quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O Maximato, versão Lula


                               
       Não é a primeira vez que me ocupo do paralelo histórico entre Plutarco Elias Calles e Luiz Inacio Lula da Silva. Plutarco (1877-1945) foi presidente constitucional do México entre 1924 e 1928. Derrubado por uma revolução, retomou posteriormente o mando, sendo na prática a autoridade máxima do país, estando os presidentes constitucionais do período (1932 a 1936) submetidos ao seu poder.
       Foi a época dos presidentes-peleles (títeres), que incluíu um historiador de nomeada, Emilio Portes  Gil, que ocupou a presidência de 1928 e 1930. Na prática, como líder-máximo Plutarco Elias Calles era o verdadeiro mandante. A história é decerto rica de exemplos de tal natureza, como na França proto-medieval, em que nos deparamos com os reis mandriões (fainéant) e os prefeitos do Palácio, como Charles Martel. Este último detém o avanço árabe em 732 e seu filho, Pepino o Breve, funda em 751 a dinastia Carolíngia, ao depor naquele ano o último monarca fainéant, Childerico III.
       A história nos ensina que o exercício do poder – e o mando absoluto (no sentido de que lhe dera, à sua maneira, o presidente Harry Truman, ao colocar no seu gabinete,  um tablete com as seguintes palavras: ‘the buck stops here’ - em linguagem figurada, quem tem a última palavra está aqui).
      O exercício do poder supremo – em qualquer regime e, por isso, inserido no quadro institucional – independe na verdade de uma ordem estabelecida formalmente.
      Uma série de exemplos nos ajudará a uma melhor compreensão de tal realidade fática. Poucos presidentes brasileiros inspiraram tanto respeito e obediência quanto Janio Quadros, em seus fugazes sete meses no Palácio do Planalto. Sobretudo, a princípio,  seus bilhetinhos moviam montanhas e motivavam a cidadania. Se o efeito foi efêmero,  suas idiossincrasias eram aceitas pelo povo que, depois da bonomia de Juscelino Kubitschek, desejava a inserção de um pouco de ordem e de respeito no vasto galinheiro.
      Como se vê, a circunstância de manifestar vontade que pode mover montanhas nem sempre será garantia de um bom governo. Hoje não alimentamos qualquer dúvida quanto a quem foi um grande, excelente governante, e quem o vento das emoções semelhou por um tempo obedecer, para depois depositá-lo na cesta das ilusões irrealizadas.
      Discerni,  em blogs anteriores, a reexumação no relacionamento entre a criatura Dilma Rousseff e o criador Lula da Silva, de sopros passados de uma ambígua relação em que a detentora formal do poder presta uma allegéance (expressão de fidelidade) ao seu mentor e patronizador político.
     Por manifestar-se não de forma burocrática e opressiva – como era o caso entre Plutarco Elias Calles e os presidentes peleles – a existência do fenômeno se afigura para o cidadão mais difícil de ser identificada. Em realidade, a prevalência de Lula se manifesta em casos determinados.
    Vencida a grave doença que por meses atenazou Lula em luta terrível, de que o próprio expressa francamente a ameaça e o sofrimento impostos, o ex-presidente volta a atuar com a antiga desenvoltura. Toma iniciativas polêmicas, como a da última CPMI (dita do Cachoeira) que terá urdido para ajustar contas com desafetos, sem desperdiçar tempo em apurar se a sua existência criaria dificuldades para o governo de Dilma.
    Por outro lado, Lula reza por uma cartilha que não é necessariamente a da Presidente. Ao contrários de outros presidentes, como Getúlio Vargas e JK, o rancor é uma magna força para motivar as suas jogadas políticas.
    Contudo, o afeto – no sentido psicológico – nem sempre é bom conselheiro para o político. Além de toldar-lhe a vista – e quem sabe o bom juízo – a raiva e o ressentimento são ingredientes que podem levar a destinos (e resultados) imprevistos.
    Vejam-se, por exemplo, os pleitos em Manaus e no Recife. Em ambos, os preferidos do máximo líder enfrentam ventos contrários, e, por isso, o tiro pode sair pela culatra.
    Já no cenário paulista, Lula impôs a candidatura de Fernando Haddad, malgrado ser um noviço no prélio por cargos eletivos. Não só não hesitou em unir-se com párias políticos, como se os fins justificassem os meios, também considerou oportuno impor à Presidente Dilma Roussef que comparecesse em São Paulo a comício de entronização do ex-Ministro da Educação.
    E neste singelo pormenor inscreve-se reconhecimento pouco confortável. Malgrado as afirmações repetidas da Chefe da Nação de que não pretendia comparecer a comícios como o acima citado, Dilma se curvou à determinação de seu padrinho e chefe político.
    Lá está ela em São Paulo, confraternizando com Lula e Haddad, e dando o seu dito por não dito.
   É uma forma de respeito que vai muito além das expressões de imorredoura gratidão. Dilma age nessas ocasiões como se dependesse de Luiz Inácio Lula da Silva. Sua autoridade – a despeito do temor que inspira a ministros e quejandos – dá em tais ocasiões a incômoda, quase molesta impressão, de que os 55  milhões e 752 mil sufrágios (56,05% dos votos válidos) que a elevaram à presidência não foram bastantes para que ela  se conscientizasse da plenitude respectiva de seu poder constitucional.
     O Brasil realmente é um  país sui-generis. O presidencialismo, gravado na Carta Magna, tem de ser examinado sob a lupa de um estranho e adventício feudalismo, que, de certa maneira, relativiza a atuação da Presidente da República.
    E agora, o que fazer, desses laços de reverencial temor, que semelham sobrepor-se às conveniências do cargo ?

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