sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Desanda o Julgamento do Mensalão ?


         
                              
            O voto de ontem do Ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, não é um simples acidente de percurso, eis que pôs a nu não só questionáveis práticas do Supremo Tribunal Federal, mas também ameaça a mensagem trazida pelo juízo da Ação Penal 470, como de resto simbolizada pela inteireza na aplicação da justiça de que é testemunho a exação no cumprimento do respectivo dever de juiz obedecida de forma exemplar pelo Ministro-Relator, Joaquim Barbosa.
         Depois de ter o próprio parecer acatado pela maioria dos Ministros, nos capítulos da lavagem de dinheiro e agora na de formação de quadrilha, assinalam-se preocupantes indícios de que alguns juízes se apartam das teses do relator, a ponto de no capítulo da lavagem, as recomendações de Barbosa não serem atendidas.
        Com um certo contorcionismo pró-réu – no caso, Duda Mendonça, o marqueteiro de Lula – a maioria não viu indícios dolosos no comportamento do indigitado. Levanta-se demasiado a régua das exigências para que se comprove o desígnio do branqueamento dos recursos auferidos, e assim crescem as absolvições.
      No caso de José Dirceu, o revisor se recusou ver com comportamento do réu a postura do chefe de quadrilha. Como já o inocentara de responsabilidade penal no crime do mensalão – com um longo e tortuoso parecer que o caricaturista Chico Caruso retratou de modo memorável – agora lhe tocou a vez de também isentá-lo da chefia da quadrilha.
      A única dificuldade seria a gritante contradição contra a condenação já emitida pelo próprio Lewandowski, no que tange a cinco réus do PP e do antigo PL pelo mesmo crime de formação de quadrilha. Não teve dúvidas o revisor: com uma penada, voltou atrás do voto anterior, dando o dito por não dito. Associou-se oportunamente aos votos das ministras Rosa Weber e Carmen Lúcia, e nas palavras generosas do cronista do julgamento do Mensalão,  Ricardo Lewandowski “ao valer-se dos votos das ministras Rosa Weber e Carmen Lúcia para basear o seu, também se respaldou na posição de colegas que não seguem a maioria de seus votos, dando assim um toque de isenção (sic) à sua atuação de ontem”.
      Deixo aqui ao leitor o encargo de interpretar as palavras sibilinas ou não de Merval Pereira, e se nos defrontamos com anuência ou cuidadoso irônico dissenso de parte daquele colunista.
      Antes de fazer outras considerações, gostaria de chamar a atenção para dois aspectos do comportamento do Supremo Tribunal Federal. De início, o questionável e bastante dúbio poder de mudar de voto a seu bel prazer de parte de cada Ministro antes de a ação passar em julgado. Se o Ministro Marco Aurélio o elogia, para muitos poderá servir para fins discutíveis. Todo voto é pronunciado – esta é a presunção – com conhecimento da causa e de suas implicações. A sentença não é palimpsesto, suscetível de supervenientes alterações, pois a dúvida se impõe:  o juiz pecou por ignorância ou precipitação ? O seu voto é coisa séria e não deve ser suscetível a modificações ex-post, como se fora previsão do tempo.
        Há outro aspecto de que gostaria de pedir a atenção de quem me lê. Não se deve deixar ao talante do interessado – no caso, o juiz do STF – a prerrogativa absoluta de manifestar a própria suspeição em um julgamento determinado. É evidente que, segundo a boa prática jurídica, se algum juiz tem motivo para julgar-se impedido de participar em alguma ação, cabe a ele externar-se, e quanto mais prontamente, melhor.
       No entanto, se ele deixar de fazê-lo por motivos insondáveis, caberia seja ao presidente do STF, seja a outro ministro, colocar a questão perante o colegiado, para que não se configure uma situação como a vivenciada pelo Ministro Dias Toffoli, que se recusou a declarar-se impedido, a despeito de uma pluralidade de indícios que apontavam neste sentido.
       Não me aumentou, tampouco, a admiração que sentia pelo presidente Ayres Britto, quando este último, perguntado, não quis comprometer-se com a controversa decisão do Ministro Dias Toffoli, ao asseverar que cabia exclusivamente ao dito Ministro julgar se cabia ou não  participar do juízo em tela.
       Se esta é a regra atual, o comportamento de Dias Toffoli mostra a urgência de corrigi-la, eis que não se pode permitir que uma pessoa com toda a sua participação anterior, possa agir desenvoltamente como se nada fora. Se deve caber ao indigitado afastar-se do juízo, por decisão própria, se este, por qualquer motivo, se recusar a fazer o que deve ser feito, a presidência do Supremo e o colegiado não pode comportar-se como se fosse questão de exclusivo foro íntimo. Deve assumir a respectiva responsabilidade diante da Nação, porque será no mínimo inconveniente conviver com tais absurdos, que só podem lançar dúvidas e questionamentos sobre a votação em um todo.
       Agora, em função do voto do revisor Lewandowski, estamos diante de uma encruzilhada. Dois réus, antes condenados por formação de quadrilha – Valdemar Costa Neto (PR-SP) e o ex-tesoureiro do PL, Jacinto Lamas – pela abrupta mudança de Ricardo Lewandowski se descobrem ora na situação de réus em que os votos dos juízes estão ora empatados. Assim a condenação precedente – pelo princípio in dubio, pro reo – não mais subsiste.
       Não é decerto o único problema colocado pelo juiz Ricardo Lewandowski. Com tal desenvoltura, ele traz para a ação do Mensalão desenvolvimentos para lá de questionáveis, e que não se coadunam, seja com a orientação do Ministro-Relator Joaquim Barbosa, seja com a boa recepção pela Sociedade Civil brasileira da ação impetrada pelo Ministério Público, seja relatada por este ministro, que cresceu no trabalho, na avaliação e nas sentenças propostas.
       Começam a repontar questões de como isto tudo vai terminar ?  A Ação Penal 470 entrará para a História, ou tudo, malgrado o esforço de uns poucos, será resolvido na consueta maneira ?
       O Brasil espera que a visão do Ministro-Relator,  Joaquim Barbosa, prevaleça.

 
( Fonte:  O  Globo)

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