sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Julgamento de José Dirceu

                                 
    A Ação Penal 470  tem muitos réus mas nenhum deles desperta no imaginário popular a atenção e, por conseguinte, possuirá a importância relativa de José Dirceu. No elenco oficial existem decerto os personagens de Roberto Jefferson, que trouxe para todas as telas da opinião pública, através do cru trailer da denúncia, o drama do mensalão; e de Marcos Valério, que é o elo operacional do esquema criminoso, na ponta fática de sua implementação. Jefferson, se é beneficiário do plano, atrai para si igualmente a notoriedade e as conotações próprias do delator no ideário popular. Assim,  sua serventia vem associada com o ambíguo manto que carregam os delatores.
     A caminhada desse julgamento, cuja importância para a democracia brasileira já se afigura inegável, se tem realizado sob as luzes de uma exposição sem sombras nem sessões in camera. Dele já se afastou, pelo capricho da aposentadoria compulsória, o Ministro Cezar Peluso.  Da relevância técnica de seu aporte, a última sessão de que participou nos deu uma visão a um tempo gratificante pela exação e a precisão magisterial demonstradas, e, por outro, a antecipada e difusa apreensão de um inquantificável aporte não mais disponível pelo capricho das Parcas.     
     Restam, por ora, dez ministros, o que enseja indesejáveis empates. Por outro lado, a prossecução se torna mais aleatória. A indicação da presidente Dilma Rousseff só será examinada pelo Senado depois do primeiro turno das eleições municipais. O seu eventual ingresso no Supremo Tribunal Federal traz, a par da ineludível incógnita dos novéis membros, a interrogação suplementar de sua eventual atuação em juízo que se aproxima do seu término.
     Voltemos, no entanto, às controvérsias inevitáveis deste capítulo da Ação Penal, ao atingir a parte culminante do capítulo reservado ao núcleo político. Desde os albores do escândalo, a figura de José Dirceu cresce junto à sociedade. Idolizado e demonizado, o ex-Chefe da Casa Civil que se afastara com grande dignidade de suas altas funções, pagou no tempo subsequente  alto preço por uma responsabilidade – que sem tergiversações assumira. Outrossim, a sua pretensa solidão no que os italianos chamam la stanza dei bottoni (a sala dos botões, i.e. a sala de direção) há de deixar um ressaibo de dúvida. Se em matéria de tal magnitude, semelha difícil conceber que haja atuado por sua própria conta, sem referir a quem de direito, as revelações de Marcos Valério quanto à participação do Presidente Lula da Silva jogam mais lenha na fogueira.
      Se José Dirceu foi o Primeiro Ministro de facto – ele mesmo em discurso se referiu ao seu governo – tampouco se deve esquecer que agride ao bom senso e à generalizada intuição da sociedade civil  aceitar a ignorância  presidencial de uma questão de tal magnitude. A reportagem de Veja adentra essa questão, com assertivas do já condenado Marcos Valério que devem ser tomadas com as devidas precauções.
     Tudo isso é um ulterior elemento a compor a situação de José Dirceu. Com a inexorabilidade de uma tragédia grega, o seu julgamento avança. Com a esperada exceção do Ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, já dois outros Ministros – Rosa Weber e Luiz Fux concordaram com o Ministro-relator, Joaquim Barbosa.  Para a condenação de Dirceu, faltam apenas três votos. Nesse sentido, atendido o comportamento dos juízes, o ex-Chefe da Casa Civil tem sobejas razões para o seu pessimismo, consoante veiculado pela imprensa.
      Persegue aos heróis helênicos a falta da hamartya – um erro que lhe determina o destino. O capricho dos deuses se baseia nessa noção difusa, de componentes antagônicos. Haverá poucas dúvidas sobre a participação do ex- Ministro da Casa Civil do primeiro governo de Lula da Silva. A incerteza reside nas informações ulteriores, que corroboram o que sempre fora o julgamento informal da opinião pública.
     Qual a extensão da culpa de José Dirceu ? Faz ele por merecer a singularização que lhe é dada pela denúncia do Ministério Público, denúncia esta acolhida pela nossa Corte Suprema ?  São perguntas que incomodam e que o tempo só tenderá a ensombrecer.
     

( Fontes subsidiárias:  O Globo e Folha de S. Paulo )

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