quinta-feira, 31 de março de 2011

A Dádiva de Lula

     Dado o agravamento inflacionário, assinalado pelo primeiro Relatório de Inflação do Banco Central, relativo ao governo da presidente Dilma Rousseff, o pensamento voa para a revelação recente do WikiLeaks, concernente a um apelo algo patético de Henrique Meirelles ao embaixador americano Clifford Sobel, em agosto de 2006.
    Na primeira entrevista de Sobel com Meirelles – cuja desenvoltura nesse terreno não é das menores, dada a sua folha de serviços nos EUA a banco americano – o presidente do BC encareceu à autoridade estadunidense sua intermediação (lobby) para que o governo americano, em seus próximos contatos com o presidente Lula, pedisse que ele, através de lei, tornasse realidade a autonomia do Banco Central do Brasil.
   Não entrarei na propriedade de tal solicitação – que, a exemplo de tantas outras no WikiLeaks, tende a ser desmentida pelos implicados. No entanto, ela me recorda a expressão italiana: se non è vero, è ben trovato . Da relevância desta autonomia, o presidente Meirelles frisou bem a importância, ao subordinar para a novel Presidenta Dilma Rousseff que sua permanência à testa do Banco condicionava-se ao atendimento de tal requisito.
   O empenho de Meirelles em que esta garantia fosse por fim instituída, diz muito sobre a suposta autonomia virtual de que teria gozado nos oito anos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A promessa de Lula de que não interviria na competência do Banco Central teve validade curta, não à prova de maiores oscilações macroeconômicas. Em época de crise, tais garantias não são confiáveis, como o inopinado apelo do banqueiro ao embaixador terá desvelado. De toda maneira, não se sabe se a súplica de Meirelles, consoante transmitida, foi atendida pelo governo de tio Sam. O que é, convenhamos, irrelevante, porque a situação continua no mesmo pé, com a diferença de que à frente do banco se acha o novato Alexandre Tombini, e não mais o calejado Meirelles.
    Na sua disposição – tanto FHC, quanto Lula – de se submeterem às prescrições do mercado, os presidentes brasileiros – e a inclusão neste rol de Dilma semelha óbvia -, não exibem flexibilidade que vá até o ponto de conceder à autoridade monetária autonomia similar à desfrutada pela Federal Reserve, o banco central estadunidense.
   A esse propósito, devo reconhecer que nem sempre pensei dessa forma. Diante da irresponsabilidade fiscal demonstrada por Lula – e seu zeloso auxiliar Guido Mantega -, me conscientizo de que, como a gravidez, a desejada autonomia não existe pela metade. Ou o Banco Central é autônomo, ou não é. Não dá para esconder-se por detrás do spin presidencial que, a pretexto de não querer despojar-se de mais este penduricalho do poder do Chefe da Nação, afirma que essa autonomia de boca vale o mesmo do que aquela consignada em lei. Infelizmente, a realidade vem demonstrando que não é bem assim.
   Os leitores se recordarão das minhas referências aos boletins da OKW – iniciais do alemão relativo a Alto Comando do Exército (nazista). Enquanto os ventos sopraram favoráveis às forças nazistas, os comunicados da OKW eram modelo de veracidade. Ao mudarem os ventos, também mudou a linguagem desses boletins, que passou a tomar certas liberdades com a realidade dos fatos. No meu entender, tal característica, infelizmente, não é privativa dos boletins nazistas. Todo o comunicado oficial costuma tratar a realidade nua e crua com as luvas de pelúcia da alegada conveniência burocrática.
   À Presidente Dilma, com o seu approach desenvolvimentista e, q.e.d ., tocadora de obras, bastou o aceno de Meirelles ao condicionamento da colimada autonomia para que implicasse na sua não-confirmação. Não são, decerto, necessários ulteriores elementos para que se evidencie a falta de simpatia de Dilma com a ortodoxia financeira, máxime no que concerne a esse reforço da autoridade monetária na luta contra a inflação.
    Estamos vendo agora onde fomos parar com a abertura das cancelas no combate à marolinha e com a explosão do facilitário e do consequente afrouxamento das proteções quanto à expansão da procura diante das limitações da oferta.
    Será através da taxa de juros que se intenta o controle da inflação. Pelos condicionamentos eleitoreiros, demorou a ser acionado o mecanismo do Copom quanto ao aumento da taxa Selic. Essa dádiva de Lula vem sendo sentida até hoje, com o intempestivo retorno do dragão, criatura de que o brasileiro se desacostumara por um período razoável de tempo.
    Dessarte, o primeiro boletim oficial do BC acerca da inflação no mandato de Dilma Rousseff sinaliza (a) que não é possível atingir a meta fixada para a inflação em 2011 (4,5%) e (b) o IPCA deve fechar em 5,6%, mas não se exclui a margem de tolerância que vai até 6,5%.
    O principal responsável seria o choque gigantesco – segundo o diretor de política econômica do BC, Carlos Hamilton de Araújo – provocado pela explosão nas cotações das commodities (produtos de base), desde agosto de 2010.
    De acordo com esse cenário, o IPCA – que ultrapassará no terceiro trimestre deste ano o teto de 6% - motivará os esforços do Banco para evitar a contaminação de outros setores da economia.
    A generalizada indexação da economia perdurou mesmo no período em que a inflação foi mantida em níveis baixos. Esse lamentável remanescente da época inflacionária volta agora a tornar as coisas mais difíceis. Diante da expectativa da alça de preços – e de uma ganância, que de latente passa a manifesta e incontida – a pletora dos indexadores servirá para municiar os fornos inflacionários.
    O dever de casa – que não foi atendido no segundo mandato de Lula, sobretudo na gestão de Guido Mantega – nos traz para a sala de visitas uma criatura que foi a principal responsável pelas décadas perdidas em nosso desenvolvimento.
     É uma maneira melancólica de confirmar a antiga oposição de Lula e do PT ao Plano Real. Sem ser convidada, ei-la de volta. O que dona Dilma fará, não sei. Mas é bom que saiba duas coisas e meia: (a) o dragão da inflação não tem medo de cara feia; (b) truques não adiantam (já experimentamos todos), e o dever de casa tem de ser feito; (c) auxiliares muito inventivos e acomodatícios não servem.

 
                                                                             ( Fonte: O Globo )

  1. Se não é verdade, está bem posto.
  2. Papo furado.
  3. OberKommando der Wehrmacht.
  4. Quod est demonstrandum – o que deve ser demonstrado.

 

quarta-feira, 30 de março de 2011

Vexame à vista ?

O Brasil de Lula prometeu mundos e fundos para ter a oportunidade de sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. No campo futebolístico, não somos anfitrião de Copa do Mundo desde a Jules Rimet de 1950. Em época de menores exigências, construíu-se o Maracanã, por muitos anos o maior estádio de futebol do planeta.
 Talvez a nossa longa pausa em pleitear a sede de outra copa tenha a ver com o trauma da incrível derrota de 16 de julho de 1950 para a Celeste uruguaia, diante de duzentos mil calados torcedores. Ao contrário de tantos outros, o Brasil, a partir da Suécia, em 1958, encetou a corrente de títulos mundiais, conquistados não na própria terra, mas em estádios e países estrangeiros (Chile, 1962; México, 1970; Estados Unidos, 1994; e Japão, 2002).
 O nosso futebol mostrou que sabe vencer também em terreno alheio, tanto na Europa, América do Sul e do Norte, quanto na Ásia. De resto, não é decerto por acaso que somos o único país a ter disputado todas as Copas (desde 1930). Falta apenas corrigir o histórico tropeço de 1950, e levantar o caneco igualmente no solo brasileiro. Quanto à Oceânia, disputaremos o troféu sempre que o certamen seja lá realizado. Em tempo oportuno, soubemos arrebatar a ocasião de realizar esses dois torneios.
A conquista mais dificil foi a da Olimpíada, em que vencemos os pleitos de Chicago, Tóquio e Madri. Preparamos muito bem – talvez demasiado bem – a candidatura, reforçada com as promessas e a simpatia que sóem ser o nosso forte. Louvados em exemplos de cidades que nos antecederam no galardão olímpico – não carece mencionar os diligentes chineses em Beijing – e mostraram em Barcelona e Atenas o que uma metrópole pode lucrar em ganhos permanentes, urbanísticos e de infraestrutura, graças à temporária circunstância de hospedar a Olimpíada. Julgamos oportuno carregar o calendário futuro com dois magnos eventos, a Copa de Mundo e as Olimpíadas. A África do Sul, a última anfitriã selecionada pela Fifa, a despeito de preocupações de última hora, soube vencer o desafio de ser o primeiro país africano a organizar a Copa.
Mais do que o descalabro de nossos aeroportos – com Guarulhos e Galeão à frente - o que inquieta os observadores – e nisso existe melancólico consenso de nacionais e estrangeiros - não é a situação presente, ridiculamente inadequada, mas a falta de qualquer indício sério de que se estão tomando as indispensáveis e devidas providências. Da Suiça nos chega o puxão de orelhas de Herr Joseph Blatter, o presidente da FIFA. Todas as obras estão atrasadas – algumas delas nem saíram do papel – enquanto os responsáveis de turno acionam o conhecido desculpômetro. Cercados pelo estado deplorável da infraestrutura de transportes – que não se cinge somente aos terminais aéreos – a opinião pública e os observadores estrangeiros se perguntam se e quando se fará algo para dotar o Rio de Janeiro (sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas) e São Paulo (um dos centros da Copa) de terminais aéreos modernos, e não os vetustos galpões com que ora se depara o pobre viajante.
 A imprensa internacional, por intermédio do New York Times, soa o previsível alarme com artigo bastante pessimista, sob o título “Grandes Esperanças Rapidamente se desfazem no Brasil”. Após descrever o estado atual do aeroporto de Guarulhos, cita um executivo americano: ‘Detesto este lugar. Seria de pensar que um país como o Brasil já poderia ter dado um jeito nisso’.
 A perplexidade do alienígena – e do nacional – é plenamente compreensível. E também o ceticismo do jornalista, como se fora problema insolúvel, que teria a ver com a ineficiência do equipamento em geral no Brasil. A tal respeito se citam declarações do Ministro Orlando Silva Jr. que não me parecem provir de um país que teve Juscelino Kubitschek como presidente: ‘Precisamos começar a controlar a expectativa da população. A ideia de que vamos compensar trinta anos sem investimento em infraestrutura em apenas quatro anos provavelmente nunca foi realista.’ Segundo consta, a Presidente Dilma Rousseff não tinha o Ministro Orlando Silva como seu preferido para a Pasta dos Esportes. Talvez lhe conhecesse a medíocre atuação pregressa no governo Lula, em que o nosso esporte e atletas tampouco progrediram, apesar do óbvio potencial de país como o Brasil.
 Não obstante, Dilma acabou por submeter-se à imposição do PCdoB, que queria a continuação deste seu quadro no ministério. Infelizmente, se a Presidente deseja realmente virar a página no descaso reservado à infraestrutura pelo governo Lula, ela precisa colocar as pessoas certas nos lugares importantes. Não deixá-los à deriva como estão os Ministérios dos Esportes e do Turismo (com o apagado deputado Pedro Novais, da quota de José Sarney) e a própria Infraero. Organismo disfuncional, inchado pelos afilhados políticos sem qualquer competência, a Infraero é o retrato da ‘prioridade’ atribuida por Lula da Silva a tudo que se refere à infraestrutura. Outra coisa que consterna é não ver-se até agora despontar em parte alguma a capacidade empreendedora e realizadora do brasileiro. Se fomos capazes – é verdade, que sob a liderança de um grande presidente – de construir em menos de cinco anos a capital federal no interior do Brasil – e a indispensável infraestrutura rodoviária - num tempo em que, nas palavras de Frei Vicente, nos apégavamos às costas, como os caranguejos arranham as praias, não podemos nos refugiar nessa linguagem derrotista de empurrar para o passado a causa de um fracasso hodierno. JK não perdeu tempo em choramingos do gênero. Tratou de olhar para a frente. É o que a senhora deve fazer, dona Dilma. Não se esconder atrás das desculpas. Isso é a linguagem dos incompetentes, daqueles que o tempo esquece depressa. É mais do que hora de encontrar gente capaz de tocar as obras necessárias. Mandemos às urtigas a linguagem dos perdedores.
 Trate de resolver o problema, dona Dilma, e se houver gente no meio do caminho, a senhora afinal foi eleita para defender o interesse do Brasil. Vamos desmentir as cassandras estrangeiras. Para isso, no entanto, é preciso competência, coragem e determinação. De nada serve aguentar incompetentes, mesmo que bem apadrinhados. Se ficar com eles, vai para o fundo junto. Não creio que seja esta a sua vontade e ambição. ( Fonte subsidiária: International Herald Tribune )

terça-feira, 29 de março de 2011

E a Justiça, hein ?

Da Justiça no Brasil, existem duas realidades. A corporativa, caracterizada pelos altos salários – tristemente a remuneração do Supremo passou a ser o teto do funcionalismo - pelas longas férias e curtas semanas, pelos profusos auto-elogios, pela verbosidade – que se estende, na verdade, também aos advogados – e pelo crescente descompasso entre a imagem interna e aquela da população. A outra realidade, na verdade já embutida na primeira, é como os pobres mortais, aqueles que precisam recorrer a essa classe privilegiada, a vêem. A despeito de suas inúmeras vantagens, seja na remuneração, seja nos dias laborais, o consenso, malgrado toda a fala sobre agilização e democratização, é que o homem do povo a encara como lenta, burocrática e com demasiados privilégios. Para que não se diga que estou remexendo em velhas e poeirentas gavetas, começo por citar duas notícias hodiernas. O Globo, em página interna, publica: “Juizes federais ameaçam fazer greve- Associação pede que salários passem de R$22,9 mil para R$26,3 mil”. E a Folha de S. Paulo, em primeira página, estampa: “Tribunal de SP vai pressionar juízes por mais produtividade”. Enquanto a faceta negativa, luz solitária na nota do jornal carioca, pelo menos a evidencia da lentidão judiciária vem acompanhada de uma tentativa de reação, no órgão da imprensa paulista. Todos nós sabemos que os juízes são muito bem pagos. Se há um certo exagero nas remunerações do Supremo – e no açodamento com que Suas Excelências tratam de atualizá-las a cada ano -, tal pode ser considerado como algo positivo. Desde que, no entanto, essa munificência do Tesouro – que não se estende aos demais mortais – seja complementada por prazos mais curtos no andamento dos processos. Existe um certo autismo de nossa Justiça. A ouvir os gordos, apetitosos elogios com que os magistrados se mimoseiam, podemos pensar em uma eventual justiça voltada para os interesses do povo. O que vemos, no entanto, é a burocracia das filas de protocolo dos processos, a duração tarda e hiperburocrática das ações, a paquidérmica lentidão das ações, e um viés preocupante, em que assassinos confessos, dotados de hábeis causídicos, postergam para as calendas a respectiva prisão (que é reservada, em muitos casos, para aqueles sem tais meios). Que os juízes ordinários, que desfrutam de tantos privilégios, queiram ser equiparados aos vencimentos dos Ministros do Supremo é levar a anomia judiciária, no campo dos salários, ao extremo do contrassenso.Sua direção, de resto, não se peja de ameaçar com a greve, que antes seria impensável para os doutos magistrados de antanho. Dado o exacerbado corporativismo da classe, provoca estranheza esta aparente contradição em uma categoria dedicada não só à aplicação da lei, mas também à equidade e à ambição de fazer jus ao respeito dos seus concidadãos. Até a implantação do controle externo da magistratura – esta classe de que os eventuais transgressores ainda não podem ser recolhidos às prisões, posto que devida e legalmente condenados, em contradição com cláusula pétrea da igualdade dos cidadãos – vem sendo aplicada de forma insatisfatória, em que a períodos de maior ativismo, como no anterior Conselho Nacional de Justiça, se sucedem outros, de aparente calmaria. A própria instituição do controle – ao contrário do direito italiano, em que a presidência do Conselho cabe ao Presidente da República – aqui já nasceu com viés corporativo.Assim, o alcance de cada CNJ dependerá muito de seus presidentes de turno que são, como se sabe, também os presidente de turno do Supremo Tribunal Federal. Dessarte, a reforma já nasceu sob o controle do poder que se quer controlar... ( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )

segunda-feira, 28 de março de 2011

Dilma: Primeiro Trimestre

O mês de março se acerca do fim, completando o primeiro trimestre de Dilma Rousseff. As pesquisas apontam para boa aceitação, na mesma linha do Presidente Lula, no segundo mandato. Ao invés do antecessor – e criador -, a Presidente Dilma não fala muito. A sua presença, no entanto, tem sido marcante, para quem pensa poder ignorar-lhe a atenção. Veja-se, por exemplo, o caso do Presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), que acreditou lograr inserir artigo que prorroga os contratos de concessão de lojas comerciais em todos os aeroportos. O veto por Dilma da esperteza politiqueira de Maia – que o líder Candido Vaccarezza antecipara – sublinha a postura presidencial dentro de sério propósito de realizar geral reforma na administração de nossos aeroportos. Em termos de gerência, a Presidente não carece de treinamento no cargo. Para tanto, ela dispôs do segundo mandato de Lula. Por outro lado, os primeiros cem dias – que se completam em abril – atravessam período em que os feriados virtuais – e o carnaval não é decerto o menor deles – poderiam representar um empecilho para o trabalho. A imagem de Dilma – que brilha nas colunas – não semelha haver sofrido muito com tais interrupções. Do lado da política externa, assinalam-se reajustes relevantes, como a normalização das relações com Washington e a primeira correção quanto ao ‘amigo Ahmadinejad’. Nesse capítulo, preocupa-me, no entanto, a suposta ênfase de Dilma na ‘diplomacia de resultados’. Recordo de Ministro das Relações Exteriores, indicado pelo Presidente Tancredo Neves, e que pretendeu caracterizar a própria gestão sob esse slogan. Cedo ter-se-á arrependido do rótulo que não convive bem com a atividade diplomática. Ao contrário de outras atividades, a diplomacia sói ser exercício paciente, em que se privilegia a filosofia básica e o modus faciendi. Demasiado açodamento na marcação de metas e objetivos tende, em geral, a dificultar-lhes a eventual implementação. Por isso, a discrição - conjugada com habilidade e paciência - é a norma básica do negócio das relações exteriores. Muito alarde sobre resultados só serve para tornar mais pesado o fardo do diplomata – e provocar desnecessárias cobranças. A imagem de Presidente tampouco se afigura um produto imediato. Coerência, tenacidade e firmeza não se provam na pena ligeira de um jornalista. Por isso, o retrato para os pósteros não se obtém em corridas de cem metros, mas exige a aturada resistência de um corredor de fundo. Quantos presidentes não encetaram o mandato sob gerais aplausos, para saírem de cena, ou quase inadvertidos, ou debaixo de apupos? Por isso, não nos precipitemos em coroar de louros a presidente que mal inicia longa, árdua e traiçoeira jornada. Nessa trajetória, a chefe da nação será pesada em muitas balanças. Ela se houve bem nos primeiros entreveros com o Congresso e na convivência com uma equipe (?) ministerial, da qual grande parte não teria sido escolhida por ela. Para a respectiva imagem futura, contará e muito o modo com que souber livrar-se dos pangarés e dos não afinados com o seu programa. Na sua rota, antevejo escalas problemáticas. O Presidente Cezar Peluso pode igualmente não estar julgando adequadamente a nova titular do Palácio do Planalto. O seu anúncio de que vai conversar com ela sobre o exame prévio pelo Supremo das leis havidas como ‘problemáticas’ parece indicar que ele conta incrementar o poder do STF à custas das prerrogativas constitucionais da Presidente da República e do Congresso. Outro sinal vermelho, também localizável na Suprema Corte, se acende no caso de eventual nova decisão do Supremo, revendo a anterior, e determinando a extradição de Cesare Battisti. Já desperta espécie a manutenção da prisão deste refugiado político pelo presidente do Supremo. Entre os problemas que vão cair no colo de Dilma – pelas negaças e contemporizações de seu antecessor – está o da sorte de Cesare Battisti. Manda a jurisprudência e a decisão do Presidente Lula – inda que na vigésima-quinta hora – que, de acordo com a tradição democrática brasileira, seja dada acolhida por nossa terra, à postulação desse antigo asilado do Presidente François Mitterrand. Não ficaria bem para o Brasil – e muito menos para sua primeira Presidenta – que Battisti seja escorraçado para cárcere italiano, sob a dúbia justificativa de uma sentença à revelia, baseada na suspeita denúncia de um delator premiado.

domingo, 27 de março de 2011

Colcha de Retalhos LXXIII

Palpite Infeliz Apesar de haver suspenso – pelo menos temporariamente – a Lei da Ficha Limpa, o que conseguiu por apenas um voto, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, se acredita com as velas pandas para ir além. Deixemos de lado o aspecto negativo de contrariar a vontade popular, claramente expressa pelo Movimento de combate à corrupção eleitoral, e de que a Ministra Ellen Gracie, em boa hora, enfatizou o interesse manifestado em centenas de e-mails. Pois não é que o Ministro Peluso pretende propor à Presidente Dilma Rousseff controle prévio da constitucionalidade para projetos aprovados pelo Congresso e enviados à sanção presidencial. Segundo o Ministro, a medida evitaria que o STF tenha depois de decidir sobre a constitucionalidade de determinada lei. Na hipótese de a Presidente acolher a ideia, haveria necessidade de elaborar emenda constitucional, porque obviamente o Supremo não dispõe desse poder. Para explicar essa inopinada proposição, o Presidente Peluso aduz: “Se houvesse uma consulta prévia ao STF, a Lei da Ficha Limpa não teria gerado tanta discussão sobre sua constitucionalidade”. Data venia, a sugestão de Sua Excelência não me parece apropriada. A par de que Câmara e Senado já possuem comissões de Constituição e Justiça, justamente encarregadas de analisar a constitucionalidade das propostas apresentadas pelos parlamentares, a Presidente da República igualmente dispõe do poder constitucional de sancionar (ou vetar, no todo ou em parte) os diplomas legais que lhe são encaminhados pelo Legislativo. Também a Chefe da Nação tem a assessoria jurídica adequada para avaliar os projetos de lei que lhe são apresentados pela instância competente. Há outras implicâncias interessantes (e reveladoras) na justificativa ad hoc de que se serviu o Ministro Cezar Peluso. A discussão sobre a constitucionalidade da lei complementar nr. 135 se cingiu precipuamente àqueles políticos que a Ficha Limpa afastaria do Congresso pelas razões conhecidas, e a altercação no Supremo, cindido em duas alas, até a chegada providencial do Ministro Luiz Fux. Não que a discussão se deva evitar, senhor Ministro. Iniciativas com a do MCCE se beneficiam e como do conhecimento e da divulgação que os debates de bom nível proporcionam. Na verdade, essa larga oposição que existiria contra esse projeto moralizador só foi encontrável nos bancos do Supremo. Tanto na Câmara, quanto no Senado, determinada a vontade da opinião pública – e ainda mais em ano de eleição – não surgiu nenhum congressista que se aventurasse a tentar barrar-lhe abertamente o caminho. Basta consultar as atas das sessões e o resultado das votações respectivas, para que verifique o unânime apoio dos representante do povo ao projeto de lei de iniciativa popular. Por fim, senhor Ministro Peluso, o STF é a Corte Constitucional por excelência. Portanto, quanto a esse poder que Vossa Excelência reclama, o Supremo já o possui. Só que nos tempos e prazos previstos. Não busquemos, portanto, introduzir na Lei Magna brasileira institutos que ela, segunda a própria tradição constitucional, jamais previu. Como no modelo americano, o Congresso legisla, o Presidente sanciona, e o Supremo julga a conformidade das leis com Constituição. Na Praça dos Três Poderes, no equilíbrio do traço de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer , cada Poder está presente. E é bom que assim seja, para que o sistema dos checks and balances continue a prevalecer, sem condicionamentos excessivos e esdrúxulos. A tragédia do Voo 447 da Air France Esse grande desastre aéreo, na noite de 1º de junho de 2009, em que o Airbus A330-200 da Air France, na rota Rio – Paris, afundou no oceano Atlântico, supostamente por causa de uma grande tempestade tropical, não pôde ainda ser esclarecido como devera. Morreram 228 pessoas, entre passageiros e tripulantes, dos quais apenas 51 corpos foram encontrados (e mais de seiscentos restos materiais da aeronave). A longa procura, no entanto, pelas chamadas caixas pretas não foi interrompida. A despeito que cerca de 7.250 km2 do solo marinho tenham sido observados, até o presente não foram descobertas as caixas. Deverá estar recomeçando nesses dias a busca na área indicada como a provável no sinistro aéreo. A equipe disporá dos sonares mais modernos e de câmeras de altíssima resolução para encetar a procura da fuselagem da aeronave. Somente para esse esforço serão cometidos pela Airbus e Air France US$ 12,5 milhões, com prazo previsto até princípios de julho. As duas companhias já dispenderam mais de US$ 27 milhões nessa pesquisa. Por outro lado, a juiza Sylvie Zimmerman decidiu colocar a empresa Airbus sob investigação formal, com a acusação de ter sido parte na morte involuntária das 228 pessoas a bordo. O diretor-executivo da Airbus, Thomas Enders, manifestou a sua ‘veemente discordância’da decisão da juíza de instrução. Dever-se-á seguir a audiência com o diretor-executivo da Air France, Pierre Henri Gourgeon, para o que se presume seja também a companhia aérea colocada sob investigação. Na lei francesa, ser colocado sob investigação formal é fase do processo anterior à acusação criminal formal, mas tampouco exclui um eventual julgamento. É importante verificar que apesar do tempo passado – e malgrado usanças de outros países – tanto as empresas, quanto a justiça continuam a tentar resolver o mistério desse desgraça aérea no meio do Atlântico. Por falar nisso, como andaria o julgamento relativo ao desastre do Voo 1907 da Gol, de 9 de dezembro de 2007 ? Por causa dessa catástrofe aérea, em que morreram 159 pessoas, houve protestos de brasileiros, ao ensejo da recente visita do Presidente Barack Obama ao Brasil. Familiares das vítimas reclamaram de falta de justiça, em especial no que respeita ao controverso procedimento dos dois pilotos americanos, que conduziam o jato Legacy da Embraer para os Estados Unidos, e que se chocou com o avião da Gol. ( Fonte: International Herald Tribune )

sábado, 26 de março de 2011

Ficha Limpa: Mouros na Costa ?

A infeliz decisão de dividido Supremo sobre a lei complementar nr. 135, de 4 de junho de 2010, merece não só comentários, senão chamado à sociedade civil. Acena-se agora com a possibilidade de que a constitucionalidade da lei ou de algumas de suas disposições venham a ser contestadas perante o tribunal. Paira implícita a ab-rogação do diploma legal, ou a emasculação de suas principais medidas moralizadoras.
A tal propósito, na sessão do STF que se concluíu pelo empate – e levou à confirmação da sentença do Tribunal Superior Eleitoral, que se pronunciara pela validade da aplicação da Ficha Limpa para a eleição de 2010 – cabe recordar que o Presidente da Suprema Corte, ao discorrer de forma genérica sobre a lei, deixara entender que tinha dúvidas sobre a sua constitucionalidade. Como o colegiado não se mostrou receptivo a aprofundar a questão, o debate se cingiu ao que fora trazido ao conhecimento do STF.
Parentética ou não, pareceu óbvio que o Presidente Cezar Peluso admitiria a discussão do tópico no caso de ação futura. Por outro lado, o ministro Gilmar Mendes, em mais de uma oportunidade, não fez segredo de que considera inconstitucional a lei da Ficha Limpa.
O colunista Janio de Freitas alude, outrossim, ao papel outorgado na ocasião ao novel juiz da Corte, transformado em juiz dos juízes. Dada a diferença de um único voto, é, segundo o articulista, questionável a “conformidade com a Constituição”, dada a vulnerabilidade ao acaso de uma indicação feita, entre outras, à presidente da república.
Nesse contexto, me parece oportuno relembrar o que já fora aqui mencionado, quanto à superficial atenção dispensada pelo Executivo no processo de indicação de ministros do Supremo. Nos Estados Unidos, v.g., seria impensável este quase autismo presidencial. Consciente da importância dos ministros vitalícios da Suprema Corte – e lá são oito juizes-associados e um juiz-presidente -, o Presidente, seja democrata, seja republicano, procede a cuidadoso levantamento do histórico do candidato ou candidata, com análise das principais decisões e pronunciamentos, a que se agrega longa entrevista na Casa Branca. Lá a principal preocupação é o viés do magistrado, com o G.O.P. favorecendo o aspecto conservador, e o democrata, a atitude mais liberal, o que inclui a manutenção da jurisprudência em favor do aborto, de acordo com a decisão de janeiro de 1973 da Suprema Corte no célebre caso Roe v. Wade.
Da desimportância que o Executivo brasileiro parece conferir à apreciação mais aprofundada do pensamento e orientação do novo Ministro – de que o Senado Federal tampouco destoa, eis que as apreciações na comissão costumam ser perfunctórias, a ponto de a tramitação poder resumir-se a uma quarta-feira, como sabemos, o dia da capacidade plena de nosso poder legislativo – o caso em tela semelha fornecer um bom exemplo.
Não creio que a nossa presidente haja sequer cogitado da possibilidade de manter entrevistas com os eventuais candidatos, a par de examinar os nomes da lista que lhe fora submetida, e de colher eventuais opiniões de pessoas que ratione materiae[1]lhe merecem confiança. Seria de todo interesse que, no futuro, mais atenção fosse dada a esse aspecto. O Brasil não é mais um país de là-bas, e o seu peso institucional e econômico aconselharia que se dispensasse às grandes escolhas – e a dos ministros do Supremo é uma delas – o cuidado e a ponderação a que fazem jus.
Nessas condições, e dada a relevância da Lei da Ficha Limpa, pareceria lógico que a Chefe de Estado (e de Governo) se interessasse – sempre de forma geral – sobre a orientação dos candidatos, máxime se se tiver em mente as implicações de seu primeiro voto. Se não é, decerto, questão a ser especificada, dadas as implicações éticas, alguma noção a primeira Magistrado da Nação carece de ter, para evitar que o indicado seja uma virtual caixa-preta para quem tem a responsabilidade constitucional de designá-lo.
Outro aspecto que merece reparo é o açodamento de alguns em levantar sombrias perspectivas para a lei complementar nr. 135 e não apenas com respeito a esse fiasco da abertura da cancela do Legislativo (e do Executivo) a figuras como Jader Barbalho. O Ministro Gilmar Mendes vai além nas suas restrições à lei de iniciativa popular: apesar de se declarar a favor da depuração da vida pública, vê com preocupação a renúncia ao mandato como critério para exclusão dessa mesma vida pública. Escaparia porventura ao arguto Ministro Gilmar Mendes o real significado desse dispositivo da lei, que visa a eliminar artifício a que políticos ameaçados de cassação recorriam, justamente para inviabilizar a suspensão dos direitos políticos ?
Como o silêncio da sociedade civil poderia vir a ser interpretado como tibieza no respaldo da lei complementar nr. 135, importa sinalizar a amplitude do sentir do Povo soberano. Em resposta aos paladinos de causa que só logra prosperar em meio a sinuosos desígnios, e ainda mais contorcidas justificativas, cumpre desde logo iniciar campanha de divulgação e atualização da imperiosa necessidade de salvaguardar, na sua inteireza, a lei da Ficha Limpa.
Esta lei, fruto da vontade de dois milhões eleitores signatários, constituiu muito provavelmente o mais importante instituto legal da passada legislatura, marcada pela omissão e pelos escândalos impunes. Chamá-la de fascista e de outros apodos do gênero faz parte da técnica de ataque de grupos sectários e antidemocráticos. Buscam desmoralizar a mensagem de esperança e de moralização política através de campanha sistemática de confusão e deturpação da grande finalidade da lei – que é a de reafirmar a prevalência da ética na atividade política, de acordo com o preceito aristotélico. A sua aplicação será instrumental para a eleição de políticos que possam aspirar a merecer da sociedade civil o apreço, o respeito e o orgulho, outrora apanágio dos representantes públicos.

( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo)
[1] por causa do assunto.

sexta-feira, 25 de março de 2011

A Ditadura de al-Assad em perigo ?

A revolução democrática como vasta mancha de óleo se estende pela nação árabe.Embora, em nenhum estado, ela possa declarar-se cristalizada em forma estável, sua progressão acentua-se em alguns, em outros a agitação persiste e, por fim, em muitos deles, há sintomas que indicam o contágio.
Assim, em breve sínopse, na Tunísia e no Egito, a revolução avança em meio a resistências, na Líbia a intervenção estrangeira buscar ajudar a coalizão rebelde, enquanto Kadaffi não dá sinais de saída voluntária. No Iêmen o ditador Ali Abdullah Saleh se apega ao poder com a tenacidade de um polvo a despeito da larga oposição popular e da adesão de comandantes militares. No Bahrein o rei sunita da maioria xiita parte para a repressão com o apoio de contingente mandado pelo inquieto soberano da Arábia Saudita. Já no Magreb, a insatisfação se manifesta em auto-imolação na Mauritânia, em distúrbios na Argélia de Abdelaziz Bouteflika, em manifestações pró-democracia no Marrocos do rei Mohamed VI, em outras manifestações e passeatas na Jordânia do rei Abdulah II. Por ora, há expectativa e pouco mais nos restantes pequenos estados do Golfo.
Tenha-se presente que a ideia democrática – lançada pelo sacrifício de Mohamed Bouazizi, mártir da revolução tunisiana – se choca contra as muralhas da autocracia, estendida em todo o mundo árabe, com a única exceção do conturbado Líbano. Essa longa cultura do arrocho ou da supressão da liberdade se acha demasiado entranhada para que o eventual trabalho de extirpá-la seja tarefa simples. Através da longa noite da desinformação, os diversos ditadores, amiúde sob o disfarce das democracias adjetivadas, logram manter o controle da população, partilhando ou não o poder com o exército, que constituirá sempre, e por óbvias razões, a casta privilegiada.
O processo revolucionário está encetado na Tunísia e no Egito, posto que neste último subsistam grandes dúvidas quanto à criatura que o movimento da praça Tahrir há de gestar. Nos outros, o prognóstico está em aberto, por mais que a sorte do tirano iemenita semelhe ter os dias contados.
A grande surpresa – dentre o espanto geral no rastilho da centelha libertária na terra que dela parecia a negação – se encontra na Síria, que há cerca de quarenta anos é dominada pela família al-Assad. No modelo republicano-dinástico instituído pela Coreia do Norte, a República Síria, instaurada a ditadura pelo general Hafez al-Assad, ali implantou-se o terror controlado, a cargo da minoria alauíta, que domina o exército, que por sua vez domina o país. Na década de oitenta, a supressão com milhares de mortes da movimentacao fundamentalista sinalizou para os eventuais céticos o que teriam de enfrentar, caso se dispusessem a contestar o arbítrio.
A sucessão de Hafez al-Assad cairia não sob o herdeiro preparado pelo ditador. As Parcas contrariaram o seu propósito. Depois de um início claudicante, Bashar al-Assad parecia haver aprendido o mister de acordo com a cartilha da dinastia alauíta. Por causa do assassínio encomendado do ex- primeiro ministro libanês, Rafik Hariri, em 2005, de que pesadas suspeitas recaíram no regime sírio, al-Assad foi forçado a retirar as tropas de ocupação do vale da Bekaa, no interior do Líbano, terminando assim extenso protetorado que pesara sobre o débil regime democrático da multiétnica nação libanesa.
Apesar dos recuos, a Siria continuou a ser a potência regional naquela área do mundo árabe. O regime nunca alimentou dúvidas quanto à maneira com que trataria o dissenso. Nesse campo, a ditadura, por seus braços longos e especial brutalidade, nunca foi omissa na sufocação de qualquer aceno democrático.
A rebelião de Daraa – cidade ao sul da Síria, próxima da fronteira com a Jordânia – pode ser considerada como movimento do desespero, inequívoca atestação da força do sopro democrático que o ícone da revolução lançara nesse mundo de masmorras, torturadores e carrascos. O povo de Daraa, infiltrado segundo al-Assad por agitadores alienígenas (deveria ser estudado esse vezo dos ditadores de atribuir o novo e o revolucionário aos estrangeiros), além de manifestar-se e depois queimar os prédios do poder, teima em continuar a sair às ruas,ousando assim desmentir a localização e insignificância da contestação.
O chienlit [1]de Daraa – e sua eventual propagação a outras cidades – terá induzido o ditador al-Assad a um repensamento. Para evitar que a revolta se propague, prometeu reformas, v.g., o fim do estado de emergência (em vigor há 48 anos), aumento de salários do funcionalismo, criação de novos postos de trabalho e de comissão ‘para investigar a repressão em Daraa’. Havendo sido, inclusive, aventada a adoção do multipartidarismo (hoje o Baath é partido único) e garantias à liberdade de imprensa, compreende-se a desconfiança da opinião pública.
No foco do levante houve pelo menos 44 mortos. Como não há menção de livramento dos prisioneiros políticos – em torno de uma centena por causa de tais acontecimentos -, a multidão que voltou às ruas de Daraa reclama a sua libertação. No momento, as forças de segurança, com o exército à frente, recuaram,o que é um sinal positivo, posto que condicional.
Há expectativa de novas manifestações e novas exigências, com grandes aglomerações previstas em Daraa. Em Damasco e em outras cidades, reina a calma, não se sabe se a do conformismo, ou aquela que precede às borrascas.

( Fonte: O Globo )

[1] Chienlit, palavra do francês arcaico, que indica motim, rebelião, foi empregada de forma depreciativa pelo Presidente Charles de Gaulle, a respeito dos movimentos estudantis e populares de 1968, que quase derrubaram o regime da V República.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Nota para o Prefeito Eduardo Paes

Na minha correspondência anterior, de sete de fevereiro, tive a oportunidade de dirigir-lhe palavras de elogio, sobre o chafariz das saracuras, de Mestre Valentim, e do respectivo espelho d’água. No passado, tenho sinalizado, menos com intúito crítico do que de colaboração citadina, através de notas endereçadas a Vossa Excelência, preocupação com certos aspectos de Ipanema.
Assim, a respeito da perdida memória do bairro, aludi ao metódico saqueio das plaquetas de bronze que recordavam ao passante antigas lojas e célebres moradores. Propunha maneira de restabelecer a louvável iniciativa de predecessor seu, a ser plasmada em matéria não-suscetível de provocar a cupidez do submundo do ganho ilícito.
Também voltei as atenções de caminhante ao canal do jardim de Alá, que é a conhecida linde entre Ipanema e Leblon. Inquietava-me o fechamento do canal pelas areias da praia, fenômeno decerto não de hoje, mas que carece de ser atacado oportunamente para evitar a mortandade dos peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas.
Será sempre oportuno frisar que a todas as comunicações, mesmo as críticas, não norteia outro interesse que o público.
Como está nas minhas vizinhanças, tenho o ensejo – e a sina - de inteirar-me com frequência do estado do monumento de mestre Valentim e, em especial, do espelho d’água que o circunda.
Na ocasião e em questão de minutos, mudou o meu parecer sobre as respectivas condições. De longe, vi ligado o cano que alimenta o espelho. Por um átimo, acreditei deparar ação relativa à boa manutenção das águas do entorno. Qual não foi a minha decepção ao dar-me conta que o forte jato se projetava em espelho poluído por toda espécie de detritos e de entulho a boiar ou a jazer, por especial contribuição da incúria e da deseducação dos transeuntes.
Não serve a nenhum propósito encher de água esse espaço se não há pessoa encarregada de proceder-lhe à periódica limpeza, nem agente que cuide de aplicar a devida multa a esses pequenos vândalos, que dão sobejas mostras de não prezarem a limpeza e a boa manutenção das públicas obras de arte.
Para que isto não vire obra de Sísifo, a oportuna aplicação das multas – de preferência pesadas para que os infratores não as esqueçam – semelha ser a solução inelutável. Nesse contexto, a polícia municipal – que está sob as suas ordens – poderia ser o instrumento adequado, desde que devidamente fiscalizada.
Não podemos virar Suiça da noite para o dia, em termos de asseio e ordem pública, mas sem esforço inicial como lá iremos chegar ? Como dizia amigo meu, a respeito de outras paragens, carecemos de ver aqui sinal de que existe autoridade. E acrescentava, com piscar de olhos malicioso, não a corrupta, mas a boa administradora, que é a melhor amiga do povo.

Supremo dá sobrevida aos Fichas-Suja

A tão esperada decisão do STF sobre a Lei complementar nr. 135, geralmente conhecida como lei da Ficha Limpa, tardou bastante. Infelizmente, o resultado será comemorado por poucos – os beneficiários desse virtual interregno que lhes foi concedido -, e deplorado por muitos.
Não lancemos toda a responsabilidade sobre os ombros do novel Ministro Luiz Fux. Afinal, o seu voto não é solitário e se junta a outros cinco, que também se tinham pronunciado pela não-validade imediata da Lei da Ficha Limpa.
De início, os cinco ministros que souberam entrever, além do formalismo, o interesse da Nação: Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia e Ellen Gracie.
Nada melhor sintetizara tal desígnio que o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Pelas mãos do então Secretário Geral da CNBB, o bispo D. Dimas Barbosa, comissão do MCCE fez entrega, em setembro de 2009, a um contrafeito Presidente Michel Temer, do projeto de lei de iniciativa popular, que seria avalizado por cerca de dois milhões de eleitores.
Contra tal propósito de moralização do acesso aos Poderes Legislativo e Executivo – e fazer para tais cargos valer o requisito a que se submetem os postulantes de qualquer emprego público, por humilde que seja – olhava indisposta, por trás do desconforto do Presidente da Câmara dos Deputados - a maioria corporativista da Câmara e do Senado Federal.
Dessa magna lei, muitas lições podem ser tiradas. A primeira delas é dupla: encômio aos constituintes que oportunamente acolheram o instituto da iniciativa popular para as leis. Em fim de contas, a soberania do Povo não é apenas recurso retórico, a enfeitar os preâmbulos das Constituições.
Essa aspiração pela moralização das duas Casas do Congresso – que semelha não conviver bem com os rarefeitos ares da capital federal – era sentida por largo arco da sociedade brasileira. Ela se pauta por princípios éticos e morais que muita vez não logra distinguir no comportamento de muitos de seus representantes.
A tramitação dessa proposta legislativa de iniciativa popular pode servir de manual de consulta futura para outros projetos. Seria impensável a aprovação de qualquer projeto oriundo de legislador ou grupo deles, que se propusesse os mesmos fins perseguidos pela iniciativa popular capitaneada pelo MCCE. Somente a pressão da opinião pública – e não aquela publicada – enfiou goela abaixo de Suas Excelências o sufrágio unânime de o que se tornaria a Lei Complementar nr. 135. Todas as reticências e dificuldades foram postas de lado, na evidenciação das razões que subjazem na máxima de que a hipocrísia é a homenagem que o vício presta à virtude.
Se há tristeza com a sentença do Supremo – e há fundados motivos para tanto -,
deixemô-la de parte e nos voltemos para o futuro, não esquecidos que esse trabalho de moralização e aperfeiçoamento da democracia é obra comprida e aturada. Entrementes, para informar o manual da viagem para novos e mais reconfortantes ares, citemos observações para tanto valiosas: “O cidadão tem o direito de escolher, para a formação dos quadros estatais, candidatos de vida pregressa retilínea”(Ayres Britto); “a História nos mostra que, de tempos em tempos, é preciso fazer opções” (Joaquim Barbosa); “ Não se verificou alteração da chamada paridade de armas.Todos os candidatos de todos os partidos estavam exatamente na mesma situação antes do registro, antes das convenções partidárias” (Ricardo Lewandowski); “Não vejo quebra das condições de igualdade” (Carmen Lúcia); “A Lei da Ficha Limpa permanece. O STF não derrubou a lei. Pelo menos não por enquanto.” (Ellen Gracie).
A respeito dessa inesperada suspensão da validade da Lei Complementar nr. 135,
se afigura, outrossim, relevante mencionar o que referiu no seu voto a Ministra Ellen Gracie: as centenas de e-mails por ela recebidos de pessoas preocupadas com o resultado do julgamento. Essa inquietude, desatendida pela maioria da alta Corte, permanece.
Por fim, quase em nota de pé de página, a aparente indicação
de que a sentença contrária pode ter pelo menos um bom resultado: apagar por fim o esbulho de que foi vítima o casal Capiberibe no Amapá. Constituía decerto nota irônica que João Capiberibe (PSB) e sua esposa Janete Capiberibe (PSB) houvessem caído na malha da Lei da Ficha Limpa. É de augurar-se que, pelo menos neste particular, não nos equivoquemos no prognóstico.

(Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )

quarta-feira, 23 de março de 2011

O Ícone da Revolução

Até o dia em que tomou a decisão mais importante da existência, a vida de Mohamed Bouazizi não havia diferido daquela de outros moradores do lugar. Muita labuta e poucas oportunidades de emprego na atrasada, esquecida cidadezinha do interior da Tunísia.
Com trabalho de sol a sol, empurrando a carrocinha de frutas, se esforçava em amealhar o equivalente a dez dólares para que não faltasse comida na mesa da família. Saía para faina dura, e não só pelos magros recursos dos fregueses. Esses nem sempre conseguiam pôr alguns trocados de lado para adquirir produtos que para os pobres poderiam parecer supérfluos.
Para Mohamed, no entanto, não era este o principal obstáculo no seu diuturno caminho. Haveria acaso comparação entre a amical convivência com a sofrida gente do lugar e a sarna dos inspetores venais ?
Não estava sozinho em arrostar a inesperada e sempre importuna presença dos temíveis fiscais do município, decerto mais interessados em achacar os vendedores de rua, do que em verificar-lhes a conformidade com posturas citadinas. Se não tinha escolha, pois não lograra exercer nenhum outro meio honesto de prover o sustento familiar, não era sem preocupação que enfrentava a árdua jornada, diante da alternativa de ter a velha carrocinha confiscada ou desembolsar quantia equivalente a cinquenta dólares. Aonde encontrar uma tal soma, ele que diariamente corria atrás do correspondente a um quinto dessa propina ?
Naquela manhã de dezessete de dezembro, com largas passadas e o ritual anúncio dos minguados frutos da estação, Mohamed se acercou do centro de Sidi Bouzid. A princípio, não se deu conta de que algum fiscal viesse em seu encalço.
Sem meias palavras, Faida Hamdy, inspetora municipal, o intima a apresentar a autorização competente.
Um parêntese semelha aqui necessário. Mestre Michel Foucault nos ensina que, ao contrário do pensado por muitos, o poder se aninha até nos postos mais mofinos e obscuros. A seus detentores, basta-lhes brandir a dupla vara de vigiar e punir[1].
Por certo, sem saber do estudo do professor da Sorbonne, a inspetora, ao dirigir a palavra àquele vendedor, nesse dia dezessete – que, para um povo vizinho e mediterrâneo, é número de mau augúrio – o faz com a visceral, afrontosa segurança da autoridade.
O pobre Mohamed Bouazizi não tem consigo nenhum papel. Poderia dizer talvez que se cansou de buscá-lo nos meandros da eterna burocracia do subdesenvolvimento. Ou então ponderar que o fato de haver nascido pobre na loteria do nascimento o submete a esquálida viagem em um quase deserto.
Tais frases, contudo, não moram no cotidiano do vendedor de frutas. Muito cedo aprendera o próprio ofício, constrangido por fome e necessidade, e adentrou as ruas sem mesmo ter ideia do que poderia ser a universidade para os mais bafejados pela sorte.
Existe difundida crença de que tudo está escrito. Maktub. Nesse quadro, sem documentos, a altercação de Mohamed com Faida Hamdy não parecia ser a derradeira e desesperada tentativa de quem se descobre perdido.
É um triste e iníquo diálogo que não se encena apenas em Sidi Bouzid mas nas ruas, praças e travessas desse vasto mundo. Lá se encontram os prepostos do poder estabelecido e o povaréu honesto que nesses logradouros, de peito aberto, busca alimento com o suor de sua fronte.
A fiscal Faida se julga desrespeitada e, em nome do município, se apodera das vetustas balanças de que se servia Mohamed. A representante do poder público não se detém, todavia, na apreensão dos instrumentos do ganha-pão do modesto vendedor rueiro.
Em frente da gente do lugar, que sempre acorre quando algo de diverso acontece na cercania, a inspetora municipal não trepidou em esbofetear um adulto, cidadão como ela da República da Tunísia. Dirão alguns que é a voz do zé-povinho, e por isso falta de fundamento. Quem sabe, um historiador no futuro glosará o acréscimo, como previsível floreio em coroa de espinhos.
Sem embargo, o humilhado Mohamed Bouazizi ainda não se desencoraja. Talvez por ora ignore que, como outrem no passado, é vítima de processo em que se acha condenado a priori.
O desapossado Mohamed, sob o aguilhão da esperança, intenta pleitear na sede do município a atenção dos funcionários para a sua causa, a qual, por mísera que se afigure, não deixa de ter, para este trabalhador, suma e vital importância.
Dizem que não se cansou com as primeiras mostras de indiferença e menosprezo que veio a colher nessa travessia de crescente e raivoso desespero. Se as portas do palácio público se fecham, se os poderosos do lugarejo lhe dão as costas, Bouazizi persiste no aturado empenho, até o instante em que, como raio a riscar antes risonho céu, algo se forme dentro da própria mente.
É cólera milenar que na batalha contra a injustiça o liga – sem que o saiba – a herói da antiguidade e a outros personagens que no fio dos tempos não hesitaram em dar-lhe livre curso, malgrado as consequências.
Neste momento, Mohamed Bouazizi se distancia do resto dos homens. Decide ser mártir. Tampouco sabe que é palavra rica, vinda do grego antigo. Mas sem ter tido lazer nem horas a jogar fora em bolorentos livros, Mohamed conhece o essencial, pois que ele também quer dar um testemunho.
Em frente do palácio municipal, a exemplo dos antigos sacrifícios, Mohamed dispõe a sua pira. Ao invés dos gravetos e da lenha, decide, por uma e determinante vez, transformar-se na fogueira que arderá menos em desespero, do que em denúncia da inaceitável situação.
Como todo herói, Bouazizi tem vaga, incerta noção dos resultados de seu ato extremo. Move a ele, no entanto, a férrea resolução do protesto contra a injustiça, da qual doravante se dissocia para todo o sempre.
Mal sabia que através deste gesto ele atearia a centelha da esperança para uma vasta nação. Do canto perdido do interior da Tunísia,ressurgiria a teimosa chama da liberdade. Como rastilho de pólvora, o testemunho de Bouazizi desencadearia pressões inauditas e obrigaria, a 28 de dezembro, o tirano Ben Ali a descer as escadas palacianas e prestar patética homenagem à figura enfaixada, com os lábios carbonizados à mostra. A quatro de janeiro, o sofrimento do ícone da liberdade e da democracia, cessaria afinal.
Com estranhável assombro dos funcionários municipais que lhe tinham votado o desprezo de praxe, por sua causa outras partidas se sucederiam. Primeiro, Ben Ali, depois de 23 anos como senhor absoluto da Tunísia. Segundo, Hosni Moubarak, após três decênios. Quais serão os próximos, não nos é permitido antever.
Entrementes, ladeado pelo rubro pavilhão da Tunísia, no caiado branco austero da sepultura, repousa o antes pobre Mohamed Bouazizi, que hoje vive na memória dos homens, no seleto círculo dos poucos que souberam dar tão profundo sentido à sua passagem terrena.

( Fonte subsidiária: CNN )

[1] Surveiller et punir, Éditions Gallimard, 1975.

terça-feira, 22 de março de 2011

Novas da Revolução Árabe

A despeito dos esforços dos autocratas e de seus aliados, ostensivos ou não, um clínico poderia talvez diagnosticar que, apesar dos percalços e da inexperiência, a revolução árabe democrática – aquela mesma que nasceu da auto-imolação do modesto verdureiro Mohammad Bouazizi – apresenta, em muitos sítios, os sinais vitais preservados. A progressão será marcada por sobressaltos e recaídas, mas ela continua vigorosa e até, no cômputo geral, assaz saudável. Além do mais, para surpresa de muitos, sua cabeça e rotos panos têm aparecido em lugares em que a liberdade por ignóbeis decênios era havida por desenganada.
No Iêmen de Ali Abdullah Saleh, a oposição cresce, malgrado as balas,as promessas e as ameaças do ditador. É luta comprida, em que a obstinação do presidente – no poder há trinta e dois anos – se choca com a vontade da população de desembaraçar-se de seu governo corrupto e ineficaz. A sublevação iemenita – um dos países mais pobres e desprovidos de recursos da nação árabe – tem prosseguido,apesar dos muitos intentos de Abdullah Saleh de dominá-la, seja pela força, seja por acenos e engodos.
A massa não se deixou iludir, e a confrontação vem persistindo. Agora, a posição do tirano ficou ainda mais precária, com a defecção de cinco generais, que exigem a imediata saída do presidente. Nas últimas semanas, a situação de Ali Abdullah Saleh se enfraquece sempre mais, com o abandono de chefes tribais e de diplomatas.
O levante do oficial mais categorizado do Iemen, General Ali Mohsin Saleh – que comanda as tropas na região noroeste – foi vista por observadores como momento decisivo no enfrentamento. Especula-se que com tal mudança no tabuleiro do poder, só restaria a Ali Abdullah Saleh a opção de negociar uma partida honrosa. Embora seja prematuro prenunciar-lhe a morte política, dada sua inaudita capacidade de resistência, diante da agregação de fatores a ele contrários. Sua possibilidade de sobrevivência no poder parece definhar a olhos vistos.
Para espanto de muitos, a Síria da ditadura hereditária dos Assad – o atual presidente é Bashar al-Assad depara a ousada afronta das multidões. Indo para as ruas, os sírios escandem o slogan ‘Não mais Medo !’. Convenhamos no regime militar sírio, toda e qualquer manifestação oposicionista não é apenas desfeita com gas lacrimogêneos e trompaços, mas com a brutal violência da fuzilaria. Os al-Assad já mostraram no passado de que são capazes, não só intra muros, mas também extra muros.
Em Daraa, a indignação popular saqueou e queimou prédios públicos. Não obstante a violenta repressão, a sublevação nessa cidade do sul da Síria perdurou. Quebradas as janelas da sede do partido governista Baath, queimado escritório da companhia Syriatel, de telecomunicações (de que o primo do presidente é um dos proprietários), e investidos outros símbolos do poder dominante. Outros órgãos da repressão, como o palácio da Justiça, corte penal e delegacia de polícia foram inteiramente queimados.
Esses focos de revolta popular deverão haver-se com a reação desapiedada e ilimitada dessa seita minoritária dos alauítas, em país de maioria sunita. O filho Bashar al-Assad tem no passado o exemplo de seu pai Hafez al-Assad, que em 1982 esmagou rebelião fundamentalista islâmica, trucidando muitos milhares de pessoas.
Assinale-se que a cidade de Daraa tem cerca de trezentos mil habitantes, e está próxima da fronteira com a Jordânia. A maioria de sua população – como em outras partes da Síria – é sunita. Muitos de seus residentes são agricultores, que vem sofrendo prolongada seca.
No Bahrein, o rei sunita Hamad ben Isa al-Khalifa, de maioria xiita, nas últimas semanas abandonou os acenos de negociação, e tem recorrido à ajuda dos fuzis, para lidar com os manifestantes dessa ilha do Golfo Pérsico – que é base da Frota americana.
O rei Abdullah da Arábia Saudita mandou tropas blindadas para expressar forma de apoio no seu entender com maior possibilidade de persuasão das turbas xiitas que teimam em protestar contra o virtual regime de apartheid instituído pela dinastia dos al-Khalifa.
Rápida visita aos bairros xiitas e os da minoria sunita contribuirá para apagar qualquer dúvida quanto às características e preferências do governo real. Ao lado da dilapidação e do abandono daqueles, as residências e os quarteirões dos sunitas constituem realmente uma visão prazerosa.
Essa divisão em termos de credo se espelha em muitos outros setores do pequeno, mas próspero (para alguns) mundo do Bahrein. Xiitas não são bem-vindos em cargos do estado, seja policiais, seja militares, seja de alto funcionalismo civil. Depois de negaças de negociação, os al-Khalifa – após realizados os indispensáveis contatos, é de supor-se – retiraram o veludo dos punhos, e voltaram a exibir a velha, horrenda carantonha da tirania.
O tiranete dos al-Khalifa julga maduro o tempo para passar do combate à negação da rebeldia dos ingratos súditos. Dessarte, a húbris repressiva o conduz à destruição do monumento da Pérola. Se bem que típico da capital Manama, contraíu no seu entender mal incurável ao associar-se com a revolta dos despossuídos xiitas.

( Fonte: International Herald Tribune )

segunda-feira, 21 de março de 2011

A Candidatura ao Conselho de Segurança

A partir do governo Lula a candidatura do Brasil a membro permanente no
Conselho de Segurança das Nações Unidas não é apenas simples reivindicação do Brasil. Na verdade, a meta de o Brasil ascender a essa posição passou a ser preocupação primacial de nossa política exterior, influenciando não só a postura perante a Organização das Nações Unidas, com maior disponibilidade para custosas operações militares pacificadoras – como constitui a nossa já longa participação no Haiti, onde por nossa maior presença relativa detemos o comando da tropa – a par de multiplicação de nossas missões diplomáticas, que se estenderam a grande parte da África Subsaariana, aos micro-estados do Caribe, à Ásia e Oceânia.
Esse alargamento das representações diplomáticas, levando o pavilhão nacional a uma pluralidade de pequenos estados, implica em maior comprometimento em termos de dotações orçamentárias e em sacrifício para os diplomatas lotados em tais postos. O sacrifício se explica pelas dificuldades em muitas dessas nações, notadamente em aspectos sanitários e de comunicações. Dada a acrescida demanda sobre os nossos quadros diplomáticos – malgrado as inchações recentes com levas admitidas com menores conhecimentos linguísticos , uma grande parte desses novos postos dispõe tão só de um chefe (embaixador comissionado) e um funcionário do quadro (que muita vez é das categorias administrativas). Malgrado representar o Brasil junto a um país pequeno, o fato de não dispor de auxiliar diplomático tende a aumentar substancialmente a carga de serviço do chefe da missão, que simplesmente não tem a quem delegar tarefas próprias do ofício diplomático.
A presença da bandeira brasileira em lugares exóticos e de diminuta importância política se deve ao propósito de engrossar a nossa votação na Assembléia Geral das Nações Unidas. Como se sabe, no caso de ser ativado o processo da reforma da Carta, com o alargamento do Conselho, os novos membros permanentes deverão passar por duas barreiras. Na Assembléia Geral, de acordo com a distribuição geográfica, serão indicados aqueles que obtiverem o maior número relativo de votos. Vencida esta primeira parte, se passa à segunda, em que os novos membros devem ser chancelados pelos atuais quinze membros do Conselho de Segurança, com um pormenor. No Conselho, há cinco membros permanentes – Estados Unidos, China, Federação Russa, Reino Unido e França. Mesmo se o país-candidato obtiver maioria no Conselho, se receber o voto negativo (veto) de qualquer membro permanente, a sua candidatura será imediata e definitivamente descartada.
Se não se pode desmerecer de todo do acreditamento de missões permanentes junto aos países-membros das Nações Unidas, mesmo aqueles com reduzido peso político, muita vez os votos desses micro-estados são atribuição de suas delegações em New York, junto às Nações Unidas. Nesse caso, decidindo os representantes permanentes sobre os respectivos votos, mais importa manter contato e boas relações com esses embaixadores de pequeno peso político, para lograr arrebanhar-lhes o sufrágio para a nossa candidatura, do que fazer gestões junto às pequenas chancelarias localizadas nos respectivos países (para que expeçam instruções de voto em nosso favor).
A caminhada do Brasil para chegar ao Eldorado do assento permanente não se iniciou – como também muitas outras políticas – na gestão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na verdade, quando da criação das Nações Unidas, o Brasil constava como candidato forte a um assento permanente no Conselho. Detinha para tanto da simpatia do Presidente Franklin Roosevelt. No entanto, a morte súbita do Presidente, se despojou Washington de um grande líder, nos atingiu porque, da noite para o dia, nos vimos privados desse notável padrinho. No lugar do Brasil, foi escolhida a França de De Gaulle, malgrado na época Paris estivesse politicamente debilitada pela sua derrota em 1940 – e longa ocupação pelas forças alemãs.
Se nossa candidatura passou a ser gestionada no governo de FHC, a ênfase maior foi adquirida pela Administração Lula. Não obstante o empenho, a formação de grupos de países com maiores possibilidade – v.g., Alemanha, Japão -, os entendimentos com a Índia e União Sul-Africana, a causa da reforma não tem registrado progressos consideráveis. Tal se deve, dentre outros motivos, à resistência de países que sabem não terem condições para aspirar ao assento, mas tampouco desejam que o seu vizinho mais importante ascenda a tais alturas, as próprias dúvidas e reticências dos presentes detentores, que temem o alargamento do Conselho e a consequente maior dificuldade de chegar a decisões por consenso.
Ao perseguir essa meta – em comportamento que para alguns teria elementos obsessivos – o Brasil não tem escatimado esforços com vistas a obter um grande apoio, seja na Assembléia Geral, seja no Conselho de Segurança. Na Assembleia, o Brasil – quando toma oportunas providências e não descura da indispensável cabala de votos – costuma ter sólidas votações, em que se reflete a nossa popularidade, assim como as dimensões da Nação brasileira.
No Conselho, a estória é diferente. Dos membros permanentes, teríamos promessas de apoio de França, Reino Unido e Federação Russa. Quanto à República Popular da China, malgrado a diuturna busca, coletamos até agora vagas e inconclusas simpatias.
Havia na Administração Dilma considerável expectativa de que da visita de Barack Obama resultasse um comprometimento estadunidense nos termos do concedido à India. Ledo engano. O Itamaraty continua, creio eu, a não ignorar que o Departamento de Estado, dada a nossa presença nas Américas e o peso continental crescente – a que se agrega a desenvoltura da diplomacia brasileira em termos mundiais, com posições não necessariamente sintonizadas com as americanas -, o Departamento de Estado, repito, prefere por ora deixar em aberto o nosso pleito.
Afinal, saltam aos olhos os interesses geopolíticos dos Estados Unidos em uma aliança mais estreita com Nova Delhi, dada a sua contraposição à China e as relações ambíguas de Washington com os difíceis aliados do Paquistão (de que a Índia é a grande adversária regional). Por isso, o ‘apreço’ demonstrado pelo visitante Presidente Barack Obama constitui o que se poderia esperar da política americana no que concerne às aspirações brasileiras. Muito apreciariam cruzar o nosso caminho para o Conselho os vizinhos do sul do Rio Grande, a começar pelo México e a Argentina de Cristina Kirchner. Esta última atravessa uma fase de baixa – depois das notórias ‘relações carnais’ do Governo Menem -, mas como superpotência que ainda é, os Estados Unidos não descurarão de ter disponíveis os princípios do ‘divide et impera’ que norteavam as relações de Roma imperial com seus poucos vizinhos ainda independentes.
Em consequência, definir o citado ‘apreço’ estadunidense à candidatura brasileira à vaga permanente no Conselho de Segurança como ‘sinalização positiva dos Estados Unidos’ a nossa pretensão me parece interpretação demasiado generosa da disponibilidade de Washington a julgar ‘com simpatia’ no momento oportuno a nossa candidatura. Festejar este chocho apoio semelha cair um pouco vítima do ‘spin[1] dado pelo nosso distinto e poderoso hóspede à demanda da administração Dilma Rousseff, que nesse ponto específico continua de mãos abanando.

( Fonte: O Globo )

[1] Spin é uma formulação hábil que ressalta os aspectos favoráveis de situação, mas que se caracteriza pela sua dissociação da realidade, notadamente através da sua cosmetização .

domingo, 20 de março de 2011

Colcha de Retalhos LXXII

O Ataque à Líbia

A autorização concedida pelo Conselho de Segurança à coalizão ocidental de estabelecer zona de exclusão aérea na Líbia, e outras medidas de caráter militar não especificadas, tornou possível o ataque desta coalizão ao coronel Muammar Kadaffi, feito em defesa da liga opositora ameaçada pelo avanço das tropas favoráveis ao líder da Jamairia.
A participação americana na primeira operação – com lançamento de mísseis de cruzeiro Tomahawk – foi decidida pelo Presidente Barack Obama que se achava no Palácio do Planalto, ao ensejo das conversações mantidas com a Presidente Dilma Rousseff.
A propósito, a imprensa americana assinalou mal-estar pela circunstância de o Presidente dos Estados Unidos estar ausente de seu país, quando da determinação de medidas da importância da intervenção armada na Líbia.
Além dos mísseis, aviões Mirage e Rafale realizaram incursões contra alvos tópicos das forças do governo líbio, com a destruição anunciada pelo ministério da defesa francês de reservatório de combustível, vários tanques e veículos militares. Também foram visadas as defesas aéreas de Trípoli e Misurata. A participação britânica se efetuou através do lançamento de mísseis de seus navíos de guerra.
Não há de despertar surpresa que Kadaffi haja qualificado a intervenção armada como ‘cruzada colonialista’. Prometeu, por conseguinte, armar a população civil.
Quanto a eventuais lideranças na operação militar que ora se inicia, é de frisar-se a preocupação americana de que os Estados Unidos não estão comandando a operação. Nesse contexto, a Secretária de Estado, Hillary Clinton, asseverou: ‘Não estamos na liderança. Não estamos engajados numa ação unilateral, mas apoiamos as ações da comunidade internacional contra governos e líderes que se comportem como Kadaffi’. Na reunião do Palácio do Elysée, além de Hillary, Nicolas Sarkozy, os primeiros ministros David Cameron, Silvio Berlusconi e José Luiz Zapatero, participaram o Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, o da Liga Árabe Amr Moussa (a condenação unânime da Liga às tropelias do coronel Kadaffi dera aval à ação do Conselho de Segurança), e representantes do Qatar, Emirados Árabes Unidos, Jordânia e Marrocos. Segundo consta, dos árabes haveria indicação de que o Qatar participaria da operação. Outros países europeus não compareceram através de seus principais dirigentes, preferindo mandar representantes como a Alemanha e a Polônia. Idêntico comportamento foi seguido pelo Canadá.
Dado o caráter inusitado da operação autorizada pelo Conselho, e as resistências existentes à sua implementação, notadamente entre os países da África subsaariana, há dúvidas quanto à evolução da situação. Por mais que o comportamento do coronel Kadaffi e o seu desrespeito aos direitos humanos, em especial aqueles dos próprios opositores, seja condenável, há muitos imponderáveis nessa conflagração. A história está cheia de campanhas iniciadas com o aplauso de governantes e populações nelas envolvidas, o que em geral decorre da expectativa otimista de um pronto e feliz término da operação. Essa mesma história tampouco é parcimoniosa nos exemplos em que tais expedições não alcançaram os louros esperados. Aguardemos, portanto, os resultados dessa empresa, iniciada sob o impulso de inegáveis boas intenções.

A tragédia Japonesa e a Falta de Liderança.

Enquanto as marcas do terremoto/tsunami que investiu à nação nipônica e a jogou em uma crise de dimensões comparáveis àquela do final da segunda guerra, semelha de grande interesse comentário elaborado por correspondentes do New York Times.
Não há, com efeito, dúvidas de que o Japão enfrenta o seu maior desafio desde a crise do final da desastrosa guerra contra os Estados Unidos. A presente tarefa arrostada por Naoto Kan não tem paralelo histórico. Tampouco a sua aparente incapacidade de lidar de forma pró-ativa com ela constitui traço que lhe possa ser atribuído individualmente.
Talvez a passagem do artigo seja demasiado esquemática, mas se afigura reunir substanciais elementos da realidade: “O Japão do pós-guerra floresceu sob um sistema no qual os líderes políticos deixaram grande parcela da política exterior nacional aos cuidados dos Estados Unidos, e o tratamento dos assuntos internos para poderosos burocratas. Importantes companhias atuavam em extenso âmbito nas vidas pessoais (dos súditos nipônicos). Os seus diretores-executivos eram admirados pelo seu papel como cidadãos corporativos.”
Na última década, porém, com o enfraquecimento e a estagnação da economia nacional, os grandes burocratas perderam o prestígio e as grandes empresas a sua empáfia.
Este vazio de liderança, no entanto, não foi preenchido pela classe política. Nos últimos quatro anos, como se assinala, quatro primeiros ministros assumiram e caíram. O quinto da série, Naoto Kan, já colhera dos analistas políticos um conceito igualmente negativo quanto à debilidade de sua capacidade de gerir os negócios do Estado.
Com a irrupção da crise do grande terremoto e da tsunami, a opinião da sociedade não mudou sobre a capacidade do Sr. Kan. A esse respeito, é taxativo o parecer citado do sr. Sasaki, cientista político da Universidade de Gakushuin: ‘No passado, os burocratas davam ordens sem consultar os políticos. Agora, os burocratas estão afastados, e o governo se cinge a realizar conferências de imprensa. Mas não há qualquer prova que esteja fazendo algo além disso.’
Em outros países sacudidos por sérias crises, houve o surgimento de líderes capazes, como, v.g., o foi Winston Churchill, diante do manifesto fracasso político do seu antecessor Neville Chamberlain. O que prevalece até agora no Império do Sol Nascente é um ‘vácuo de liderança’.
Por quanto tempo persista a falta de capacidade administrativa e de iniciativas governamentais – que não sejam medidas reflexas, a reboque de medidas tomadas por autarquias – tal só contribuirá para aumentar a sensação de falta de governo e de um líder capaz de enfeixar as várias necessidades da sociedade e compô-las em política tão crível quanto eficaz.
À vista de o que precede, o observador se há de perguntar quanto tempo se deverá ainda esperar até que adentre a cena governamental do Japão alguém com capacidade e vontade de manejá-la e dirigi-la. Nesse contexto, fica mais fácil entender a estagnação econômica decenal que até hoje, como uma teimosa nuvem, impede o retorno do crescimento econômico, nos moldes de décadas passadas.


(Fontes: O Globo e International Herald Tribune)

quinta-feira, 17 de março de 2011

Panorama visto da Ponte

No corrente momento, há dois fronts principais de interesse da Humanidade, vale dizer, a catástrofe no Japão e a reação do autoritarismo na Nação árabe.
A despeito da disciplina, do senso do dever e da consequente disposição para extremos sacrifícios, atravessa um mau passo a luta do povo japonês contra o desastre nuclear na usina de Fukushima, resultante de um terremoto de 9.0 na escala Richter a que se juntou a tsunami, em vaga ainda mais temível de destruição e morte.
Se a ruina deste par apocalíptico atinge grande parte da região nordeste nipônica, a situação vê a sua gravidade crescer na sua vertente da ameaça nuclear. Se o complexo de Fukushima foi levantado perto do mar, pela facilidade de acesso às águas do oceano, esta mesma cercania se viu desvirtuada pela exposição à tsunami, em que a potência sísmica se descobre aumentada pela descomunal força da grande quantidade de água que o fenômeno desencadeia sobre o indefeso litoral.
Outra feição negativa residiu na superada tecnologia utilizada pelos quatro reatores da usina. Com o colapso do sistema de resfriamento e a insuficiência da água marinha, bombeada ou trazida por helicópteros para reverter o super-aquecimento dos reatores, o que leva a baixar o nível da água, com a resultante parcial ou total exposição das varetas (rods), o que tende a acarretar a sua diluição e maior irradiação na atmosfera.
Se Fukushima não atingiu ainda o nível 7 da escala da AIEA – o máximo, que se verificou na desgraça de Tchernobyl – já estaria no nível seis. Com enorme risco de vida do pessoal técnico japonês, há danos no núcleo de três reatores de Fukushima. Em meio ao desespero, acentuado internacionalmente, no veredicto da sombria unanimidade dos chefes das agências nucleares de Estados Unidos, Federação e Europa, no sentido de o ‘Japão perdeu o controle’ da situação.
Vinda do passado e só ouvida em magnas situações da nacionalidade, a voz do Imperador instou o povo japonês a não desistir de sua porfia. Há dúvida quanto à transparência das informações oficiais, que tenderiam a apresentar a realidade em tonalidades menos inquietantes. É decerto um instante difícil deste grande povo disciplinado, industrioso e abnegado na própria coragem.
Os votos internacionais são para que uma vez mais o Japão vença a adversidade, e dela retire a lição – que é extensiva a todos os usuários desta peculiar energia – de que as precauções a ela relativas devem ser incrementadas e sempre atualizadas.
Por outro lado, no mundo
árabe, depois do inesperado florescimento democrático na Tunísia e no Egito, a reação, personificada por Muammar Kadaffi na Líbia e o rei do Bahrein, Hamad ben Isa al-Khalifa, levanta a cabeça e investe contra as forças libertárias. A reviravolta na Jamairia mais se deve ao total abandono pelo Ocidente dos opositores do ditador, do que a um inesperado regurgitar dos sequazes do coronel.
Se palavras bastassem, a frente opositora democrática estaria já instalada em Trípoli. No entanto, as profusas declarações do Ocidente, com os Estados Unidos e os países da União Europeia à frente, não acrescentaram um iota ao poder de fogo e as defesas dessa corajosa coalizão contra a tirania. De nada serve encorajar uma luta que será desigual e impossível no médio prazo, se nada se faz para dar-lhe mínimas condições de resistência.
Com os seus mercenários, armas pesadas e aviação Kadaffi pôde reagir contra a difusa e majoritária oposição, que não tem meios de resistir à sistemática retomada de bastiões que haviam caído por conta do apoio da multidão. Se se permite ao ditador investir sem maiores defesas organizadas, o resultado será triste e inexoravelmente escrito. Maktub, dirão os árabes, mas só estará escrito pela desídia do Ocidente.
Por sua vez, no Bahrein excêntrico, minúsculo porém importante geopoliticamente, o rei al-Khalifa, aliado da Arábia Saudita, pode agora, a seu bel prazer, marchar para a repressão desapiedada das manifestações da maioria xiita. Na praça central de Manama, com o apoio do exército saudita e de aliados do Golfo, julgam eles haver chegado a hora da solução com o silvo das balas.
Não é remédio permanente, mas tem eles certo fundamento em pensar que afinal as coisas podem voltar a ser tratadas como sempre foram por aquelas bandas.
As reações de Kadaffi e de al-Khalifa lembram os tempos da Santa Aliança, instaurada na Europa pós-napoleônica para extirpar o inço da liberdade. Foi um medicamento forte, mas como todas as drogas do gênero, com seu limitado prazo de validade.

( Fonte: O Globo )

quarta-feira, 16 de março de 2011

Palocci coordena Agenda Climática

Noticia a imprensa que o Ministro Antonio Palocci, Chefe da Casa Civil, passou a ter o comando da agenda climática. Tendo em vista os compromissos assumidos pelo Presidente Lula em Copenhague, concordando com o estabelecimento de metas de redução de emissões de gases-estufa, se faz necessário eliminar as divergências entre o Ministério do Meio Ambiente e as demais Pastas.
A propósito da política médio-ambiental brasileira na sua face externa, recorda o diretor-executivo da Greenpeace, Marcelo Furtado, a despeito da oposição da então Ministra-Chefa da Casa Civil, Dilma Rousseff, o presidente Lula concordou em Copenhague com a assunção de metas de redução de emissões de gases-estufa.
O então Ministro Minc precisou que Dilma não se opôs às metas, mas cobrou contas que demonstrassem que as reduções não atrapalhariam o crescimento nos níveis previstos pelo Ministério da Fazenda, i.e., cerca de 5% ao ano até 2020.
Essa postura de Dilma confirma o seu viés desenvolvimentista, antepondo as metas de crescimento às reduções a serem impostas por critérios ambientais. Assinale-se, outrossim, que após Copenhague o governo incorporou o compromisso internacional de cortar as emissões de gases-estufa entre 36,1% e 38,9%, com relação às emissões projetadas para 2020. Conquanto a lei pertinente haja sido sancionada em 2009, até hoje não foram concluídos planos setoriais que definam como cada setor da economia se adequará aos cortes indispensáveis.
A designação pela Presidente da República de Antonio Palocci para mais esse cometimento, se confirma o prestígio desfrutado pelo antigo Ministro da Fazenda, não se apresenta como tarefa fácil. A Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, vem encontrando dificuldades na explicitação da agenda ambiental, no que tange aos Ministros Aloizio Mercadante, da Ciência e Tecnologia, e Edison Lobão, das Minas e Energia. Diante do enfoque da Presidente Dilma, que tende a subordinar requisitos ambientais a prioridades de desenvolvimento, a Ministra Teixeira, que é uma técnica, sem base político-partidária, vinha encontrando dificuldade em preservar a agenda ambiental externa com relação às pastas supramencionadas.
Em princípio, a medida tomada pela Presidenta é de bom augúrio. Palocci, além de já enfeixar a coordenação dos ministérios como Chefe da Casa Civil, se houve bem no primeiro mandato de Lula, ao assegurar uma política econômica-financeira que renderia bons frutos ao Brasil e ao Presidente. Não é culpa dele que as coisas hajam desandado no segundo mandato pela fraqueza do sucessor, e pelo consequente descontrole favorecido pelo Presidente.
Dada a sua força política, a coordenação dos ministérios envolvidos não deverá apresentar a Palocci maiores dificuldades. O que importa no caso em tela será do sentido a ser dado a essa intervenção branca na agenda ambiental. Já a ex-Ministra Marina Silva (PV) fez críticas à flexibilização do processo de licenciamento ambiental. Se bem que tais reparos tenham sido pronunciados por Marina Silva antes da assunção por Palocci do comando da política de mudanças climáticas, tais observações concernem a um aspecto político cardeal.
Com efeito, resta determinar em que sentido se fará a entrada de Palocci na cena medio-ambiental. Se a flexibilização das licenças tiver, v.g., a ênfase na desburocratização, a mudança merece aprovação. No entanto, se o intúito privilegiar o chamado facilitário, em detrimento dos requisitos indispensáveis para a preservação do meio ambiente, essa modificação acarretará óbvios resultados negativos. O precedente neste aspecto da Usina de Belo Monte não se afigura dos mais tranquilizadores.
Em consequência, pelos seus títulos pessoais e pela competência política pregressa, e tendo presente o condicionamento acima referido, Antonio Palocci faz jus a um crédito de confiança. Tudo dependerá, em verdade, menos de sua capacidade político-administrativa, que é sobejamente conhecida, do que das instruções e orientação recebidas da Presidente Dilma Rousseff.
Aí está a principal interrogação.

( Fonte: O Globo )

terça-feira, 15 de março de 2011

O que fazer da Energia Nuclear ?

Pode servir como matéria de reflexão, e não só quanto ao Japão, a presente tragédia, comparada em gravidade com a de 1945, por ocasião dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki.
O terremoto que causou o duplo ataque à região costeira norte-oriental daquele país, teve o respectivo índice da escala Richter corrigido para 9.0
Sob o aspecto sísmico, tanto terrestre, quanto marítimo, verifica-se igualmente macabra remarcação dos totais de mortos (2.275) e desaparecidos (3.118). Existem, por outro lado, 1.889 feridos.
Infelizmente, todas essas estatísticas não são dados finais, mas apenas registros de progressão cujo término ainda não está decerto fixado. Com o avanço dos trabalhos de escavação e desobstrução dos escombros causados pelo maremoto/terremoto, o número dos desaparecidos tenderá em parcela substancial a aumentar o cômputo das vítimas fatais.
Diz muito da violência da tsunami e do reduzido pré-aviso decorrente de sua celeridade, que o número de mortos ascenda a tais níveis, mesmo em país tão assinalado pela organização e pelas medidas de preparação para calamidades como o Japão. O desafio terá sido demasiado grande.
A catástrofe japonesa enseja, no entanto, outras ilações. Provoca espécie a localização da central nuclear de Fukushima. Em país no qual as tsunamis não são raridade, se afigura bastante questionável que a central nuclear tenha sido construída em um sítio tão vulnerável às vagas de maremoto. Se se acrescentar o risco maior do terremoto, é difícil de entender a localização, dada a dupla exposição a estas duas ameaças, com a agravante do acrescido poder destrutivo da tsunami.
Também terá contribuído para a maior vulnerabilidade a superada tecnologia empregada pelas centrais de Fukushima. Houve nos três reatores da Usina Nuclear de Fukushima Daiichi problemas no funcionamento dos sistemas de resfriamento. A crise foi mais grave no reator nr. 2, o que impediu a manutenção debaixo d’água do núcleo do reator. Falharam repetidas tentativas de injetar água do mar nos reatores, o que determina a queda do nível de água no receptáculo. É crucial a manutenção da água nesse continente de metal do reator, para evitar a explosão e o derretimento das varetas (rods).
Em função dos danos provocados pelo terremoto e a tsunami, que afetaram sobretudo o sistema de resfriamento, aconteceram três explosões nos reatores e um incêndio que acentuou deveras a gravidade da crise. A situação no complexo da usina de Fukushima se deteriorou ainda mais. Não há dúvida quanto ao incremento nos níveis de radiação. Assim, o desastre de Fukushima passou do nível quatro anterior para o nível seis, da A.I.E.A, superando o desastre de Three Mile Island, e acercando-se do ponto máximo (7), atingido em Tchernobyl.
Os operadores do complexo nuclear de Fukushima , segundo disse um diretor da Tokyo Electric Power (a agência responsável) ‘estão basicamente em completo pânico’. E acrescentou: ‘Eles estão em total confusão. Eles não sabem o que fazer’.
Há contatos em alto nível entre o governo japonês e o americano, dando a clara impressão de achar-se sem condições de lidar com a crise, e de encontrar soluções técnicas eficazes.As autoridades nipônicas apelam em caráter extremo – e não se pode duvidar da inerente e genuina dramaticidade dessa instância – para a ajuda estadunidense. Pela descrição acima referida do estado de espírito dos operadores in loco, é de augurar-se que o auxílio americano nesta emergência ainda logre chegar com toda a eficácia necessária.
Como se vê, as vantagens proporcionadas pela energia nuclear – sobretudo para os países desprovidos de outras fontes de energia – podem ser anuladas por crises como a de Fukushima, com a irradiação e contaminação de largas áreas, e o consequente perigo para as populações radicadas na circunvizinhança das usinas.
O desastre de Fukushima acendeu a luz vermelha para as decantadas qualidades da energia nuclear, luz vermelha esta que tem levado governos responsáveis a repensar as respectivas políticas energéticas.
O Brasil, país que dispõe de abundantes fontes de energia hidrelétrica ainda disponíveis – além de tantas outras fontes não-convencionais - carece de reconsiderar com toda urgência os seus planos de construção de usinas nucleares. Além de Angra 1 e Angra 2, programa-se o funcionamento de Angra 3 para 2015. Causa espécie que, diante de sinalizações de tal gravidade, as autoridades continuem a entoar loas para a segurança de nossas usinas nucleares.
O movimento ambientalista deve ser mais incisivo no repúdio a esse tipo de energia, com os perigos que apresenta. Se nações como a Itália souberam dar um basta à utilização dessa tecnologia, é mais do que tempo de nos conscientizarmos do problema.
Para o Brasil o recurso à energia nuclear é um brinquedo desnecessário e potencialmente nefasto.

( Fonte: International Herald Tribune e O Globo )

segunda-feira, 14 de março de 2011

O Professor Hilgard Sternberg

O anúncio fúnebre em O Globo me reabriu página dos tempos do Instituto Rio Branco. Eram outros tempos, em pleno governo de Juscelino Kubitschek, em que o Brasil dava passos largos no caminho da industrialização. A carreira diplomática, então de acesso difícil, ensejava oportunidades que sobressaíam de muitas das demais, em mercado nacional ainda acanhado em matéria de emprego.
Vencida a formidável barreira do vestibular, aplicado com seriedade e imparcialidade, com o inglês e o francês, tão eliminatórios quanto o português, e que se arrastava por cerca de dois meses, até que os candidatos remanescentes desses duros trabalhos alcançassem o direito de matrícula no curso bianual do Instituto Rio Branco.
Do primeiro ano, guardo a vívida lembrança das aulas do professor de geografia. Ao contrário de outros mestres dessa disciplina, o seu curso nos falava não em áridas exposições de números, distâncias e acidentes geográficos.
Talvez por força de seus laços com os Estados Unidos, Hilgard O’Reilly Sternberg, não cultiva o modelo magisterial latino, em que o professor semelha postado em pedestal. Ao contrário. Sem prejuízo do respeito e da disciplina, mestre Hilgard estava sempre aberto ao diálogo, num espírito de franca cordialidade.
Vinha ele precedido da aura de professor exigente, que valorizava o estudo e não a decoreba. Suas aulas deviam ser acompanhadas com atenção especial, e o conhecimento respectivo da matéria versada sempre mantido atualizado, dada a inusitada perspectiva dos testes administrados sem prévio aviso.
Embora não tivéssemos a intenção de nos tornarmos geógrafos, as palestras do professor Hilgard eram tão interessantes, motivantes e variadas que, por vezes, se tinha a impressão de que o espaço ocupado pela geografia demandava maior atenção e cuidado do que o dispensado a outras disciplinas.
Sem embargo, a diversidade na apresentação e característica exigência na aferição do aprendizado, condicionavam a turma a não só um acompanhamento continuado, mas também a preocupação diferenciada, que se costuma atribuir a mestres especiais.
Recordo-me particularmente de apostilas de seus cursos, a que por vezes os alunos designavam, seguindo o exemplo das bulas pontifícias, com as primeiras palavras à guisa de título. A esse respeito, me vem à lembrança a “Malgrado a toponímia”, em que mestre Hilgard ensinava que o nosso relevo, a despeito dos nomes altissonantes de serras, etc., era bastante antigo geologicamente e com marcada erosão.
Hilgard Sternberg, grande professor, representava necessariamente uma oportunidade e um desafio para seus alunos. A relevância da matéria, a acentuação da metodologia, e o cuidado de desvelar falsos conceitos, este extraordinário mestre, por seu empenho, profissionalismo e particular brilho – tanto no aspecto epistemológico quanto pedagógico – deixou no jovem aluno a indelevel lembrança das perspectivas que a sua disciplina abrigava.
Que mais pode pretender um mestre de sua estatura ?

domingo, 13 de março de 2011

A Dupla Catástrofe Japonesa

O Japão é decerto o país mais bem preparado para enfrentar terremoto. As suas construções, diversas obras civis, o hábito do treinamento para tal emergência, tornam a vicissitude sísmica desafio que os súditos japoneses arrostam com conhecimento de causa. Pela contínua experiência dos tremores, os nipônicos serão dos terráqueos os que mais condições aparentam possuir para lidar com o fenômeno com o sangue-frio forjado pela longa prática.
Sem embargo, o habitante do Japão faz clara distinção entre terremoto e tsunami. No seu entender, há muitas defesas contra o primeiro. Já diante do maremoto, a situação é muito diferente.
Toda a costa japonesa dispõe de bóias que soam o alarme tão logo detectem a letal vaga da tsunami. Esse requinte tecnológico, contudo, é apenas um componente num quadro assaz complexo.
O japonês é um povo que excele em tudo que diga respeito à vida em sociedade. A meticulosidade na organização, a limpeza das ruas e demais logradouros, o seu respeito à socialidade, os colocam na vanguarda da sociedade mundial. No entanto, a ameaça da tsunami representa um árduo teste para a capacidade reativa dessa laboriosa nação, dada a exiguidade dos prazos que a vaga assassina disponibiliza para a população diretamente em perigo.
Quando o foco do terremoto está no fundo do mar, ocorre fenômeno que pode semelhar dúplice, mas na verdade o sismo tem origem única. No caso em tela foi o que aconteceu. Dada a rapidez da irradiação por terra, o terremoto de 8.9 na escala Richter foi prontamente sentido nas regiões norte oriental e central do Japão, impressionando os habitantes pela extensão temporal e pela virulência dos tremores. Embora a origem seja a mesma, o efeito marítimo do sismo chegou com alguma defasagem em relação à irrupção inicial do terremoto.
Por deslocar-se através das águas, malgrado a enorme rapidez da tsunami, o seu macabro avanço se processa através de superfície menos consentânea à quase instantaneidade da manifestação precedente.
Quando o fenômeno se desdobra em duas fases, por assim dizer em ondas sucessivas, a primeira imediata e terrestre, a segunda mediata e vinda do mar, essa mortífera conjunção vai ainda ganhar em poder destrutivo, eis que ao organizado pandemônio do primeiro ataque se sucede um outro que não apenas sacode as estruturas e as construções, senão as leva de roldão, valendo-se da força inaudita daquelas águas que por tanto tempo os povos marítimos contemplam na sua bem-comportada placidez ou em eventuais anódinas ressacas.
A cidade marinha de Sendai foi a que mais sofreu com o impacto da tsunami. Malgrado os pré-avisos, já se estimam mil e setecentos mortos, acoplada essa estatística a um número bastante superior de desaparecidos. Só no vilarejo de Minamisanriku, em Miyagi, cerca de dez mil pessoas estão desaparecidas. Como a internet o mostrou sobejamente, a vaga deixou rastro de destruição material, derribando tudo o que se lhe antepunha como se se encontrasse com castelo de cartas.
A desgraça japonesa, todavia, não se cinge somente, como se fora pouco, aos danos provocados pelo terremoto e à inquietante marcha de devastação do maremoto.
Pesa sobre os japoneses a triste exceção de ser na Terra o único povo a ter sido vítima de dois bombardeios atômicos. Se as hecatombes de Hiroshima e Nagasaki os marcaram nesse aspecto, compreende-se a sua reação com o acidente nuclear provocado pela dupla investida telúrica da sexta-feira, onze de fevereiro.
É cedo para determinar as reais causas do vazamento de radiação da usina de Fukushima Daiichi. Sob o magno desafio desse duplo ataque, será mister verificar se as medidas de prevenção não terão contribuido para enfraquecer as defesas do reator. A gravidade, contudo, da ocorrência não pode ser subestimada, eis que atinge, na classificação da Agência Internacional de Energia Atômica, o nível 4 (num máximo de sete). Desse modo, Fukushima só perde nessa tenebrosa estatística para os desastres de Chernobyl, na antiga União Soviética (1986), com nível 7, e o de Three Mile Island, nos Estados Unidos (1979), com nível 5.
No entanto, as imediatas medidas tomadas pelo governo japonês para proteger a população só tendem a acentuar o contraste com a irresponsabilidade inicial das autoridades soviéticas, que acreditaram possível, a princípio, escamotear das povoações envolvidas, o risco letal da radiação.
De acordo com os dados oficiais, pelo menos nove moradores foram contaminados pela radiação, mas o número pode ascender a 150. Até que a situação possa ser controlada, e o risco da radiação nuclear efetivamente afastado, uma megaoperação de salvamento foi organizada, com a retirada de 140 mil pessoas, residentes na região da usina.
Com a explosão na usina de Fukushima Daiichi, determinada pelo aumento da pressão interna, o raio de isolamento em torno da usina passou para 20 km, com o deslocamento de 110 mil pessoas. Mais trinta mil foram retiradas de área de até 10 km de outra usina, Fukushima Daini, também em situação de emergência.
Dado o nível de dependência que tem o Japão – a terceira economia mundial – da energia nuclear, grosso modo um terço da energia consumida pelo país, afigura-se previsível que o modelo volte a ser contestado, pelos riscos implicados na sua operação.
Em momento difícil, no qual se acumulam consideráveis incógnitas, a atenção da sociedade japonesa tem presente o desafio para a liderança do Primeiro Ministro Naoto Kan. A sua popularidade já sofre em função de inúmeros problemas, com o consequente questionamento da respectiva capacidade de dirigir o país. A presente catástrofe lhe porá à prova a permanência ou não à testa do governo e da nação. Se não lograr responder satisfatoriamente à grande crise, o seu destino como eventual vítima política da dupla catástrofe já estará assinalado.

( Fontes: O Globo, International Herald Tribune e Folha de S. Paulo)