Não se há de dizer que o presidente Lula da Silva não tenha tentado.
Todos os meios e recursos do convencimento suasório foram utilizados junto à opinião pública para
neutralizar o escândalo do mensalão.
A ação do Partido dos Trabalhadores, dos
implicados ou não, e da militância, se pautou, ou melhor se debateu, como na
célebre classificação de Elizabeth
Kübler-Ross, entre a enfática recusa e os substitutos da aceitação. Se não
rendeu-se ao resignado e definitivo acatamento, abraçou-se, com ímpetos de
afogado, a quase tudo que lhe pudesse servir de tábua de salvação.Para tanto, os próprios reclamos e abstrusas acusações – conjura contra as instituições, novas tentativas da direita, a exemplo dos golpes contra os presidentes Getúlio Vargas e João Goulart, enfim cínica manipulação da oposição para derrotar o defensor do povo, i.e., o PT – se lançaram como uma avalanche para tentar levar de roldão os inconfessáveis planos das elites e de seus cães de guarda.
Na primeira fase, a da denúncia do plano, a princípio no piparote de um maço de três mil reais, por Maurício Marinho, o primeiro elo do esquema, e mais além, na inopinada denúncia do deputado Roberto Jefferson, e as suas acusações contra quem seria o chefe da gangue, José Dirceu.
Não pretendo aqui senão resumir as peripécias da primeira fase. As demissões, forçadas ou não, as cassações e as pontuais renúncias[1] a mandatos para tentar contornar a tempestade, no aguardo de melhores tempos, as patéticas negativas a despeito das evidências crescentes, o comportamento de que os auxiliares mais diretos proclamavam estar acima de qualquer suspeita, comportamento este que seguiu a lógica de quem entrevê o espantalho de Aníbal nas portas de Roma.
Assim, em caminho tortuoso de perseguido, da negativa raivosa passa para o abrigo do caixa-dois, e mais adiante choraminga em privado, acenando com renúncia, e mais tarde pede o perdão do eleitorado. Jamais reconhece o que se lhe increpa, na inteireza de traços guardados em algum socavão, a salvo dos olhinhos malditos da malta que o acossa.
Sem embargo, haverá momentos alusivos, que semelham incompreensíveis para quem se enrouquece na afirmação da inocência. Dessarte, a bizarra e apressada concessão de passaporte italiano à Primeira Dama, seguramente caso único na República.
O mensalão relembrará, todavia, o mítico herói grego, que a mãe terra tornava invincível. Assim do chão da derrota do candidato Geraldo Alckmin, incapaz de valer-se da força inercial do escândalo, repontaria mais além, no processo assumido pelo Procurador-Geral Roberto Gurgel, o execrável fantasma do Mensalão.
De nada serviu a campanha da imprensa amiga, as desajeitadas tentativas de intimidação, até mesmo o empenho de adiar o julgamento, na acenada esperança dos rubros lenços da prescrição.
Enquanto a vaga nem tão célere do juízo anunciado tinha que sobrepujar escolhos inesperados, o otimismo dos réus, estribado em causídicos de nomeada, afetava uma indiferença que a arremetida do Ministério Público mostrava ser uma atitude de contido desespero.
O chefe e seus acólitos não recuaram, dentro de limites quase inaferráveis, de nenhum expediente que pudesse livrá-lo do gládio da justiça. Daí, as acusações do Promotor da Ação, daí os aranzeis contra supostos golpes contra as instituições.
O Supremo Tribunal Federal, em momento delicado, em que dois de seus principais ministros caem sob a cega aposentadoria compulsória, soube arrostar o desafio. Cezar Peluso despediu-se com magistral exposição de juiz firme e tarimbado, e Carlos Ayres Britto conduz, com a sua serenidade e gentileza conhecidas, o julgamento.
Não há como escatimar elogios para o trabalho consciente do Relator, Joaquim Barbosa. Com eventuais exceções, a Corte Suprema tem cumprido com o seu dever, que é de marcar o império da Lei, sem exageros, mas com a firmeza do bom Juiz.
Entra-se agora em fase decisiva de longa caminhada. Estão condenados os réus da corrupção passiva. Que passou a hora das esperanças de uma salvação pela cavalaria, não restam mais dúvidas.
Dessarte, os corrompidos se descobrem na iminência de ficar atrás das grades, em um desenvolvimento inaudito para a democracia brasileira, sempre pronta para permitir que filigranas processuais salvem os culpados de penas a valerem tanto pela justiça feita, quanto pela mensagem didática e deterrente.
No entanto, o colegiado se apresta não para um murcho desfecho, mas para a hora de individuar os corruptores, os chefes da quadrilha, e não mais os comparsas, anônimos ou não.
Soa a hora da onça beber água, este momento eletrizante que motivou o denodo, a coragem e a competência do promotor-geral, a que responderá, com a frieza da lógica irrespondível, que se há corrompidos, haverá por força agentes corruptores, nessa lôbrega hierarquia do mal.
( Fonte subsidiária: O Globo )
Nenhum comentário:
Postar um comentário