Obama, como intelectual que é, e fleugmático no temperamento, pode mostrar em tais ocasiões, senão timidez, uma certa contenção na forma em que expõe o respectivo pensamento e, sobretudo, nas suas reações às colocações do adversário. Essa ínsita moderação faz parte de seu estilo, e só muito raramente ele encontrará motivo para contrariar tal postura.
Calma ou indiferença, segundo as visões de uns ou de outros, ele a traz desde muito e – seja dito incidentalmente – esse comportamento não lhe tem servido mal até o presente. Na desgastante luta das primárias de 2008, entre Hillary Clinton e o júnior Senador pelo estado de Illinois, muitos o viam na defensiva diante da oratória da adversária. E, sem embargo, Obama saíu praticamente indene dos debates travados para encaminhar a trabalhosa seleção de quem seria o designado pelo Partido Democrata para os comícios da primeira terça-feira de novembro.
De acordo com as pesquisas da rede CNN, 67% dos eleitores consideraram Romney como o ganhador do encontro na Universidade de Denver, Colorado. Apenas 25% dos espectadores optaram pela vantagem do Presidente.
Não há negar que essa impressão corresponde à evolução da justa oratória. Muitas vezes, o presidente pareceu estar na defensiva. Por outro lado, não foi contundente nas suas sinalizações, malgrado dispusesse de argumentos para tanto.
Sob o diáfano véu de um mínimo fair-play, a conduta atitudinal de Romney foi um dos instrumentos de que se valeu para tentar empurrar o 44º Presidente para as cordas da arena cibernética. Dentro os meios empregados, a par da velha técnica de negar a evidência com a segurança de quem se deseja apresentar como o guardião da verdade, Mitt soube valer-se destramente da exposição contínua dos semblantes de ambos os oradores. Assim, enquanto Obama desfiava a sua racionalização, afixava o desafiante na catadura o sorriso meio-maroto de quem põe em dúvida tudo o que seu opositor venha a dizer.
Por vezes, o presidente semelhava um boxeador que retém os próprios golpes, como se a adoção de ataques mais agressivos não se coadunasse com a dignidade de um Chefe de Estado. Dessarte, não foi a fundo em denunciar a escandalosa diferença entre o significado da Lei da assistência sanitária custeável – e inclusive a sua validação pela Corte Suprema de maioria conservadora – e a proposta alternativa de Romney e de seu candidato a vice, Paul Ryan, que retira a milhões de americanos a segurança da cobertura da reforma em troca da concessão de documentos (vouchers), que põem os carentes de atenções médicas nas mãos das seguradoras.
O que faltou no debate a Obama foi a palavra cortante e incisiva que expusesse a empulhação da anti-reforma de Romney. O público ficou a esperar por uma daquelas expressões (one liners, vale dizer ditos de uma linha) que desmascarasse a manobra do candidato do GOP, sempre pronto a defender os ricos e poderosos.
Quiçá um dos maiores erros de Barack H. Obama no debate da noite de ontem foi a sua cordata aceitação da designação pejorativa, cunhada pelo Tea Party e quejandos, da reforma sanitária como Obamacare. Declarar que começava a aceitar tal pejorativa fórmula da principal conquista de sua Administração será permanente objeto de estarrecida consternação.
Não é modéstia essa perturbadora concessão, eis que ‘the affordable Healthcare Act’ (ACA) passado pelo Congresso estadunidense, sem sequer um voto republicano, e sancionado por Obama em 2010 constituíra objetivo perseguido por seus antecessores na curul presidencial desde o longínquo mandato do republicano Theodore Roosevelt.
De parte do moderador, o velho jornalista Jim Lehrer, faltou alguma energia em certos instantes em que permitiu, fora das regras acordadas, que o opositor aparteasse o Presidente. Além disso, a conformação do debate, em falas alternadas de dois minutos (de alguma forma Obama interveio por um pouco mais de tempo, mas essa vantagem numérica não repercutiu, como acima assinalado, na pós-imagem da discussão).
Havia júbilo nos partidários republicanos, e, se não melancolia, certo desconforto ou mesmo irritação, nos democratas.
Consoante os especialistas na história dessas altercações rituais – anunciadas no século dezenove entre Lincoln e Douglas, que disputavam cadeira senatorial, arrebatada pelo segundo – e lançadas pela justa televisiva entre John Kennedy e Richard Nixon – existe o consenso que nenhum deles terá sido determinante para a vitória em novembro. Em certas ocasiões, contudo, tais discussões terão ajudado o eventual vencedor, como no caso de Ronald Reagan contra Jimmy Carter, e, num detalhe colateral, a impaciente espiada no relógio por George Bush sênior, em um de seus debates contra o desafiante Bill Clinton.
Excluída a discussão entre os candidatos a Vice-Presidente (o calejado Joe Biden contra o novato (e radical conservador) Paul Ryan), aguardam Barack Obama e Mitt Romney mais dois debates. É de esperar-se que Obama desça do próprio pedestal e, atento às regras não-escritas (jamais menosprezar o contendor) não mais cale o que deve ser dito – como a turbadora omissão dos 47% do eleitorado (os pobres ou ‘vitimas’ da gafe de Boca Ratón) que não merecem atenção, porque hão de votar sempre com o candidato democrata.
Obama entrou na reta final da campanha como o candidato que suscita mais confiança ao povo americano. Não vá agora jogar fora este trunfo – que não lhe foi outorgado por acaso – por força de um estranho cerimonial que julga digno deixar passar em branca nuvem as mentiras e lorotas fabricadas na usina do GOP. Pela sua tonitruante pertinência, semelha aqui de toda oportunidade evocar a palavra de um moribundo Sérgio Mota ao Presidente Fernando Henrique: ‘sobretudo, não se apequene !
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