A água do Letes serve para os déspotas de um estranho modo. Evitam tocá-la, porque não desejam esquecer as afrontas, reais ou imaginárias, que tenham porventura recebido de seus adversários, a quem consideram inimigos.
Sem embargo, serão eles os primeiros a se valerem de seus sédulos e insinuantes efeitos, ao envolverem com os lençóis do olvido os cruéis castigos de suas ignóbeis, recurvas garras.
O esquecimento é criatura da monotonia do sofrimento estirado na infinidade dos dias, de que os demais perdem a conta.
O tirano guarda na memória, com o carinho do acalanto, o diuturno mal que faz às criaturas do próprio desafeto.
Estas também lhe repagam com o pão do ódio cotidiano toda a injustiça que os espera a cada dia, na lenta marcha da iniquidade.
No entanto, passado o trauma da condenação injusta, da brutal e covarde instrumentalização do Estado à guisa de satisfazer a pulsões mesquinhas e alegados doestos, o clamor e o alarido dos companheiros, do povo irmão e de autoridades estrangeiras, lenta, paulatina e traiçoeiramente vão perdendo aos poucos o viço, o afeto, o desagrado e o incômodo para mergulhar lenta, imperceptível mas inelutavelmente em águas plácidas e abismais, como as negras bocas de poços tão profundos quanto a súbita amnésia de um evento que não mais paira por todos os cantos e antes está em todas as bocas.
Transformando a justiça em sua serva e os tribunais nas câmeras de suplício daqueles que ousaram cruzar-lhe o caminho, Viktor Yanukovich, o presidente da Ucrânia, se compraz em castigar sua antagonista política, Yulia Timoshenko, pelo crime de lhe ter barrado o caminho político. É a justiça dos tiranos e assemelhados, e Yanukovich semelha ter gostado das lições de seu vizinho maior Vladimir V. Putin, com seus dóceis magistrados, a ler severas sentenças, ditadas pelo poder.
Agora a lista se espicha e Yanukovich julga oportuno condenar a ex-ministros da oposição, como Yuri Lutsenko, com quatro anos de cárcere.
Sabemos que os tiranos e os poderosos não esquecem os próprios rancores.
É importante que o sofrimento imposto por motivos ignavos e mesquinhos também não seja abafado nas cadeias e nas masmorras, como se apenas lá estivesse.
Toda vítima da injustiça - como Yulia Timoshenko e Yuri Lutsenko - precisa ressoar a cada dia não só nos salões dos poderosos, mas também no seu entorno regional.
Que não se permita a sedosa cumplicidade do Rio do Letes com as tropelias dos tiranos.
terça-feira, 16 de outubro de 2012
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