segunda-feira, 31 de maio de 2021

Racionamento à vista ?

           O problema do racionamento de energia, que assombra o país, por força do baixo nível pluviométrico à montante dos mananciais hidrográficos, tende a colocar um problema para a nossa terra, dado o temor dos apagões, o consequente encarecimento  na conta de luz, e os inevitáveis efeitos no que tange a uma eleição que pode ser afetada por fenômenos que podem ter consequências danosas sobre a política tanto estadual quanto federal. Em certas largas áreas, como se verificou em  passado não tão distante, o desconforto tende a crescer, a sensação de que elementos essenciais de nossa existência não estariam sob o habitual controle tenderia a aumentar, com a consequente sensação de disàgio , que é uma palavra italiana que significa falta de conforto, privação, sofrimento, como o grande dicionário  Zingarelli nos ensina. Dessarte, adentramos  terra incógnita dado o cronograma eleitoral e o consequente nervosismo que tem a ver com situações que não estariam exatamente sob controle da coletividade, e por conseguinte do Estado, ao implicarem em uma série de providências - aumento provável das contas de eletricidade, assim como maior desconforto no dia a dia, dada a necessidade de adequar a rotina cotidiana, no caso a eventual falta d'água, à circunstância de não tê-la nas torneiras, às vezes, por largos períodos.

         Tenho sempre presente o  considerável problema que minha mãe e eu deparamos, quando nos anos cinquenta do século passado, faltava água em nosso apartamento no posto seis de Copacabana. Era então bastante jovem, e ajudava  minha genitora a enfrentar os desafios de tal carência, cuja importância para o ser humano não deve ser subestimada.

          Órfão de pai, com mãe viúva, a nossa existência não era necessariamente fácil, como se pode intuir. Estudava então em ginásio na praia de Botafogo, em colégio de classe média, ao qual ia de bonde em todos os dias úteis da semana. Minha mãe Maria tinha ficado viúva muito cedo, em consequência do abrupto falecimento de meu pai, o engenheiro José Raphael, aos trinta e seis anos de idade, morto em 20 de junho de 1944, por desastre de aviação, quando retornava a Porto Alegre, ao cabo de viagem sua ao interior do Estado do Rio Grande do Sul, para cumprir trabalhos de fiscalização, dentro da Secretaria de Estado, de que era chefe.  À época - o Brasil estava em guerra contra o Eixo - esperávamos minha mãe  e eu, em São Paulo, que ele chegasse a Paulicéia no dia seguinte, para abraçar os  padrinhos Francisco e Deborah Lanzetta. Como se pode ter presente, esta foi uma situação que o destino não permitiu, ao cortar a trajetória exitosa de meu querido genitor, aos trinta e seis anos de idade.

          Ainda tenho os recortes do jornal Correio do Povo que meu avô Romualdo Azeredo me  entregaria anos mais tarde, com fotos e descrição do desastre que abatera tanto o  Lockheed da Varig, novinho em folha,   quanto os sonhos das famílias que nele perderam os seus entes queridos. 

           Que me perdoe o leitor por essa pequena interrupção que, de resto, apenas acena à brutal fatalidade que se abatera sobre aquela família então feliz. As lições existenciais que colhemos de nossos maiores tem de, infelizmente, levar em conta a adversidade dos fatos. Ficamos em Porto Alegre no apartamento do edifício Jaguarão que meu pai tinha projetado, por encomenda paterna,  nos meses que antecederam a meu nascimento. Enquanto  vivo, meu avô Romualdo nos visitava amiúde naquele endereço, e bem sei que o fazia para levar o seu neto à praça da Matriz, o que implicava  caminhada que o obrigava a vencer os muitos degraus do Viaduto,  que ele afrontava com dificuldade, dado o problema que tinha com o andar, mas que não desejava o impedisse no propósito de levar o menino de sete anos, seu neto, que era filho de José, a quem ele tanto prezara, por tudo aquilo que havia conseguido apesar de ainda tão jovem.

            Ficamos em Porto Alegre por uns três anos mais, ao atender minha mãe Maria ao convite de suas irmãs, que foram ao Sul para convencê-la a vir para o Rio de Janeiro, então capital da República, a que ela afinal atenderia após o falecimento do meu querido avô Romualdo Mattos de Azeredo. No Sul, estudara no melhor colégio da cidade, o Anchieta, mas com a transferência para o Rio, ela não pôde matricular-me no Santo Inácio, e teve de inscrever-me  no Anglo-Americano, eis que não poderia pagar a respectiva mensalidade, que ficava acima de suas possibilidades.

             Era, no entanto, também um bom estabelecimento, como o colégio em Copacabana em que mais tarde fiz o Clássico, antes de inscrever-me para a Faculdade Nacional de Direito  e fazer o exame para o Instituto Rio Branco, e o ingresso na diplomacia.     

             Em breve, em meio às dificuldades da juventude  e da preparação para a carreira diplomática, em que sempre contaria com o apoio, firme e sereno, de Maria Mendes de Azeredo, passaram os anos. Continuei, por uns tempos, no apartamento do Posto Seis, enquanto concluía o curso do Instituto Rio Branco.  

              Minha mãe se opusera, de início, a meu casamento com Maria do Rosário Lopes, a quem afinal, sem embargo, ela daria a sua benção, na igreja do outeiro da Glória. Minha querida mãe ainda abraçaria os nossos filhos - e seus netos - Mauro e  José Raphael, mas morreria poucos anos mais tarde, em Brasília, hospedada que estava pelo casal de Mauro e Rosário,  vitimada que foi por este mal, que tanta gente boa arrebata, e está sepulta no campo da Esperança, em branca sepultura, antes levantada por seu filho, e hoje mantida com o desvelo de pessoas boas que lhe eram caras.  A lápide é de mármore branco, e na sua singeleza  lhe homenageia a força e o bom exemplo, em um quadro que quase diria belo, não fora a tristeza que dela constitui uma segunda natureza.  

( Fonte:  memórias do Passado).                  


  

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