Os rebeldes sírios atravessam momento difícil. O ditador, Bashar al-Assad, bombardeia o próprio
povo. Apesar de obsoletos, os caças de sua força aérea – em geral de fabrico
russo – têm seja o espaço aéreo à própria disposição, seja a virtual certeza de
não enfrentarem o risco de mísseis terra-ar, tanto os stinger, quanto os mais sofisticados.
Bashar segue o figurino de seu pai, Hafez al-Assad. Na década de oitenta,
este pôde destruir a cidade de Hama, matando milhares de pessoas. Então, os
seus prepostos agiram com toda a calma, certos da indiferença dos países ditos
civilizados.
No atual entorno, até o presente as
regras do jogo continuam a favorecer o déspota de Damasco. Bashar prefere lançar bombas de forma
indiscriminada, na certeza de que lá embaixo encontrarão mais opositores do que
partidários. É mensagem tosca, bárbara e
cínica, mas o tirano tem seus motivos para acreditá-la eficaz. A sua estratégia não difere da grei de seus antecessores, cujo ‘ diálogo’ com os povos que submeteram se fez pela brutalidade das armas do paradigma bélico em que viviam. A nobre escolha que propiciavam às infelizes coletividades ao seu alcance estava na abjeta submissão, com as variantes da morte e da condicional suspensão, dentro da precariedade dos mal-humorados indultos temporários.
Quase todos os países simpatizam com a causa do povo sírio. Sob as lufadas da primavera árabe, desde março de 2011 apareceram os primeiros sinais da aspiração popular por mais democracia. Surgidos em Deraa, no sul, não tardaram em espalhar-se por todo o país. Bashar preferiu responder à bala as manifestações e comícios pacíficos , ou por tortura e sevícias do gênero. Dessarte, o regime alauíta reagiu com o vezo das minorias, dentro da lógica unidirecional do fuzil.
De tal modo, agindo com a inépcia estúpida do carrasco que, diante da discordância alheia, ignora a negociação e as tentativas de honesta composição e só aplica o meme que lhe fora transmitido pelo primeiro ditador . Bashar abriu as hostilidades contra seu povo.
Não me parece seja o caso de redescrever a
evolução da guerra civil síria. Neste momento histórico, só um reduzido grupo
de Estados apóia o governo de Bashar. Sem embargo, o déspota de Damasco não
pode queixar-se. Respaldam-no com armas e recursos a Rússia de Vladimir Putin,
o Irã do Ayatollah Ali Khamenei e a China do PCC. A par de fechar a torneira do
Conselho de Segurança, esta pouco santa aliança dispõe também do Iraque, sob
governo xiita, e dos movimentos do Hezbollah, no Líbano, e do Hamas, na
Palestina.
Com amargura, a sublevação síria não viu
efetivadas as prometidas remessas de armas. As promessas da Arábia Saudita e do
Qatar se terão evaporado no caminho de
Damasco. Pelos corajosos correspondentes estrangeiros, sobretudo ocidentais, a
opinião pública internacional apreende acerca da precariedade do armamento
utilizado pelos grupos de resistência, que lutam contra o ditador em condições
de marcada, quase patética, senão revoltante desigualdade.
As candentes palavras do Secretário-Geral
das Nações Unidas, Ban Ki-moon , podem
ressoar com força na grande sala da Assembléia Geral, mas de nada servirão para
proteger ou defender sequer um único combatente das fileiras da liberdade.
A lista desses aliados retóricos não é das
menores. Os revoltosos da Síria esperam em vão por mostras concretas de ajuda
militar. Tal expectativa, espicaçada pela revolução contra o decano dos
ditadores – Muammar Kaddafi – com o passar do tempo se foi transformando em
amarga taça com o sabor do engano e de um falso comprometimento. Não de repente, os rebeldes sírios se descobrem entregues à sorte madrasta, em que as armas e os recursos vão todos para o campo do mal, e a eles sobra apenas a hora e a vez de arrostar a hedionda carantonha do opressor e de seus bem-armados sequazes.
Pode-se estranhar então que o povo sírio se
julgue abandonado ? Embaído por
promessas fementidas de apoio material, entregue às chacinas dos bombardeios e
da artilharia pesada de al-Assad, não será difícil entender-lhe a revolta
contra o Ocidente. Fustigar com palavras a ditadura alauíta, prometer mundos e
fundos (inclusive uma zona de interdição aérea) e ao final cingir-se a umas
tantas débeis sanções será ao ver dos rebeldes fazer o jogo do tirano.
Para eventuais e pontuais dificuldades
advindas de sanções de aplicação restrita, sem o aval do Conselho de Segurança,
está aí gospodin Vladimir Putin e os outros aliados para afastar de Bashar e de
seu governo o cálice de uma dificuldade maior.
Qualquer reação por ora há de
assemelhar-se às represálias da Turquia aos morteiros sírios. A intenção é
castigar o regime de Bashar, mas quem poderá assegurar que não seja um rebelde o
atingido pelo projetil do exército de Recip
Erdogan ?
Ao cabo de um processo tão cruel, a
radicalização surge para a massa popular síria, submetida a esse tratamento pelo
déspota de Damasco – que age como se não existisse o Tribunal Penal Internacional
– como a única saída. É de perguntar-se
se o Ocidente não dispõe de alguma flexibilidade e se não há meios para minorar
o sofrimento desse povo, malgrado os eventuais ditames do calendário político.
( Fonte subsidiária: International
Herald Tribune )
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