Não é a primeira vez que me ocupo do paralelo histórico entre
Plutarco Elias Calles e Luiz Inacio Lula da Silva. Plutarco (1877-1945) foi
presidente constitucional do México entre 1924 e 1928. Derrubado por uma
revolução, retomou posteriormente o mando, sendo na prática a autoridade máxima
do país, estando os presidentes constitucionais do período (1932 a 1936)
submetidos ao seu poder.
Foi a época dos presidentes-peleles (títeres), que incluíu um historiador de nomeada,
Emilio Portes Gil, que ocupou a
presidência de 1928 e 1930. Na prática, como líder-máximo Plutarco Elias Calles
era o verdadeiro mandante. A história é decerto rica de exemplos de tal
natureza, como na França proto-medieval, em que nos deparamos com os reis
mandriões (fainéant) e os prefeitos
do Palácio, como Charles Martel. Este último detém o avanço árabe em 732 e seu
filho, Pepino o Breve, funda em 751 a dinastia Carolíngia, ao depor naquele ano
o último monarca fainéant, Childerico
III.A história nos ensina que o exercício do poder – e o mando absoluto (no sentido de que lhe dera, à sua maneira, o presidente Harry Truman, ao colocar no seu gabinete, um tablete com as seguintes palavras: ‘the buck stops here’ - em linguagem figurada, quem tem a última palavra está aqui).
O exercício do poder supremo – em qualquer regime e, por isso, inserido no quadro institucional – independe na verdade de uma ordem estabelecida formalmente.
Uma série de
exemplos nos ajudará a uma melhor compreensão de tal realidade fática. Poucos
presidentes brasileiros inspiraram tanto respeito e obediência quanto Janio
Quadros, em seus fugazes sete meses no Palácio do Planalto. Sobretudo, a
princípio, seus bilhetinhos moviam
montanhas e motivavam a cidadania. Se o efeito foi efêmero, suas idiossincrasias eram aceitas pelo povo
que, depois da bonomia de Juscelino Kubitschek, desejava a inserção de um pouco de ordem e
de respeito no vasto galinheiro.
Como se vê, a circunstância de manifestar
vontade que pode mover montanhas nem sempre será garantia de um bom governo.
Hoje não alimentamos qualquer dúvida quanto a quem foi um grande, excelente
governante, e quem o vento das emoções semelhou por um tempo obedecer, para
depois depositá-lo na cesta das ilusões irrealizadas.Discerni, em blogs anteriores, a reexumação no relacionamento entre a criatura Dilma Rousseff e o criador Lula da Silva, de sopros passados de uma ambígua relação em que a detentora formal do poder presta uma allegéance (expressão de fidelidade) ao seu mentor e patronizador político.
Por manifestar-se não de forma burocrática e opressiva – como era o caso entre Plutarco Elias Calles e os presidentes peleles – a existência do fenômeno se afigura para o cidadão mais difícil de ser identificada. Em realidade, a prevalência de Lula se manifesta em casos determinados.
Vencida a grave doença que por meses atenazou Lula em luta terrível, de que o próprio expressa francamente a ameaça e o sofrimento impostos, o ex-presidente volta a atuar com a antiga desenvoltura. Toma iniciativas polêmicas, como a da última CPMI (dita do Cachoeira) que terá urdido para ajustar contas com desafetos, sem desperdiçar tempo em apurar se a sua existência criaria dificuldades para o governo de Dilma.
Por outro lado, Lula reza por uma cartilha que não é necessariamente a da Presidente. Ao contrários de outros presidentes, como Getúlio Vargas e JK, o rancor é uma magna força para motivar as suas jogadas políticas.
Contudo, o afeto – no sentido psicológico – nem sempre é bom conselheiro para o político. Além de toldar-lhe a vista – e quem sabe o bom juízo – a raiva e o ressentimento são ingredientes que podem levar a destinos (e resultados) imprevistos.
Vejam-se, por exemplo, os pleitos em Manaus e no Recife. Em ambos, os preferidos do máximo líder enfrentam ventos contrários, e, por isso, o tiro pode sair pela culatra.
Já no cenário paulista, Lula impôs a candidatura de Fernando Haddad, malgrado ser um noviço no prélio por cargos eletivos. Não só não hesitou em unir-se com párias políticos, como se os fins justificassem os meios, também considerou oportuno impor à Presidente Dilma Roussef que comparecesse em São Paulo a comício de entronização do ex-Ministro da Educação.
E neste singelo pormenor inscreve-se reconhecimento pouco confortável. Malgrado as afirmações repetidas da Chefe da Nação de que não pretendia comparecer a comícios como o acima citado, Dilma se curvou à determinação de seu padrinho e chefe político.
Lá está ela em São Paulo, confraternizando com Lula e Haddad, e dando o seu dito por não dito.
É uma forma de respeito que vai muito além das expressões de imorredoura gratidão. Dilma age nessas ocasiões como se dependesse de Luiz Inácio Lula da Silva. Sua autoridade – a despeito do temor que inspira a ministros e quejandos – dá em tais ocasiões a incômoda, quase molesta impressão, de que os 55 milhões e 752 mil sufrágios (56,05% dos votos válidos) que a elevaram à presidência não foram bastantes para que ela se conscientizasse da plenitude respectiva de seu poder constitucional.
O Brasil realmente é um país sui-generis. O presidencialismo, gravado na Carta Magna, tem de ser examinado sob a lupa de um estranho e adventício feudalismo, que, de certa maneira, relativiza a atuação da Presidente da República.
E agora, o que fazer, desses laços de reverencial temor, que semelham sobrepor-se às conveniências do cargo ?
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