na própria diuturna faina, enquanto na verdade refaz sempre, em fadigosos círculos, a massacrante rotina, que apenas aproveita ao patrão.
 

(Fonte subsidiária:  O GLOBO)   

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